"Sonhar" com comida no Bairro Branco, em Almada

"Aumento significativo de procura de alimentos, agora com o covid nota-se muito isso"

Os padres jesuítas que moram entre as populações carenciadas do Bairro Branco, em Almada, notam o aumento da carência alimentar em virtude do desemprego e do trabalho precário. "Quando começou a [pandemia de] covid-19, no sítio onde tínhamos alguns alimentos guardados chegou lá um jovem e disse 'que sonho'. E estava a olhar para comida, não estava a olhar para bicicletas nem para brinquedos. Não faço ideia do que é isso. Dizer que o 'sonho' é comida? É uma realidade dura", relata o padre Gonçalo Machado, que mora entre os habitantes do bairro. Os prédios têm três andares, as são ruas estreitas e há túneis com escadarias sombrias entre os blocos que se situam perto da ponte 25 de Abril, na zona do Pragal, em Almada.
Padres jesuítas pedem ajuda para bairro no Pragal  

No local vivem entre 15 a 20 mil pessoas, a maior parte de origem africana, mas também "algumas pessoas oriundas do interior de Portugal", que tentam na zona da capital melhores condições de vida.
"É um bairro com muita força de trabalho, daqueles periféricos à volta de Lisboa que garante muita produção, mas ao mesmo tempo com muitos problemas de desemprego, tráfico de droga, de armas. E nós tentamos com o nosso trabalho aqui no bairro colmatar tudo isto. A questão alimentar é um problema, estamos a ter um aumento significativo de procura de alimentos, agora com o covid nota-se muito isso", alerta o padre jesuíta.
A Associação Padre Amadeu Pinto, da Companhia de Jesus, desenvolve no Bairro Branco - e em ligação direta com a população -, uma série de atividades educativas "para tirar os mais novos das ruas", com ações diárias de educação, desporto e tarefas oficinais.
Por opção, a associação é um projeto privado que gere fundos próprios em benefício dos moradores carenciados, sendo que as soluções para combater a pobreza "não são fáceis" e devem passar essencialmente pela criação de empregos.

Cimeira vai debater o plano de ação da Comissão Europeia 
Bairro tem cerca de 20 mil pessoas 
"O que as pessoas precisam aqui é de trabalho, se houvesse trabalho não haveria todos estes problemas", frisa o padre Gonçalo, que encara os objetivos da Cimeira do Porto com "pragmatismo".
A Cimeira Social que se vai realizar no Porto nos dias 7 e 8 de Maio vai debater o plano de ação da Comissão Europeia para a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, envolvendo os agentes políticos, mas também setores da sociedade civil, nomeadamente empregadores sindicatos.
As principais metas propõem que, até 2030, 78 por cento dos adultos na Europa tenham emprego, pelo menos 60 por cento das pessoas façam uma ação de formação uma vez por ano e "pelo menos" 15 milhões de europeus, dos quais cinco milhões de crianças, sejam retirados da pobreza.
"É um bom objetivo se o conseguirem atingir (redução da pobreza), mas se é exequível vamos ver. Creio que vai passar por uma boa gestão. Para atingirmos essas metas, mais do que injetar dinheiro, tudo vai passar por uma boa gestão dos recursos que temos, porque não passa por injetar dinheiro", diz o responsável pela Associação Padre Amadeu Pinto.
O jesuíta sublinha que a realidade no Bairro Branco é apenas "uma parte" de um quadro de carência muito mais amplo e muitas vezes "invisível" da Grande Lisboa.

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