Festival Terras Sem Sombra conquistou Grândola

Na terra da fraternidade sopranos internacionais entoaram o Grândola Vila Morena 

De um programa erudito (e, até, circunspecto) de música sacra numa igreja não se esperaria que tivesse, como encore, uma obra de Zeca Afonso. Mas foi isso mesmo o que sucedeu, para surpresa de muitos, no final do concerto Vinho Velho em Odres Novos, que teve lugar na Igreja Matriz de Grândola, no passado sábado. As intérpretes, a eslovaca Patricia Janečková e a sul-coreana Celeste Shin Je Bang – primeiros lugares do último Concurso Internacional de Música Sacra de Roma – brindaram a assistência com uma versão da “Grândola, Vila Morena”, a que logo se juntaram as vozes da plateia. O Festival Terras Sem Sombra prossegue, a 9 de Maio, em Santiago do Cacém. Domingo pela manhã, a ação em prol da biodiversidade teve lugar nas Minas do Lousal e contou com a presença de quase uma centena de participantes, de entre os quais 30 alunos da Eco-Escola das Ameira. 
Duas das melhores sopranos do mundo estiveram em Grândola 


No passado sábado, foi a vez de Grândola acolher um importante concerto da 11ª edição do Festival Terras Sem Sombra, dedicado à música sacra, ao património e biodiversidade. Patricia Janečková e Celeste Shin Je Bang, acompanhadas pela pianista eslovaca Julia Grejtáková, assinalaram esta première nacional, mas de repercussão europeia, numa igreja repleta.
Valorizando o diálogo das correntes musicais do Barroco com as do Romantismo, “o concerto beneficiou de um belíssimo trabalho de programação”, a cargo de Juan Ángel Vela del Campo, como declarou na ocasião José António Falcão, diretor-geral do Festival.“O programa, com um repertório de excelência, prestou tributo ao património cultural desta terra, evocando, como não podia deixar de ser, a fraternidade”, acrescentou. Duas vozes eloquentes numa dramatização constante deixarem perceber a experiência já adquirida em atuações operáticas, pondo a tónica na juventude das interpretações.
Preenchido por peças de Rombi, Handel, Bach, Mozart, Vivaldi, Rossini e Verdi, o programa uniu novas gerações em momentos contrastantes, mas singularizados sempre e sempre pela qualidade vocal, que receberam amplos aplausos e “bravos”.
Com o tema O Magnum Mysterium – Diálogos Musicais no Sul da Europa (Séculos X-XXI), a presente edição do FTSS decorre até 4 de Julho, com concertos em igrejas do Alentejo e iniciativas associadas à salvaguarda da biodiversidade (nas manhãs dos dias a seguir aos espetáculos). As próximas atividades terão sede em Santiago do Cacém (a 9 de Maio), Castro Verde, Moura e Beja.
Entre os espetadores vindos das mais diversas partes, do Algarve ao Minho, Galiza incluída, sem esquecer as freguesias rurais de Grândola e concelhos limítrofes – uma combinação muito interessante –, encontravam-se o embaixador da Eslováquia Jozef Adamec, o presidente da Câmara António Figueira Mendes e os vereadores Carina Batista, Fernando Sardinha, António Candeias e Graça Nunes, bem como o presidente da Assembleia Municipal Rafael Rodrigues, e vários eleitos, a presidente da Junta de Freguesia, Fátima Luzia, o Vigário-Geral da Diocese, Cónego Domingos Pereira, o administrador do Montepio Geral Carlos Beato, e os representantes da Soberana e Militar Ordem de Malta e da Ordem Equestre do Santo Sepulcro.

Um festival diferente na serenidade do Alentejo
Serenidade do Alentejo cativou cantoras 
Levar a cabo um concerto com este envolvimento tem os seus segredos. Num anoitecer marcado pelo esvoaçar de andorinhas, em terra de muitos encantos, a equipa do festival e da paróquia de Grândola organizavam os últimos preparativos para a estreia.
As intérpretes descansavam e, num retiro por trilhos alentejanos. encontravam a serenidade necessária para a grande noite que não tardava em chegar.
Na vila, fazia-se sentir a presença do festival, tema que, pelos cafés, praças e largos, punha a conversar locais e forasteiros, todos curiosos em relação ao tão esperado repertório que iria ser escutado à noite.
Ora isto é, também, uma das marcas do Terras sem Sombra: dinamizar a vida em torno da música dita “clássica”, ao longo do território diocesano, e dar a conhecer o que há de mais interessante em cada ponto visitado.
Marcando a estreia da soprano Patricia Janečková e da meio-soprano Celeste Shin Je Bang em Portugal, o espetáculo ligou a feição erudita ao canto popular tradicional e, com uma forte e muita emotiva resposta do público, terminou num mar de aplauso, em comovida e sincera exaltação das três notáveis intérpretes.
Após o concerto, foi na paróquia que a comunidade do festival ceou, outro momento inesquecível de convívio. Em redor de longa mesa de madeira, a população local uniu-se aos “estrangeiros”, agora amigos, e, numa breve oração, cantada sob a orientação do pároco, Manuel António do Rosário, deram-se as graças, celebrando o ágape, recheado de iguarias da terra, que acompanhou o alegre serão dessa noite.

Uma viagem pela era Geológica nas Minas do Lousal 
Público do concerto visitou Minas do Lousal na manhã seguinte

Domingo pela manhã, a ação em prol da biodiversidade teve lugar nas Minas do Lousal e contou com a presença de quase uma centena de participantes, de entre os quais 30 alunos da Eco-Escola das Ameira e respetivos professores e técnicos, que trabalha há vários anos com o Festival Terras sem Sombra.
Ao longo de um percurso na área envolvente da aldeia do Lousal, numa constante viagem ao passado, os participantes foram ao subsolo de galerias mineiras, observaram lagoas ácidas e contemplaram uma paisagem com rochas das mais variadas cores, onde se destacavam os sons e cheiros da natureza, orientados, entre outros peritos, por João Matos, investigador do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, e Tânia Ferreira, técnica do Centro Ciência Viva.
Por fim, com o abrir do apetite, foi num piquenique ao ar livre, sob a sombra de árvores, organizado pela Santa Casa da Misericórdia de Grândola.
A ação no Lousal terminou ao som de uma velha canção a Santa Bárbara, padroeira dos mineiros, entoada com entusiasmo pelos alunos da Eco-Escola das Ameira.
Esta inédita experiência de leitura da geodiversidade – uma variante da biodiversidade – levou miúdos e graúdos numa viagem pela arqueologia mineira.
A iniciativa contou com a colaboração, além do Laboratório Nacional de Energia e Geologia e do Centro de Ciência Viva do Lousal, já referidos, do Comité IGCP – UNESCO e do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
Os participantes foram convidados a reviver o extraordinário património geológico e a vida dos homens que por lá exerceram ofícios, numa das várias minas que encerrou “pela falta de valor económico do minério explorado”, como explicou João Matos.
Ao longo de um itinerário pela Mina do Lousal, antiga exploração de pirites de onde se extraía, em particular, o enxofre, iniciou-se o périplo pela atividade nas instalações do Centro de Ciência Viva.
Seguiram-se o conhecimento de instalações, de falhas geológicas e da velha corta.
Depois, numa caminhada pelo extenso passadiço de madeira, descobriram-se curiosas narrativas sobre superstições, crenças e curiosidades destes homens, enquanto os visitantes caminhavam pelos poços, edifício de trituração de minério e lagoas.
A viagem pela “cidade fantasma” foi ilustrada por um cenário rochoso tingido de tons de avermelhados, amarelos e brancos, que não deixou de despertar os participantes para um passado ainda muito presente.
Culminando uma ida ao subsolo, na galeria Valdemar, ponto alto desta ação, os participantes tiveram ainda oportunidade de visitar o Museu Mineiro, que dispõe de uma coleção de instrumentos e miniaturas geológicas.

Agência de Notícias

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