Erro em ecografias na clínica revela médicos sem certificação adequada
Uma mãe descobriu o risco de trissomia 21 apenas depois de ultrapassado o prazo legal para interromper a gravidez. Leonor nasceu saudável, mas o susto deixou feridas que a confiança médica dificilmente cura. A clínica do Pinhal Novo volta a estar sob intenso escrutínio jornalístico. Sabe-se agora que a clínica tem médicos sem competência para ecografias diferenciadas, segundo a Ordem dos Médicos.![]() |
| Erros em ecografias revelam falhas de certificação diz a Ordem |
Nos bastidores, um dado inquietante veio à tona: os médicos que não detetaram as malformações graves num bebé e que ignoraram o risco de trissomia 21 não tinham competência para realizar ecografias diferenciadas.
Tânia Correia ainda se lembra do som apressado do aparelho, do silêncio do médico e da ausência de explicações.
“Fiquei sempre com a sensação de que era tudo a correr. Não deixavam acompanhantes. O doutor não explicava o que estava a fazer”, contou em entrevista à SIC.
Foi numa dessas consultas que lhe garantiram que “estava tudo bem”. As ecografias do primeiro e do segundo trimestre - exames decisivos para despistar anomalias cromossómicas e avaliar a anatomia do feto - nada mostraram de errado.
A verdade chegou às 25 semanas, quando Tânia ficou sem médica de família e passou a ser acompanhada por um obstetra. Foi ele quem notou as falhas. “A ecografia não estava bem feita”, disse-lhe, desconfiado das medições que não coincidiam com o relatório anterior.
Quando a dúvida chega tarde demais
A nova ecografia trouxe uma suspeita: risco de trissomia 21. “Lembro-me de chorar e dizer para a barriga: ‘a mãe ama-te na mesma’. Foram dias muito duros de processar”, recorda Tânia.
A confirmação de que Leonor estava saudável chegou apenas depois de ultrapassado o prazo legal para interromper a gravidez em casos de doenças incuráveis. Hoje, Leonor é uma criança cheia de energia - mas a incerteza vivida pela mãe continua a ecoar.
A nova ecografia trouxe uma suspeita: risco de trissomia 21. “Lembro-me de chorar e dizer para a barriga: ‘a mãe ama-te na mesma’. Foram dias muito duros de processar”, recorda Tânia.
A confirmação de que Leonor estava saudável chegou apenas depois de ultrapassado o prazo legal para interromper a gravidez em casos de doenças incuráveis. Hoje, Leonor é uma criança cheia de energia - mas a incerteza vivida pela mãe continua a ecoar.
Médicos sem formação específica
Entre as várias queixas que recaem sobre a clínica, há uma considerada particularmente grave. Em 2023, um casal recebeu com alegria o resultado da ecografia morfológica - o exame que permite avaliar a anatomia do feto - que, segundo o relatório médico, “não mostrava qualquer anomalia”.
A boa notícia, porém, não correspondia à realidade. Após o nascimento, o diagnóstico confirmou-se: hemimelia do perónio direito, tipo II - a forma mais grave de deformidade, caracterizada pela ausência parcial do osso.
A família, abalada emocional e financeiramente, procurou tratamento no setor privado e exige agora uma indemnização por negligência médica.
Na queixa apresentada ao Ministério Público, à qual a SIC teve acesso, a mãe relata todo o processo de acompanhamento: “A ecografia morfológica foi feita na Ceraque do Pinhal Novo e não foi detetada nenhuma malformação”, lê-se no documento.
As revelações mais recentes levantam questões sérias sobre quem realiza ecografias em Portugal.
De acordo com a Ordem dos Médicos, os dois clínicos envolvidos nos casos de ecografias erradas não possuem a competência de ecografia obstétrica diferenciada - necessária para realizar este tipo de exame em grávidas.
Álvaro Cohen, presidente do Colégio de Competência de Ecografia Obstétrica Diferenciada da Ordem dos Médicos, é claro:
“Não ver uma perna, a falta completa de um membro, eu diria que é um erro grosseiro. Uma ecografia feita às 12 semanas deve obrigatoriamente mostrar ao casal os quatro membros e os três segmentos de cada um”.
Cohen, especialista reconhecido a nível nacional e internacional, foi responsável por criar esta competência em dezembro de 2019, após o mediático caso do bebé Rodrigo, que nasceu sem rosto.
Entre as várias queixas que recaem sobre a clínica, há uma considerada particularmente grave. Em 2023, um casal recebeu com alegria o resultado da ecografia morfológica - o exame que permite avaliar a anatomia do feto - que, segundo o relatório médico, “não mostrava qualquer anomalia”.
A boa notícia, porém, não correspondia à realidade. Após o nascimento, o diagnóstico confirmou-se: hemimelia do perónio direito, tipo II - a forma mais grave de deformidade, caracterizada pela ausência parcial do osso.
A família, abalada emocional e financeiramente, procurou tratamento no setor privado e exige agora uma indemnização por negligência médica.
Na queixa apresentada ao Ministério Público, à qual a SIC teve acesso, a mãe relata todo o processo de acompanhamento: “A ecografia morfológica foi feita na Ceraque do Pinhal Novo e não foi detetada nenhuma malformação”, lê-se no documento.
As revelações mais recentes levantam questões sérias sobre quem realiza ecografias em Portugal.
De acordo com a Ordem dos Médicos, os dois clínicos envolvidos nos casos de ecografias erradas não possuem a competência de ecografia obstétrica diferenciada - necessária para realizar este tipo de exame em grávidas.
Álvaro Cohen, presidente do Colégio de Competência de Ecografia Obstétrica Diferenciada da Ordem dos Médicos, é claro:
“Não ver uma perna, a falta completa de um membro, eu diria que é um erro grosseiro. Uma ecografia feita às 12 semanas deve obrigatoriamente mostrar ao casal os quatro membros e os três segmentos de cada um”.
Cohen, especialista reconhecido a nível nacional e internacional, foi responsável por criar esta competência em dezembro de 2019, após o mediático caso do bebé Rodrigo, que nasceu sem rosto.
“Tem de ser penalizada a clínica e o médico”
Para o médico, não há dúvidas: “Tem de ser penalizada a clínica e o médico.” O especialista considera que a responsabilidade vai além de uma falha técnica e exige a verificação das habilitações dos profissionais que realizam exames de diagnóstico pré-natal.
“Da parte do Ministério da Saúde tem de haver a preocupação de saber se as pessoas que estão a fazer ecografias têm capacidade e competência para o fazer”, acrescenta.
A ministra da Saúde pronunciou-se sobre o caso apenas para afirmar que “não conhece bem os contornos da situação”. Ana Paula Martins diz conhecer o caso apenas pelas notícias: “Se tiver alguma coisa a dizer, direi. Mas pode nem ser preciso”, garantiu.
Na Ordem dos Médicos existem processos disciplinares contra os clínicos envolvidos - alguns mais antigos e entretanto arquivados.
Para o médico, não há dúvidas: “Tem de ser penalizada a clínica e o médico.” O especialista considera que a responsabilidade vai além de uma falha técnica e exige a verificação das habilitações dos profissionais que realizam exames de diagnóstico pré-natal.
“Da parte do Ministério da Saúde tem de haver a preocupação de saber se as pessoas que estão a fazer ecografias têm capacidade e competência para o fazer”, acrescenta.
A ministra da Saúde pronunciou-se sobre o caso apenas para afirmar que “não conhece bem os contornos da situação”. Ana Paula Martins diz conhecer o caso apenas pelas notícias: “Se tiver alguma coisa a dizer, direi. Mas pode nem ser preciso”, garantiu.
Na Ordem dos Médicos existem processos disciplinares contra os clínicos envolvidos - alguns mais antigos e entretanto arquivados.
A resposta e as justificações
Durante a última semana, a clínica envolvida limitou-se a responder por escrito à SIC, afirmando que “não é possível detetar tudo nas ecografias, por muito que a tecnologia tenha avançado”.
Mas Álvaro Cohen discorda frontalmente: “As ecografias em Portugal são de qualidade, muito acima da média europeia. O problema é quando são feitas por quem não tem formação específica”.
No site da Ordem dos Médicos é possível verificar que os profissionais em causa têm apenas a especialidade registada - sem a competência diferenciada que os habilitaria a realizar este tipo de exame.
Durante a última semana, a clínica envolvida limitou-se a responder por escrito à SIC, afirmando que “não é possível detetar tudo nas ecografias, por muito que a tecnologia tenha avançado”.
Mas Álvaro Cohen discorda frontalmente: “As ecografias em Portugal são de qualidade, muito acima da média europeia. O problema é quando são feitas por quem não tem formação específica”.
No site da Ordem dos Médicos é possível verificar que os profissionais em causa têm apenas a especialidade registada - sem a competência diferenciada que os habilitaria a realizar este tipo de exame.
Reclamações e investigação em curso
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| Especialistas falam em "erros grosseiros" |
O regulador lembra que as queixas podem ou não traduzir casos de negligência médica, mas garante que todas são analisadas segundo critérios de qualidade técnica, adequação dos procedimentos e respeito pelos direitos das utentes.
Casos com possíveis indícios de negligência são encaminhados para as respetivas ordens profissionais e para o Ministério Público, que já abriu um inquérito sobre os exames realizados.
Em resposta, a clínica afirmou que “todas as ecografias são feitas por médicos especialistas” e que o relatório clínico “não identificou qualquer anomalia visível”, acrescentando que tomou conhecimento do caso apenas através da comunicação social.
Quanto ao caso do bebé que nasceu com uma perna incompleta e apenas dois dedos no pé - também ligado à clínica -, a instituição diz que responderá “única e exclusivamente” ao Ministério Público, no processo que decorre no DIAP de Setúbal.
Entre a confiança e o erro
As histórias de Tânia e de outras mulheres expõem uma falha que não é apenas técnica - é humana.
Quando uma ecografia falha, o que se perde não é apenas um diagnóstico: é a confiança num sistema que deveria proteger.
E enquanto se discutem competências, regulamentos e responsabilidades, há mães que continuam a entrar em consultórios com um misto de fé e medo, esperando que, desta vez, o ecrã diga a verdade. E isso, por si só, deveria preocupar a Ministra da Saúde.
As histórias de Tânia e de outras mulheres expõem uma falha que não é apenas técnica - é humana.
Quando uma ecografia falha, o que se perde não é apenas um diagnóstico: é a confiança num sistema que deveria proteger.
E enquanto se discutem competências, regulamentos e responsabilidades, há mães que continuam a entrar em consultórios com um misto de fé e medo, esperando que, desta vez, o ecrã diga a verdade. E isso, por si só, deveria preocupar a Ministra da Saúde.


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