Transtejo comprou barcos elétricos sem bateria para as ligações da Margem Sul a Lisboa

Seixal, Cacilhas e Montijo já não terão barcos novos. Empresa comprou nove navios incompletos. É como "comprar carro sem motor", diz o Tribunal de Contas 

Tribunal de Contas chumbou o contrato para a compra de baterias para nove dos 10 novos navios da Transtejo. O negócio foi declarado como ilegal e o relatório do Tribunal de Contas vai ser enviado para o Ministério Público para “eventual apuramento de responsabilidade financeira e/ou de responsabilidade criminal”, escreve nesta quinta-feira o Público. No final de 2020, a Transtejo escolheu os espanhóis da Astilleros Gondán, por 52,44 milhões de euros, para fornecer dez novos barcos elétricos para fazer as ligações fluviais de Lisboa com Cacilhas, Montijo e Seixal. No entanto, nove dos navios foram comprados sem baterias, que seriam compradas num concurso em separado por serem um “custo operacional”. O Tribunal de Contas considera o negócio "irracional": "É como comprar um carro sem motor". Ou seja, dos 10, só um navio terá baterias para navegar. Por esse motivo, o Tribunal de Contas vai mandar para o Ministério Público uma cópia do acórdão.
Tribunal de Contas chumba dinheiro adicional para baterias

O Tribunal de Contas entende que “o comportamento da Transtejo, com a prática de um conjunto sucessivo de decisões que não são apenas economicamente irracionais, mas também ilegais, algumas com um elevado grau de gravidade, atinge o interesse financeiro do Estado e tem um elevado impacto social”. Os juízes remeteram as suas conclusões para o Ministério Público, de forma a que sejam apuradas eventuais responsabilidades financeiras ou criminais

A Transtejo comprou por 52,4 milhões de euros dez navios elétricos de transporte de passageiros, mas nove dos catamarãs foram adquiridos sem as respetivas baterias e estavam, portanto, inoperacionais. “É como comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais”, consideram os juízes de Tribunal de Contas, que chumbou a aquisição, à parte e por ajuste direto, das baterias pelo valor de 15,5 milhões de euros.
“Não se pode sequer falar em navios sem as baterias, como não se pode falar, por exemplo, em navios sem motor ou sem leme. Isto porque elas constituem uma parte integrante desses navios”, refere o acórdão do Tribunal de Contas divulgado esta quarta-feira.
Além de ter travado a compra das baterias para as nove das dez embarcações, o Tribunal de Contas considera todo o negócio tão lesivo do interesse público que remeteu o caso para o Ministério Público, para que sejam apuradas eventuais responsabilidades financeiras ou até criminais.
A compra dos dez navios elétricos tinha como objetivo renovar a frota que faz as ligações entre Lisboa e a margem Sul do Tejo e, em 2021, a Transtejo deu conta ao Tribunal de Contas de que iria abrir um concurso público para adquirir as baterias para as nove embarcações.
No entanto, o contrato que entregou há meses ao Tribunal de Contas é, na verdade, um ajuste direto à mesma empresa espanhola que tinha vendido os navios, que por sua vez iria comprá-las a outra empresa, a Corvus Energy.
Os juízes do Tribunal de Contas entendem que esta compra indireta, através de uma empresa intermediária, tem um objetivo claro: “A resposta só pode ser uma: havendo um intermediário, aumenta o preço”.
O Tribunal de Contas diz mesmo que a Transtejo mentiu ao tribunal quando prometeu um novo concurso público. “Tinha perfeito conhecimento de que estava a faltar à verdade ao tribunal quando disse que iria recorrer a um concurso autónomo para o fornecimento das baterias, induzindo-o em erro”, lê-se no acórdão, que acrescenta ainda que, com os dados todos, o tribunal poderia e deveria ter chumbado o primeiro contrato.
Os juízes recusam ainda a explicação apresentada pela Transtejo de que a empresa não tinha verbas suficientes para comprar os navios e as baterias em simultâneo, questionando: “Se este limite só permitia adquirir um navio completo e nove incompletos, não teria sido melhor comprar menos navios, mas completos? Com as baterias, que lhes permitissem navegar?”
Para o tribunal, a decisão da Transtejo é economicamente irracional, mas também ilegal, tendo “elevado grau de gravidade” e atingindo “o interesse financeiro do Estado” com “elevado impacto social”.
Neste momento, a Transtejo apenas recebeu um navio elétrico, o único que já tem as baterias incluídas. Estava previsto que primeiras quatro embarcações elétricas começariam a navegar no final deste ano entre o Cais do Sodré e Seixal; em 2024, chegariam mais quatro; as últimas duas só transportariam passageiros em 2025. Agora o negócio está em risco porque a empresa não terá dinheiro para comprar as baterias para os barcos que encomendou. 

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