Chuva de reclamações no Festival do Sol da Caparica

Artistas e público queixam-se de “caos” no festival. “Não brincam mais connosco!”

Prometia cinco dias de sol, música de vários países onde se fala o português, comédia, surf, dança, um dia especial para os mais pequeninos no Parque Urbano da Costa de Caparica e até uma roda gigante. No entanto, o Sol da Caparica, que acabou na segunda-feira, foi um rol de desorganização pouco habitual num festival desta dimensão. O balanço da organização é positivo, mas também houve queixas, problemas técnicos, horários alterados em cima da hora, protestos em palco, concertos interrompidos e outros que nem atuaram. A falta de acessos para pessoas com mobilidade reduzida, palcos sem condições adequadas, água a preços exagerados, falta de circuitos de segurança, imprensa, fotógrafos e repórteres de imagem com limitações nos palcos e falta de informação foram algumas das criticas mais evidenciadas pelos artistas e pelo público. E qual a resposta da organização?  São situações "normais" e "pontuais", refere a promotora do festival, o Grupo Chiado, que destaca que esta foi a edição que teve a “maior lotação de sempre: 150 mil pessoas em cinco dias". Para acabar pior, um dos organizadores  do evento, foi para as redes sociais insultar artistas. 
Festival teve 150 mil pessoas e outras tantas reclamações

Em entrevista à SIC Notícias, o promotor Zahir Assanali fez um balanço muito positivo desta 7.ª edição do festival. “Foi um sucesso, registámos a maior lotação de sempre e tivemos uma megaoperação no terreno. Criámos 700 postos de trabalho, o turismo local esgotou e contámos com mais de 100 artistas”, disse o CEO do Grupo Chiado que, com a Câmara de Almada, promovem o Sol da Caparica. 
Questionado sobre os problemas registados e denunciados por alguns músicos e bandas, Zahir Assanali admitiu que "no primeiro dia" do festival “falhámos na abertura de portas por uma questão de segurança e isso fez com que os horários descambassem”. Questionado sobre que questão de segurança foi essa não esclareceu, optando por destacar que: “Assumimos [a responsabilidade] e pedimos desculpa, e depois do primeiro dia recuperámos".
Confrontado ainda com as críticas do público nas redes sociais, em particular sobre a organização do festival, o promotor diz que se deve apenas ao facto de ser uma "massa crítica muito exigente" a da Margem Sul.
Outro elemento da organização, Rui Campos Pires, criticou ainda algumas bandas ao escrever numa rede social de que são os "artistas quem devem se adaptar ao evento e não o evento aos artistas". Zahir Assanali apenas responde que "todos podem dizer o que quiserem". 
Mas será que o erro esteve nos artistas? Não. Na opinião de várias bandas, o festival aconteceu por “milagre” porque o que lá encontraram “foi um caos”. Graças ao "profissionalismo dos artistas, acabou por correr mais ou menos bem".
Que o digam Os Quatro e Meia, que durante a atuação, no último dia, manifestaram o seu descontentamento: “Esta noite estamos aqui em cima do palco por vocês porque pagaram bilhetes. Acabou-se o politicamente correto! Não brincam mais connosco”.
O manager da banda disse sem papas na língua que "tudo correu mal" e explicou recorrendo a uma metáfora. “É como ir a um restaurante e o pedido vem errado, a comida vem tarde, a bebida não foi a que pedimos e, no final, a conta chega errada. [Houve] todo o tipo de questões. Tudo correu mal, sabemos que não houve ninguém mal intencionado, mas só atuamos por respeito ao público e também por respeito a pessoas que fazem parte da organização e por quem temos consideração”, disse em entrevista à SIC Notícias. 
A banda acabou por se tornar na voz da revolta de outros artistas que desde quinta-feira (primeiro dia do festival) tiveram problemas. Foi o caso de Miguel Ângelo que subiu ao palco “com um atraso de três horas”, mas o pior ainda estava para vir.
Depois de Legendary Tigerman ter anunciado o cancelamento do seu concerto no festival O Sol da Caparica, que se realizou no passado fim de semana, foram vários os artistas a manifestar o seu descontentamento com a organização do evento, que resulta de uma parceria entre a Câmara de Almada e a promotora Grupo Chiado. 
“Com grande esforço de todos, e no intuito natural de apresentar ao público o espetáculo que ali nos levou, tentámos ultrapassar as várias dificuldades técnicas e logísticas que causaram um atraso de três horas nas atuações do Palco Free Now”, pode ler-se no comunicado partilhado no Instagram de Legendary Tigerman, que tinha atuação agendada para quinta-feira passada, 11 de Agosto. “Chegados ao limite horário permitido para a realização do festival, constatámos que não seria possível que o The Legendary Tigerman apresentasse, de todo, o seu espetáculo, motivo pelo qual nos resignámos à única solução possível: o cancelamento”.
Miguel Angelo, que tinha concerto marcado para o mesmo dia e no mesmo palco de Tigerman, só tocou duas canções e com um longo atraso relativamente à hora prevista para o início da sua atuação. “Percebia-se, desde manhãzinha cedo, no ensaio de som, que as questões técnicas e práticas do palco Free Now n’O Sol da Caparica estavam muito aquém do que é necessário para um festival com esta dimensão”, escreveu o músico no seu Instagram, “o cancelamento após duas canções e meia do início do meu (des)concerto ontem à noite – depois de um atraso de três horas (estava previsto às 21h20 e entrei em palco às 00h17).  Miguel Angelo termina a mensagem dizendo: “tenho uma carreira a caminho dos 40 anos e há coisas que simplesmente já não podem acontecer no Portugal dos Festivais em 2022”.

Rebentação de extintor causa pânico no palco onde atuavam os Karetus 
Karetus, uma das bandas que tiveram de parar a meio do concerto
Os Karetus, que atuaram no palco eletrónico no sábado, também se viram a braços com dificuldades, tendo posteriormente partilhado uma mensagem nas redes sociais na qual lamentaram não ter conseguido terminar a sua atuação no festival. 
“Ao longo dos últimos dias solicitámos várias vezes a alteração do local do espetáculo por sentirmos que o palco onde atuámos não reunia as condições técnicas, de segurança, de logística e de dimensão de forma a que pudéssemos entregar o espetáculo que todos esperavam”, escreve a dupla, “tentámos fazer o concerto nas condições que nos apresentaram. Pelo bem-estar de todos, a meio da atuação, tivemos de abandonar o palco, dado que não estavam reunidas quaisquer condições de segurança para continuar. Foi a primeira vez na nossa carreira que interrompemos um espetáculo”.
E quais foram os motivos que levou a banda a deixar o palco? A falta de instabilidade do palco que abanava muito, um facto comprovado pela equipa de reportagem da ADN-Agência de Notícias no local.  Agravou-se quando um dos extintores rebentou, provocando o pânico na plateia. Algumas pessoas sentiram-se mal e algumas tiveram mesmo assistência médica. 
Uma situação "normal" diz o CEO do Grupo Chiado que desvalorizou por completo o sucedido. Na verdade, só um milagre e um comportamento exemplar do público e da banda impediu que algo muito grave acontecesse naquele espaço.  Uma espécie de tenda de circo, com ar abafado, com capacidade para três mil pessoas mas onde estavam, em quase todos os concertos, cerca de 10/15 mil pessoas. A isto juntou-se um palco muito instável e sem as condições necessárias para um festival desta dimensão. 

Sol da Caparica? "Nunca mais" dizem alguns artistas
Muitos artistas admitem não voltar à Caparica 
Se para a promotora do festival estamos perante “um sucesso”, para as bandas foi algo inédito pelos piores motivos. Tanto assim é que poucas admitem voltar a atuar no Sol da Caparica.
“Com esta equipa, com esta promotora, nunca mais”, garantem Os Quatro e Meia. E o Miguel Ângelo? “A menos que no convite venha já a informação toda que precisamos, não estamos disponíveis”.
No mesmo sentido foram as respostas The Legendary Tigerman e dos Karetus. “Não sei, temos de ponderar, é preciso perceber que condições vão estar reunidas”, conta a manager de Paulo Furtado.
“Não com esta organização, com esta promotora”, garante Carlos Silva dos Karetus, salientando que este ano tinham “promessas e garantias desde Janeiro e aconteceu o que aconteceu em palco". Mais, refere, “o artista é que fica em cheque e o público está sempre em primeiro lugar”.
A promessa, neste momento, da promotora é de “melhorar o que falhámos e criar mais condições, nomeadamente de horários, do alinhamento de artistas”, disse Zahir Assanali, mas sem adiantar mais pormenores. 
"Quando vamos a um festival, e tendo em conta o dinheiro que gastamos num bilhete diário ou passe geral, pretendemos não só assistir a bons concertos, como ter boas condições no festival. Afinal de contas, estamos a investir o nosso dinheiro e a usar o nosso tempo livre em prol da cultura. E os artistas bem merecem, após dois anos complicados derivados da pandemia", disse à ADN-Agência de Notícias, Mariana Martins, que foi assistida por uma equipa médica, no palco principal. "Quase fui esmagada. Não há espaço. Não podemos trazer água.  É um espaço exíguo", disse Mariana que veio com um grupo de amigos de Espinho para a Costa de Caparica.  
"Infelizmente, nem todas as promotoras sabem organizar festivais ao pormenor, ou se o sabem fazer, há diversas falhas que, a este nível, não deviam acontecer", disse ainda Mariana que depois de assistida foi aconselhada a sair do recinto para ser vista no hospital. 
Nas várias reclamações partilhadas por elementos do público no Portal da Queixa, destacam-se as longas filas para entrar, problemas de atrasos dos concertos e falta de informação nas redes sociais do festival. 

Comida deitada para o lixo, zero de inclusão e de reciclagem 

Outra queixa está relacionada com o que se pode levar para o festival. Uma falha de comunicação fez com que a equipa de segurança não deixasse entrar comida no recinto, mesmo que fossem sandes embrulhadas em papel alumínio. “Está um contentor cheio de sandes embrulhadas em alumínio”, alega uma das pessoas que foi ao festival, o que fez com que quilos e quilos de comida fossem desperdiçados. “Ironicamente têm uma banca da Refood no festival”, diz outro queixoso.
“Obrigar a deixar comida no lixo, sem que isto esteja nas regras, não é aceitável. A oferta de comida não vai de encontro a todas as dietas e restrições alimentares e, por isso, descrimina parte da população. A pegada ambiental deste desperdício todo vai contra a filosofia deste festival, é lamentável. Um festival que se tem vindo a destacar pelos artistas e valores está agora a cair para ser só mais um ato de publicidade”, disse Cristina Almeida em mensagem enviada à ADN-Agência de Notícias. 
Há pessoas com mobilidade reduzida que também gostam de ir aos seus concertos. Porém, e para isso, é necessário existirem condições que lhes permitam esse acesso. E de acordo com algumas pessoas nesta situação, o festival O Sol da Caparica não foi propriamente inclusivo.
“Não tem plataformas para mobilidade condicionada em nenhum dos palcos! Apenas tem um WC de mobilidade condicionada com uma rampa vergonhosa! Sempre que precisei de ir ao WC, depois de uma hora para que me indicassem corretamente onde era, precisei de ajuda de dois bombeiros ou de seguranças ou da proteção civil para colocarem a cadeira dentro do mesmo! Nunca estive num festival tão mal organizado para pessoas com mobilidade condicionada! Não tem estacionamento próprio, não tem entrada específico para cadeira de rodas, com rampas! Não sei como a câmara municipal de Almada deixou passar todas estas falhas que não são permitidas por lei!”, disse uma festivaleira nas redes sociais. 
Muitas outras queixas estão relacionadas com os preços praticados dentro do recinto para consumir alguma coisa, com as poucas casas de banho (algumas delas até avariadas), com caixas Multibanco avariadas, com torneiras que deitam pouca pressão de água, com a fraca qualidade de som em alguns palcos, com horários extra de autocarros que não foram cumpridos, com filas e mais filas… Enfim, há um pouco de tudo.
Para nós jornalistas, fotógrafos e repórteres de imagem os problemas também foram vários. Sem nenhum acesso aos artistas, sem meios logísticos para trabalhar em pleno e com acesso aos palcos limitado enquanto pessoas convidadas tinham livre acesso a fotografar e filmar tudo com os seus telemóveis. 
Não se sabe ao certo o que terá causado toda esta desorganização, mas uma coisa é certa: esta edição não será lembrada pelas melhores razões apesar do recorde de público. Mas já se percebeu que o Parque Urbano da Costa de Caparica não é o local ideal para um festival desta dimensão. E a câmara de Almada teve alguma posição? Até agora, nenhum comentário sobre o que se passou no festival. 

Agência de Notícias 
Fotografia: Meg Borgia 

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