Os dias difíceis dos jogadores do Olímpico do Montijo

Autarquia apoia jogadores africanos com comida face ao atraso salarial

Quatro jogadores africanos do Olímpico do Montijo receberam bens alimentares através da causa solidária organizada por futebolistas do Campeonato de Portugal, enquanto atravessam a pandemia de covid-19 desiludidos pelo incumprimento salarial dos últimos três meses. “Temos um frigorífico para conservar o peixe e as carnes e deram-nos um pouco de tudo, incluindo produtos essenciais que temos de consumir rápido ou podem-se estragar. Por acaso, estamos bem servidos neste momento”, contou o defesa cabo-verdiano Hidélvis Jardim, de 28 anos, que divide um apartamento alugado pela SAD ‘aldeana’ com o nigeriano Patrick Igwe e os angolanos José Miranda e Vumi Mpasi. A ausência de jogos veio agravar a sustentabilidade de uma instituição fundada em 2007, cuja administração da SAD, liderada pela investidora chinesa Mia Chunyan, tem falhado o pagamento dos ordenados a jogadores, treinadores e funcionários desde o início do ano, gerando diversas “situações urgentes”. A investidora está na China à espera de uma autorização que permita regressar ao Montijo
Pandemia trouxe o caos ao Olímpico do Montijo 

O apoio foi desencadeado pelo companheiro de equipa Evandro Roncatto, avançado brasileiro que representou Belenenses e Paços de Ferreira há uma década na I Liga, e que solicitou donativos alimentares à iniciativa “Do Futebol para a Vida”, entregues em 15 de Abril pelos promotores Paulinho e Sandro Silva, defesas do Real Massamá.
Com a interrupção do futebol em 12 de Março, motivada pela pandemia do novo coronavírus, o restaurante que servia refeições aos estrangeiros do Olímpico do Montijo precisou de três dias para fechar as portas por tempo indefinido, deixando o quarteto de atletas numa “situação complicada”, amenizada pela ajuda de adeptos, empresários e dirigentes.
“No dia em que o restaurante fechou, levei algum dinheiro que a SAD tinha disponível. Foi tudo tão rápido que esse era o passo mais fácil de dar. Pedi aos futebolistas que me voltassem a contactar mal esse dinheiro acabasse, para que depois lhes pudéssemos levar alimentos”, recordou à agência Lusa o diretor desportivo Paulo Ribeiro.
Alguns dias depois, o vice-presidente da Câmara do Montijo disponibilizou um local com bens essenciais que podem ser consumidos pelos jogadores africanos “quando quiserem”, enquanto “a pandemia não for resolvida e o restaurante estiver fechado”, opção que não os inibiu de acederem à ação solidária erguida por companheiros de profissão.
Os ‘canarinhos’ jogaram pela última vez em 8 de Março, quando a goleada sofrida no terreno do líder Olhanense (5-0) permitiu a aproximação do Sacavenense, o primeiro clube na zona de descida da Série D do Campeonato de Portugal, com os mesmos 21 pontos, numa prova não profissional cancelada a 8 de Abril pela Federação Portuguesa de Futebol.

Investidora chinesa "retida" na China 
A ausência de jogos veio agravar a sustentabilidade de uma instituição fundada em 2007, cuja administração da SAD, liderada pela investidora chinesa Mia Chunyan, tem falhado o pagamento dos ordenados a jogadores, treinadores e funcionários desde o início do ano, gerando diversas “situações urgentes”, que “vão sendo resolvidas” aos poucos.
“O salário de Dezembro foi pago a 8 de Janeiro. Mas como foram sempre certinhos connosco, tínhamos esperança de que nos pagariam a qualquer hora. Nem chegámos a pensar numa greve enquanto jogávamos, até porque nessa altura só tínhamos um ou dois meses em atraso e ninguém previa o que está a acontecer”, observou Hidélvis Jardim.
Desde Janeiro de 2019 à frente do Olímpico do Montijo, a sociedade anónima foi justificando as dívidas com o regresso de Mia Chunyan à China, onde solicitou, em 17 de Outubro, um visto que permitisse a continuidade das suas funções em Portugal, alegando ainda não ter obtido qualquer resposta por parte da embaixada lusa em Pequim.
“Naturalmente, não me é possível conhecer a fundo e gerir as situações e dificuldades que o clube vem atravessando. Face ao exposto, foi decidido suspender temporariamente o financiamento do clube, até que eu consiga obter o visto para regressar”, lê-se numa carta dirigida à estrutura montijense a 7 de Abril, a que a agência Lusa teve acesso.
Além de receber 9.650 euros através do fundo de garantia salarial do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, os ‘aldeanos’ já recorreram este mês à linha de crédito federativa, que prevê empréstimos até 35 mil 250 euros por cada clube do Campeonato de Portugal, de modo a atenuar os efeitos económicos da covid-19.
“Enquanto o sindicato não adiantou dinheiro, alguns jogadores com habitação própria comunicaram-me problemas sérios. Nenhum estava relacionado com rendas e todos foram resolvidos. Só que todos continuam a precisar de salários e falta saber quando chega a investidora, para tentarmos levar isto a bom porto”, apontou Paulo Ribeiro.
Até ver, os 23 jogadores vão depositando confiança no diretor desportivo, a contactar a um ritmo quase diário com uma pessoa da SAD que reside no Montijo e “não está integrada no grupo de investidores”, mas dispõe de uma “procuração” de Mia Chunyan para “poder resolver problemas de qualquer ordem e assinar contratos”.
Entre essas recomendações, a sociedade anónima comprometeu-se a prolongar todos os pagamentos da residência alugada, passando a assumir as despesas de água, luz e gás, que foram liquidadas até ao início de Abril pelos quatro estrangeiros, quase sem familiares na cidade do distrito de Setúbal, muito menos dinheiro para enviar para casa.
“O Patrick tem o pai doente na Nigéria e não consegue ajudá-lo. Deste apartamento sou o único com trabalho fora do futebol. Sou embalador num armazém de distribuição e é isso que me tem safado”, frisou o central Hidélvis Jardim, a representar o sucessor do histórico Clube Desportivo de Montijo, com três presenças na I Divisão nos anos 70.

Agência de Notícias com Lusa 

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