Marcelo e Costa querem investigação ao caso dos emigrantes ucranianos em Setúbal

Presidente da República e Primeiro Ministro defendem que não se deve "pôr em causa dados privados de refugiados ou residentes"

À semelhança do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também António Costa, primeiro-ministro, reagiu este domingo à polémica quanto ao acolhimento de refugiados ucranianos por organizações pró-Kremlin na Câmara Municipal de Setúbal, pedindo “serenidade”, uma vez que existem instituições que, em caso de ilegalidade, atuarão. O primeiro-ministro anunciou este domingo que o Governo vai remeter o pedido de um inquérito feito pela Câmara de Setúbal sobre o controverso acolhimento de ucranianos no concelho, onde participaram elementos de uma associação de imigrantes de leste acusada de propaganda russa, às entidades competentes. António Costa, que falou aos jornalistas à entrada para uma peça de teatro, não escondeu no entanto o mal-estar gerado por esta situação: “A Câmara de Setúbal não nos pediu qualquer esclarecimento nem sobre a associação nem sobre o senhor referido na notícia do semanário Expresso. A carta o que contém são, essencialmente, vários protestos por declarações da senhora embaixadora da Ucrânia em Portugal, e nós remetemos para o Ministério dos Negócios Estrangeiros para os fins tidos por convenientes”, explicou o primeiro-ministro.
Autarquia cada vez com mais dificuldade em explicar o caso


António Costa acrescentou que “a Câmara de Setúbal pediu agora um inquérito” mas ao Ministério da Administração Interna. "Também não sei porquê. O senhor ministro vai remeter para as duas entidades que têm competência pata fazer algum inquérito nesta matéria: por um lado, a Comissão Nacional de Proteção de Dados para saber se houve ou não violação das regras de proteção de dados”, adiantou. Por outro, a pasta será passada à Ministra da Coesão.
“Não vale a pena estarmos a alimentar suspeições e dúvidas, se houver algum comportamento ilegal as instituições atuarão, se não houver toda a ajuda é bem-vindo e não podemos estar sempre a levantar suspeições sobre tudo”, defendeu António Costa, apelando à serenidade enquanto se aguardam conclusões.
Segundo o que tem sido veiculado, as questões aos ucranianos que chegaram a Setúbal incluíam pedidos de informação sobre o paradeiro de familiares na Ucrânia e dados de identificação.
O Presidente da República disse também este domingo que há autoridades competentes, designadamente judiciais e administrativas, para investigarem as suspeitas de recolha de informações a refugiados ucranianos por parte de uma associação pró-russa em Setúbal.
“Há autoridades competentes para isso [investigação], quer do ponto de vista judicial, quer do ponto de vista administrativo”, afirmou aos jornalistas quando questionado se acredita numa investigação ao caso de Setúbal.
Na sequência de notícias que dão conta que refugiados ucranianos foram recebidos na câmara de Setúbal por responsáveis de uma associação pró-Putin e que alegadamente terão fotocopiado documentos de identificação, levando alguns a sentirem-se ameaçados, o Presidente da República afirmou que deve ser “salvaguardada a sua privacidade”, uma vez que se encontram numa situação mais frágil.
“Quando acolhemos refugiados há uma preocupação óbvia num estado de direito que é de não pôr em causa dados privados daqueles que sejam refugiados ou sejam residentes em Portugal. Realmente devem ter essa privacidade salvaguardada por maioria da razão se encontrarem numa situação mais frágil, mas esse é um princípio geral do estado de direito português”, precisou.
Marcelo Rebelo de Sousa sustentou que não gosta de “avançar com conclusões sobre matérias e factos que podem estar a ser investigados pelas autoridades competentes”.
O chefe de Estado disse ainda que esta é uma questão de poder local e o Presidente da República “não deve intervir” nesta matéria, avançando com as entidades que têm poderes para intervenção no poder local.
“Se houve problemas de ilegalidades no poder local são os tribunais, se não houve problemas de ilegalidade, mas sim de controlo administrativo e mesmo assim tem de ser de ilegalidade, há a inspeção que deve acompanhar o poder local”, afirmou.

O que está em causa?
Centenas de refugiados já chegaram a Setúbal desde a invasão
Segundo a notícia avançada pelo Expresso, pelo menos 160 refugiados ucranianos terão sido recebidos por Igor Khashin, da Associação dos Emigrantes de Leste (Edintsvo), e pela mulher, Yulia Khashin, de origem russa. Estes terão, alegadamente, fotocopiado documentos de identificação dos refugiados ucranianos, no âmbito da Linha de Apoio aos Refugiados da Câmara Municipal de Setúbal.
Em comunicado, a autarquia destaca que Yulia Kashina tem dupla nacionalidade e trabalha com a Câmara de Setúbal “há mais 17 anos, tendo entrado para os seus quadros como técnica superior jurista em 1 de Dezembro de 2021” e que a Edintsvo “cooperou ininterruptamente com a Câmara de Setúbal desde 2005”. Além disso, a associação e “os seus dirigentes, nomeadamente o senhor Igor Kashin, colaboram desde há muito com entidades como o IEFP ou a Segurança Social” e que “até há poucas semanas cooperou com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras”. Mas ambas as entidades já disseram que nunca trabalharam com este senhor.
“A Câmara Municipal repudia com veemência toda a campanha de mentira e distorção dos factos montada em torno desta matéria, garantindo que tudo fará para continuar a dar o necessário e mais do que justificado apoio a todos os refugiados que nos procurarem, como tem feito desde o início da 
guerra”, completa a nota, que indica ainda que a autarquia está "totalmente disponível" para prestar os necessários esclarecimentos na Assembleia da República.

O exemplo de Lisboa como pano de fundo
André Martins disponível para explicações no Parlamento

Recorde-se que a Comissão Nacional de Proteção de Dados investigou já no ano passado a polémica da cedência de dados à embaixada russa por parte da Câmara de Lisboa. No início do ano, a autarquia da capital foi multada em 1,2 milhões de euros pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, a soma de 225 coimas parcelares por violação de várias disposições" do Regimento Geral sobre a Proteção de Dados, nomeadamente "falta de licitude, violação dos princípios da minimização e da conservação dos dados e incumprimento das obrigações de transparência".
Ainda neste domingo, o jornal Público contou que subsídios de 90 mil euros para associação Edinstvo foram aprovados por unanimidade na Câmara de Setúbal. Associação agora suspeita de ligações ao Kremlin era considerada por todos os eleitos [CDU, PS e PSD] “imprescindível” para apoios sociais a imigrantes.

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