Centenas manifestam-se contra vedação do Parque da Comenda em Setúbal

Novo executivo quer manter parque público. BE e PS já pediram explicações e donos dizem que vedação é "temporária" 

Cerca de 300 pessoas mostraram o seu descontentamento contra a vedação colocada pelos donos da quinta onde se situa o Parque de Merendas da Comenda, na Arrábida, junto a Setúbal. O parque, dizem os manifestantes, era usufruído pela população que por ali sempre fez piqueniques, ponto de encontro para um banho de mar, um almoço que se estendia para lá da hora do jantar. "Este é um lugar das memórias de muitas famílias da zona de Setúbal", dizia uma manifestante, neste domingo. A marcação desta concentração surgiu na sequência da contestação de alguns populares, na passada terça-feira, por o novo proprietário da Herdade da Comenda, estar a colocar uma vedação para impedir o acesso público a este espaço na confluência de uma ribeira com o rio Sado. A Câmara de Setúbal já fez saber que deseja que o parque de Merendas da Comenda se "mantenha de integral usufruto público". A Concelhia de Setúbal do Bloco de Esquerda também defende que "a Arrábida é de todos, não dos interesses privados" e o PS pede explicações ao Governo e diz que a autarquia deveria ser "proativa" em vez de "reagir sempre de forma não prevenida". ​Os donos do terreno, garantem que as vedações colocadas "são provisórias", e "destinam-se apenas a impedir acidentes ou a violação dos vestígios arqueológicos existentes no local".
Empresa fechou acesso devido a achados arqueológicos 

A Herdade da Comenda está situada no coração do Parque Natural da Serra da Arrábida, zona de singular beleza natural, vertida sobre a costa atlântica de Setúbal e que está abrangida por legislação específica de preservação e proteção.
“As intenções da Seven Properties - Sociedade de Investimentos S.A., proprietária da Quinta da Comenda, de proceder à vedação do Parque de Merendas e desta forma impedir o usufruto público de um bem que merece continuar a ser de todos e não só de alguns, revela que o crime compensa”, refere um comunicado da organização da manifestação.
O BE foi a primeira força política a "denunciar" o caso e lembra que o Ministério do Ambiente já considerou que os proprietários "têm vindo a violar as normas ambientais aplicáveis ao Parque Natural da Arrábida, nomeadamente no seu plano de ordenamento, depois de emitidos ofícios com parecer negativo, sendo solicitada a sua remoção e existindo processos de contra ordenação pelo Instituto da conservação da natureza e das florestas".
A Câmara  de Setúbal já decidiu embargar a vedação, uma decisão que a concelhia bloquista saúda, "mas revela também as hesitações que tem tido ao longo de todo o processo em que questionada mais de uma vez em assembleia municipal durante o último mandato, não conseguiu responder com a devida transparência", realça o Bloco de Esquerda em nota enviada à ADN-Agência de Notícias. 
Os bloquistas acreditam que "este é o tempo de uma resposta inequívoca de todos em defesa do património da Arrábida, da Comenda e do seu Parque de Merendas".
Em Março deste ano, também os deputados do PS, eleitos por Setúbal, questionaram o Governo, concretamente o Ministro do Ambiente e Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, sobre as várias zonas que têm sido vedadas ou bloqueadas, ao longo dos últimos meses, na Herdade da Comenda. 
Os deputados questionaram o Governo sobre a legalidade das vedações que têm sido colocadas na Herdade da Comenda, nomeadamente aquelas que têm bloqueado zonas de acesso a trilhos e a cursos de água que atravessam a Serra.
Nas palavras do deputado socialista Filipe Pacheco "estes bloqueios e vedações, recorrendo a arame farpado ou laminado, não permitem que qualquer pessoa possa usufruir plenamente dos trilhos da serra e do seu património natural, atividades que não prejudicam direta ou indiretamente os proprietários dos terrenos". 
Sem muitas respostas, o PS exige agora mais. Apesar da Câmara de Setúbal afirmar que está atenta ao que se passa no Parque da Comenda, a Comissão Política Concelhia do PS de Setúbal considera que a autarquia deveria ser "proativa", em vez de "reagir sempre de forma reativa e não prevenida", e com isto revelar-se "incapaz de antecipar a crescente hostilidade dos proprietários, que atinge agora a dimensão máxima do absolutamente inadmissível". 
Os socialistas consideram mesmo ser "grave" e "de hostilidade manifestada pelos proprietários", o recente episódio de "vedar o Parque de Merendas da Comenda, colocando portões e impedindo o seu uso, no dia a seguir ao das eleições autárquicas". Em comunicado, a estrutura socialista escreve mesmo que este "constitui um inqualificável atentado à liberdade". 

Autarquia já tinha alertado para possível fecho em 2020 
Centenas de pessoas juntaram-se domingo na Comenda 
A Herdade da Comenda, na Arrábida, em Setúbal, foi vendida no final de 2019 pela família do antigo proprietário, António Xavier de Lima. Os terrenos estavam ao abandono desde a morte do empresário em 2009 e estiveram no mercado durante vários anos. Os novos proprietários aceitaram a utilização do parque durante 2020, estando previsto o seu encerramento ao público no final do ano. 
A autarquia sadina disse, em Janeiro de 2019, que estava a negociar com os novos proprietários para que o Parque de Merendas da Comenda e o estacionamento de Albarquel se mantenham de utilidade pública. E tudo depende, disse na altura, Maria das Dores Meira, do "civismo dos utilizadores no espaço".
Segundo a presidente do município de Setúbal, nas várias reuniões realizadas com a Seven Properties, "os representantes dos proprietários mostraram-se disponíveis para manter o usufruto público do parque de merendas e do terreno do estacionamento de Albarquel". No entanto, o protocolo nunca chegou a concretizar-se e a Câmara Municipal decidiu avançar com a expropriação, em Julho deste ano. 
O recente eleito presidente da Câmara de Setúbal, André Martins, afirmou que fará de tudo "para que o Parque de Merendas da Comenda se mantenha de integral usufruto público".

A motivação explicada pelos novos donos do terreno 
Privados compraram quinta em 2019 
A Seven Properties, garante que as vedações colocadas "são provisórias, e destinam-se apenas a impedir acidentes ou a violação dos vestígios arqueológicos existentes no local".
Os donos do terreno explicam ainda que a Direcção-Geral do Património Cultural, "entende que o património cultural e arqueológico da Quinta da Herdade da Comenda deve ser preservado e no âmbito do processo de autorização dos trabalhos arqueológicos consistentes na sua identificação determinou a adoção de medidas de preservação dos mesmos".
Quanto ao espaço poder deixar de ser de acesso público, a empresa sublinha que "um Centro Interpretativo dos Vestígios Arqueológicos Romanos só tem sentido se puder ser visitado pelos munícipes de Setúbal e pela população turística, pelo que o espaço, concluídos os trabalhos arqueológicos, será preparado para poder receber a população que o deseje frequentar". 
A empresa proprietária diz ainda que o futuro espaço será "dotado dos meios necessários à sua visita", permitindo inclusivamente "a tomada de refeições em local adequado para o efeito".
Sobre o Centro Interpretativo dos Vestígios Arqueológicos Romanos, conta ainda a Seven Properties que  se "insere-se na política de valorização do património cultural português em geral, e do município de Setúbal em particular". 
Sobre as obras que têm sido referidas no terreno, e que a Câmara de Setúbal já disse ter embargado, afirma a empresa que "não estão a ser realizadas nenhumas obras" e justifica que "nem tal seria possível sem que os trabalhos arqueológicos estejam concluídos".
Assim, concluem os proprietários que "após a identificação e catálogo dos vestígios arqueológicos existentes e dimensionada a área de proteção, será submetido à Câmara de Setúbal o respetivo projeto de Centro Interpretativo dos Vestígios Arqueológicos Romanos". 
A empresa Seven Properties comprou a totalidade dos terrenos, por 16 milhões de euros, à família do antigo proprietário António Xavier de Lima. Os terrenos estavam ao abandono, desde a morte do empresário em 2009, e estiveram no mercado durante vários anos.
Ao todo, a Herdade tem 600 hectares de área, onde estão o mítico Palácio da Comenda, onde Jacqueline Kennedy terá morado com os filhos, depois do assassinato do marido. 
O imóvel foi projetado como casa de veraneio em 1903 após encomenda do conde Abel Henri Armand, é um edifício de características artísticas e arquitetónicas notáveis, com um enquadramento paisagístico único no conjunto da obra concebida pelo arquiteto Raul Lino.
Além da qualidade estilista, a casa, atualmente em estado devoluto, motiva o processo de classificação igualmente pelos materiais e sistemas construtivos empregues, assim como pelos jogos volumétricos e códigos formais de expressão tradicionalmente portuguesa.
Esta perspetiva e forma de projetar constitui-se, à época, profundamente inovadora, na medida em que contrariava o quadro cultural vigente, com modelos revivalistas e ‘afrancesados'. Painéis azulejares da autoria do ceramista José António Jorge Pinto, muitos deles em estado de degradação durante anos, decoram diferentes áreas do edifício que está a ser remodelado mas ainda pouco se sabe do projeto final a dar a tão importante edifício do concelho. 

Agência de Notícias
www.adn-agenciadenoticias.com

Comentários