Ventura nega intenção de ofender família do bairro do Jamaica mas voltaria a chamar-lhes "bandidos"

Deputado usou fotografia em que sete familiares apareciam junto de Marcelo Rebelo de Sousa

O líder do Chega foi ouvido em tribunal, na segunda-feira, no âmbito de um processo movido por uma família do Bairro da Jamaica, no Seixal, devido à utilização de uma imagem e da palavra "bandidos" durante um debate presidencial. À saída do tribunal, André Ventura garantiu aos jornalistas que "voltaria a dizer a mesma coisa no debate com o candidato Marcelo Rebelo de Sousa" e afirmou que não vai pedir desculpa à família afetada. André Ventura justificou as suas palavras com a dinâmica do debate político e alegou que recorreu a uma fotografia que "estava disponível" na internet e que ilustrava a mensagem que queria passar no debate, "evidenciar que o Presidente da República esteve com estas pessoas em concreto e não com a polícia".


Interrogado pela juíza Francisca Preto, no Palácio da Justiça, em Lisboa, no âmbito de um processo por ofensas à honra e direito à imagem, movido por sete membros de uma família residente no Bairro da Jamaica, no Seixal, Ventura declarou que não fica feliz ao ouvir que as suas palavras ofenderam.
Ventura argumentou que "o objetivo político não era retratar pessoas de forma negativa" nem "ofender e humilhar" mas garantiu que "voltaria a fazer hoje essas afirmações", disse o deputado que na altura dos factos concorria ao mais alto cargo da nação. 
"O debate político que foi feito teve uma natureza política e um objetivo político. Voltaria a dizer, porque se fosse hoje, era aquilo que a grande maioria da população portuguesa - e eu como candidato procurava representar - sentia. E, obviamente, nunca ficaria feliz porque pessoas ficaram ofendidas ou humilhadas por qualquer tipo de declaração fosse. Agora, isso seria se o objetivo tivesse sido esse. Penso que ficou claro pela nossa ação que o carácter não foi esse como ficou claro que nunca houve uma ação rácica da minha parte".
O deputado único do Chega salientou que na altura destacou apenas uma das pessoas daquela família, 
que "tinha vários problemas de natureza criminal", e defendeu que o "o exercício político pode ser discutível, mas é legítimo".
Quanto ao envolvimento do partido, o líder assumiu "total responsabilidade" pelas declarações e recusou as acusações de racismo, argumentando que estava a referir-se a uma "situação que nada tem a ver com tom de pele ou a nacionalidade” das pessoas.
Perante o tribunal, uma das requerentes, Vanusa Coxi, disse que se sentiu "ultrajada porque metade das coisas que foram ditas [no debate] não são verdade".
Vanusa afirmou que a forma como André Ventura classificou a sua família “foi uma ofensa” e “foi ultrajante”, pelo que requer um pedido de desculpas, e salientou que o seu familiar “foi ilibado das acusações que lhe foram feitas”.
À saída do tribunal, a família e a sua representante legal não quiseram prestar declarações aos jornalistas, mas André Ventura defendeu que não precisa de pedir desculpa, por entender que não errou.
"Não o farei porque entendo que não houve nenhum carácter ilícito nas minhas declarações, tal como disse, voltaria a fazê-lo porque foi no debate político. Penso que a nossa advogada deixou claro que a linguagem, os termos e a imagem foram amplamente utilizados nos dois anos anteriores, sem nunca haver qualquer ação da parte desta família em relação a outros políticos ou mesmo comunicação social, fê-lo apenas porque é o André Ventura que está em causa, é o Chega que está em causa", considerou o deputado, acrescentando que irá respeitar a decisão do tribunal.
"Não concordo com muito da ação da Justiça, mas respeito a lei. Estamos num país democrático", esclareceu o deputado do partido de extrema-direita. 

Ventura não queria ser o Presidente de todos os portugueses

Afinal o que disse Ventura em Janeiro?
Na origem disto tudo está uma fotografia onde estão sete pessoas - incluindo uma criança de três anos - com Marcelo, na foto que Ventura exibiu dizendo, no debate entre os dois na SIC a 6 a Janeiro: "Esta fotografia mostra tudo o que a minha Direita não é. Nesta fotografia, o candidato Marcelo Rebelo de Sousa juntou-se com bandidos, um deles é um bandido verdadeiramente. (...) Porque esta fotografia que está aqui, (...) não foi tirada depois na esquadra de polícia, foi tirada só, entre aspas e vão-me desculpar a linguagem, à bandidagem. E, portanto, talvez seja aqui uma diferença entre nós: eu não tenho medo de ser politicamente incorreto, de lhes chamar os nomes que têm de ser chamados e dizer o que tem de ser dito. (...). Eu nunca vou ser presidente dos traficantes de droga, nunca vou ser presidente dos pedófilos, nunca vou ser presidente dos que vivem à conta do Estado, com esquemas de sobrevivência paralelos, enquanto os portugueses de bem pagam os seus impostos, todos os dias a levantar-se de manhã à tarde para os pagar e o que fez aqui não tem nenhuma justificação... (...) Muitos destes indivíduos vieram para Portugal para beneficiar única e exclusivamente daquilo que é o Estado Social". Na manhã do dia seguinte, no programa de Manuel Luís Goucha, na TVI, o líder do Chega voltaria a designar depreciativamente aquelas sete pessoas, usando de novo a palavra "bandidagem". A imagem da família com Marcelo seria também usada pelo partido num tuite de 22 de Janeiro, antevéspera das eleições, como contraponto a uma fotografia de Ventura - este frente à Assembleia da República, com três homens brancos, um dos quais com uma tshirt do Movimento Zero (que se apresenta como um movimento de polícias anónimos e surgiu na sequência da condenação de agentes da PSP por agressão, sequestro e insultos a jovens negros do bairro da Cova da Moura).
A legenda é: "eu prefiro os portugueses de bem". Antes, na noite do debate, também no Twitter, o Chega divulgara, com a frase "Marcelo Rebelo de Sousa esteve ao lado dos bandidos no Bairro da Jamaica. Já eu serei o presidente que está ao lado da polícia!", indicava o então candidato a Presidente da República e agora deputado único pelo Chega.

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