Ventura e Chega têm 30 dias para pedir desculpa à família do Bairro da Jamaica

Líder do Chega recusa pedir desculpa à família Coxi e afirma que vai recorrer da decisão

André Ventura e o partido Chega foram condenados pelo tribunal a emitir uma retratação pública. O líder e o partido têm 30 dias para pedir desculpas à família Coxi, residente no Bairro da Jamaica, no concelho do Seixal, a quem chamaram de bandidos. A advogada da família fala numa decisão importante e justa. O partido já anunciou que vai recorrer. André Ventura e o partido têm, assim, 30 dias para publicar a respetiva retratação pública relativas às ofensas dirigidas à família que reside no Bairro da Jamaica. O tribunal decretou também uma sanção de 500 euros por cada dia de atraso no seu cumprimento. O líder do Chega entende que não ofendeu e mantém as mesmas palavras. Garante ainda que não tenciona pedir desculpa à família Coxi.
Ventura condenado em tribunal 


"Condeno cada um dos réus a emitir uma declaração, escrita ou oral, de retratação pública, quanto aos factos praticados por cada um deles, a ser publicada nos mesmos meios de comunicação social", diz a sentença do Tribunal Judicial de Lisboa,
O líder do Chega chamou "bandidos" a família do Bairro da Jamaica fotografada com Marcelo Rebelo de Sousa. Trata-se de um juízo de valor que "diminui e marginaliza" os ofendidos, diz a sentença, consultada, sublinhando que Ventura e o partido "não mostraram qualquer arrependimento". 
O Tribunal salienta que os membros daquela família têm nacionalidade portuguesa e que quase todos têm trabalho e não recebem qualquer prestação de apoio social por parte do Estado.
A juíza Maria Prazeres Pires Preto, do Tribunal Judicial de Lisboa, não poupa André Ventura, no caso em que o dirigente da extrema-direita apelidou de "bandidos" a uma família do Bairro da Jamaica que foi fotografada ao lado do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa a 4 de Fevereiro de 2019, poucos dias depois de uma ação policial conturbada naquele bairro. 
Os "juízos de valor emitidos pelo réu são falsos e, por isso, não gozam da proteção que lhes caberia ao abrigo da liberdade de expressão de que o réu é titular".
A juíza incluiu na sentença outras declarações feitas num programa da TVI, conduzido por Manuel Luís Goucha, na sequência do debate televisivo de janeiro de 2020. A meio da entrevista, o apresentador confrontou André Ventura com a fotografia dos ofendidos com o Presidente da República e questiona-o: “Ontem não foi injusto quando apresentou esta fotografia ao Presidente Marcelo, eu ouvi a palavra “bandidos” … Eu vejo aqui quatro mulheres, vejo um homem que possivelmente tem a minha idade, vejo uma criança e vejo um jovem. Bandidos?" Ao que o candidato presidencial respondeu: “Não, estava-me a referir a este indivíduo que aqui está, de camisola vermelha, já tinha sido condenado e isso aliás até foi notícia depois… Manuel, não podemos ter um Presidente, que uma esquadra é atacada e que vai ter com a bandidagem em vez de ir ter com os polícias. É um péssimo sinal à democracia”. 
O jornal Expresso, que teve acesso à sentença, escreve que a juíza sublinha que as declarações de André Ventura "são especialmente graves", por terem sido feitas em canal aberto de televisão para milhões de telespetadores e por ter sido "utilizada uma foto onde se encontram representados homens, mulheres e crianças de um grupo de pessoas moradoras de um bairro degradado e de modesta condição social, na sua maioria vindas de países africanos, a cuja imagem o réu cola toda uma panóplia de menções depreciativas".  Além disso, chamar bandidos aos ofendidos é "um juízo de valor que os diminui e marginaliza".
O tribunal demonstrou ainda que os visados não participaram ao ataque à esquadra da PSP da Bela Vista, na sequência dos confrontos entre a polícia e moradores do bairro a 20 de Janeiro de 2019. E que entre a família fotografada só um dos membros, Hortêncio Coxi, tem "inscrições no seu registo criminal, tendo sido condenado em três ocasiões, por crime de desobediência, tráfico de menor gravidade e condução sob influência de álcool".

Ventura e Chega não demonstraram arrependimento em tribunal 
Deputado tem que pedir desculpas a moradores do Bairro da Jamaica 
André Ventura e o Chega foram condenados a pedir desculpa à família Coxi, sendo obrigados "a emitir uma declaração, escrita ou oral, de retratação pública, a ser publicada nos mesmos meios de comunicação social onde as respetivas declarações e
publicações ofensivas dos direitos de personalidade dos Autores foram originalmente divulgadas (SIC, SIC Notícias, TVI e conta do Partido Chega no Twitter), no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, com a sanção pecuniária compulsória de 750 euros por cada dia de atraso no seu cumprimento.
Além disso, o Chega foi condenado a eliminar a publicação do dia 22 de janeiro de 2021, às 19h49, da sua conta oficial na rede social Twitter, "que ofende o direito à honra e o direito à imagem dos autores".
Ventura fica também inibido de produzir afirmações semelhantes sob o risco de ter de pagar  cinco mil euros por cada uma dessas afirmações, orais ou escritas.
A juíza realça ainda ao facto de André Ventura não ter demonstrado arrependimento pelas declarações que fez na televisão e que voltaria a proferir o mesmo tipo de afirmações. "Nem André Ventura, nem o representante legal do Partido Chega mostraram qualquer arrependimento pela forma como trataram os autores na campanha eleitoral para as eleições presidenciais, entendendo o réu André Ventura que não praticou qualquer ofensa contra os mesmos e admitindo que voltaria a repetir os factos que lhe são imputados nos autos". 
E é isso que o deputado do Parlamento pretende. O líder do Chega entende que não ofendeu e mantém as mesmas palavras. Garante ainda que não tenciona pedir desculpa à família Coxi.
Numa declaração à Lusa, a advogada da família Coxi, Leonor Caldeira, afirmou ter recebido com "enorme entusiasmo" esta sentença pelo que significa para a "afirmação dos direitos humanos" e que vem provar que "humilhar pessoas negras e pobres não é uma arma retórica à disposição de atores políticos".

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