Dux explica, mais de sete anos depois, o que se passou na tragédia do Meco

João Gouveia diz que sobreviveu devido a experiência de bodyboard 

Mais de sete anos depois da tragédia no Meco, o caso chegou esta terça-feira a tribunal para o julgamento do processo cível em que as famílias dos seis jovens que morreram durante a praxe pedem indemnizações no valor global de 1,3 milhões de euros. João Gouveia, o “dux” (líder da praxe), foi o único sobrevivente daquela noite de 13 de Dezembro de 2013 e está a contar ao tribunal o que aconteceu. Agora com 30 anos, João Gouveia relata, pela primeira vez, que estavam apenas sentados na praia e já tinham até decidido ir embora porque estava frio  - um deles já estava até de pé -, quando foram levados por uma onda. O 'dux' disse ainda que na noite em que chegaram à casa no Meco, todos ingeriram álcool. Vinho, amêndoa amarga, cerveja e wisky foram as compras feitas pelos jovens. No dia seguinte, adiantou, foram para uma zona de descampado fazer algumas atividades de praxe, sendo que uma das ideias partiu de Tiago Campos. O jovem diz que não sabe como explicar em concreto como se conseguiu salvar. "Sei que consegui livrar-me da capa que tinha ao pescoço", afirmou dizendo ainda que "tentei puxar a mão da Carina e fiquei mais dentro do mar".
Onda levou sete jovens em Dezembro 2013

"Levámos com uma onda lateral, basicamente. E, do que me recordo, fui empurrado para a zona de rebentação. Lembro-me de não ter pé, de levarmos com mais ondas, em jeito de máquina de lavar. Quando fui levado, a primeira vez que vim ao de cima, recordo-me de ver alguns deles. Depois, das outras vezes, não", descreveu.
João Gouveia contou que conseguiu sair do mar, o facto de ter feito bodyboard facilitou. “Consegui livrar-me da capa”, disse, acrescentando: “Ainda tentei agarrar a mão da Carina”. Questionado pela juíza sobre se tinham noção que o sítio onde se sentaram estava ao alcance da rebentação, o antigo dux negou: “Não. Se não, não nos tínhamos sentado”. 
Gouveia adianta que assim que saiu do mar a primeira coisa que fez foi chamar o 112. Quando a polícia marítima chegou à praia, conta, estava “deitado” na areia e foi socorrido.
O “plano”, garante, nem sequer era ir à praia, mas ir “dar uma volta”. A ida à praia surgiu de forma “espontânea”. Questionado pelos advogados que estão a representar a Universidade Lusfónoa, o antigo dux afirmou que qualquer uma das pessoas que estava naquele fim de semana, era livre de sair quando quisesse.
Questionado por um dos advogados da família sobre se os estudantes tinham pedras amarradas nos tornozelos, durante uma atividade de praxe feita no dia anterior num descampado, o antigo líder da praxe garantiu que isso é “totalmente mentira”. Logo depois de responder, a sua advogada lembrou que isso foi dito por testemunhas que já vieram entretanto negar ter visto as tais pedras.
Gouveia deu ainda detalhes sobre como tudo se desenrolou, durante o fim de semana, antes do acidente. Carina Sanchez, tratou de encontrar alojamento no Meco, Tiago Campos tratou da alimentação. "Todos tínhamos funções e tarefas para garantir aquele fim de semana, quando chegámos à casa no Meco jantámos conversámos sobre o objetivo daquele fim de semana", explicou.
João Gouveia disse ainda que na noite em que chegaram à casa no Meco, todos ingeriram álcool. Vinho, amêndoa amarga, cerveja e wisky foram as compras feitas pelos jovens. No dia seguinte, adiantou, foram para uma zona de descampado fazer algumas atividades de praxe, sendo que uma das ideias partiu de Tiago Campos.
"O Tiago é que despoletou essa ideia de fazer X coisa em X segundos. Rebolar e rastejar de uma ponta à outra do sitio onde estávamos em X minutos e eu alinhei", explicou em tribunal. O jovem disse ainda que na noite da tragédia, Tiago e Catarina é que quiseram sair para passear.
João Gouveia contou que logo naquela noite foi acompanhado por uma psicóloga que o recomendou a não voltar à praia onde tudo aconteceu e a contactar com familiares. Ainda assim, esteve em contacto com a mãe de uma das vítimas, que acabaria por lhe pedir para se encontrarem. 
O encontro aconteceu cerca de um mês após a tragédia. “[A mãe] queria saber o que aconteceu. Disse-me que não estava a tomar uma postura de culpabilização, mas apenas queria saber o que aconteceu. Respondi a todas as perguntas que foram surgindo. Acredito que nunca seja suficiente esclarecer tudo na cabeça de uma pessoa, mas acredito que foi respondido grande parte”, lembrou João Gouveia. 

Dux recusou várias vezes que a ida à praia tivesse sido uma praxe
Julgamento começou hoje em Setúbal 
Confrontado pelo advogado Vítor Parente Ribeiro com as mensagens de telemóvel que enviou a alguns colegas, nomeadamente uma mensagem em que perguntava se os jovens já teriam bebido um `penalti´ - que na perspetiva do representante das famílias demonstram que os jovens falecidos estavam obrigados a executar as atividades por ele determinadas -, João Gouveia negou que tivesse incentivado os seis jovens a consumirem álcool e recusou várias vezes que a ida à praia tivesse sido uma praxe.
As respostas de João Gouveia não convenceram o advogado das famílias, que disse não ter dúvidas de que o fim de semana em que os sete jovens se reuniram numa casa alugada em Aiana de Cima, Sesimbra, foi um fim de semana de praxe.
Penso que não há dúvidas de que foi um fim de semana de praxe. O réu tentou desvalorizar isso e passar a responsabilidade para os outros jovens, que falecerem e já cá não estão para se defender, mas fica evidente que ele tinha a responsabilidade do fim de semana, foi ele que o organizou, foi ele que definiu as atividades que tinham de fazer”, afirmou.
A defesa das famílias dos jovens sustenta que, “além da intervenção dos réus - o dux João Gouveia e a Cooperativa de Formação e Animação Cultural, (Universidade Lusófona) -, estão em causa o funcionamento da organização denominada Comissão Oficial de Praxes Académicas no seio da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e atividades praxistas levadas a cabo ao longo dos anos”.
Para a defesa, estão também em causa as atividades praxistas levadas a cabo por João Gouveia durante o fim de semana de 13 e 14 de Dezembro de 2013, que culminaram com a morte dos seis jovens, bem como os “elevados danos sofridos” pelos seus pais.
Estão arroladas três dezenas de testemunhas.

Tribunal considerou que vítimas eram adultas e não estavam privadas da liberdade
Famílias finalmente tiveram respostas do que aconteceu 

Dezembro de 2013. Sete estudantes da Universidade Lusófona estariam a realizar uma praxe académica no Meco que acabou em tragédia. Na madrugada de dia 15, seis deles foram arrastados pelas ondas do mar, acabando por morrer. Os cadáveres foram encontrados nos dias seguintes. João Gouveia, o 'dux' (líder da praxe), foi o único sobrevivente daquela noite.
Assim que o primeiro corpo foi encontrado, o de Tiago Campos, foi aberto um inquérito. Só que o processo penal acabaria arquivado em Julho de 2014. 
Os pais das vítimas insistiram numa acusação particular e o líder das praxes foi constituído arguido três meses depois, mas o processo não seguiu para julgamento, por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Setúbal, que o Tribunal da Relação de Évora viria a confirmar. 
O juiz não encontrou provas de existência de crime, nem de que a morte dos seis estudantes tivesse acontecido em contexto de praxe, sobretudo tendo em conta que os jovens envolvidos não eram caloiros. O tribunal concluiu que não havia indícios de que João Gouveia tivesse “sujeitado, pelo menos conscientemente, os colegas falecidos a um perigo que não pudessem eles próprios avaliar e evitar”.
Em Janeiro de 2015, após um recurso da defesa, os desembargadores da Relação de Évora mantiveram a decisão, sublinhando que as vítimas eram adultas e não tinham sido privadas da sua liberdade durante a praxe. Desta foram, não havia responsabilidade criminal sobre João Gouveia.
A 27 de Maio de 2016, o pai de Tiago Campos apresentou uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem com a alegação de que Portugal tinha violado o Artigo 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; o artigo que prevê o direito à vida. Este tribunal viria a dar razão ao pai de Tiago Campos e o Estado português acabou condenado a pagar uma indemnização de 13 mil euros à família.

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