Acusados de ocupação ilegal no Laranjeiro começaram a ser julgados

"Direito à habitação não é um direito absoluto, mas sim um direito com regras"

19 pessoas já começaram a ser julgadas no Tribunal de Monsanto por ocupação ilegal de casas camarárias na freguesia do Laranjeiro, no concelho de Almada, mas a defesa alega que se tratou de uma "situação de emergência". O caso remonta a Novembro de 2018 quando os arguidos ocuparam habitações camarárias, tendo posteriormente o município avançado com queixas-crimes por arrombamento e ocupação abusiva. Na primeira sessão do julgamento, que decorreu no final da semana passada, no Tribunal de Monsanto, em Lisboa, estiveram presentes 15 dos 19 arguidos, tendo um outro assistido por videoconferência. Há uma carta-aberta que apela à retirada da queixa. O Bloco já apelou à retirada da queixa na reunião de Câmara.
Pessoas ocuparam casas da autarquia em 2018 

Na exposição introdutória, a advogada da Câmara de Almada, Anabela Respeita, reiterou a posição da autarquia em desistir das queixas caso os arguidos entreguem as casas, orientação que tem desde o início do processo.
Anabela Respeita salientou que o "direito à habitação não é um direito absoluto, mas sim um direito com regras".
"Não duvido que as pessoas tenham carências habitacionais, mas não se pode permitir que outras pessoas nas mesmas condições continuem à espera por não terem tomado a mesma atitude", referiu.
Já Vasco Barata, advogado que defende 10 arguidos, salientou a necessidade de ser encontrada "uma solução caso a caso", considerando que "a rua não é opção para estas pessoas".
"A pobreza não é crime, o processo que temos aqui de fazer é colocarmo-nos no lugar do outro, não falo por todos, mas nós não sabemos o que é ter a rua para dormir", disse, apontando o exemplo de uma das suas clientes, agora com 72 anos, que vivia num carro.
De acordo com o advogado, o que está em causa "não é saber se as pessoas têm direito à casa", pois estão "disponíveis para sair desde que não seja para a rua" e porque a decisão de "ocupar uma casa que estava vazia" não foi tomada "de ânimo leve".
O advogado notou ainda que os seus constituintes "têm percursos de vida específicos" e apelou à retirada da queixa-crime por parte do município.
O advogado Amândio Madaleno, mandatado por alguns dos arguidos, lembrou também que a atual situação pandémica levou à suspensão dos despejos, por lei, considerando que a autarquia tem obrigação de saber "que se alguma das pessoas entrou em alguma casa em caso de necessidade não há ilícito penal".
"Os processos crime não são negociados", frisou, acrescentando terá de ficar provado "que dolosamente entraram nas casas".
Durante a parte da manhã foram ouvidos nove arguidos, que explanaram em tribunal a sua situação socioeconómica, relatando casos de desemprego e dificuldades financeiras.
À tarde, foram ouvidos dois agentes da PSP que prestam serviço na esquadra do Laranjeiro e que, em Novembro de 2018, foram até à casa de Maria Eulália, uma das arguidas, com 72 anos, na sequência de uma denúncia de que estaria a ocupar uma casa camarária.
Os agentes referiram que a septuagenária lhes terá dito que estava a "pernoitar na rua numa viatura", que não tinha familiares e que "outras pessoas a tinham ajudado a partir" o emparedado para entrar por não ter condições físicas para o fazer sozinha.
Na altura, a arguida, que se mostrava "ansiosa e nervosa" com a situação, terá ainda dito que estava a decorrer um processo na câmara para a atribuição de uma habitação social.
Um dos agentes, que se encontra a prestar serviço na esquadra do Laranjeiro desde 2006, disse ainda conhecer Maria Eulália do trabalho que faz no bairro, considerando que ela estaria a viver "uma situação de desespero".
Questionado pelo advogado Vasco Barata, o agente referiu ter conhecimento de casas emparedadas "há já vários anos".
São várias famílias que, no ano de 2018, “depois de esgotadas todas as vias formais para obter uma casa com uma renda acessível aos seus rendimentos” ocuparam “casas que estavam vazias há muito tempo no bairro camarário do Laranjeiro”, diz a Carta Aberta à presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, na quinta-feira e que conta com mais de 200 assinaturas.

Nenhum dos 19 arguidos tinha pedidos de habitação social
Na primeira audiência do julgamento foi igualmente ouvido o diretor técnico da Câmara de Almada, que acompanha a habitação municipal e que formalizou as queixas-crime.
Apesar de ter relatado que os arguidos foram "todos ouvidos individualmente pelos serviços" antes de as queixas serem apresentadas, o responsável demonstrou não conheceu os casos das pessoas em tribunal, nem ter a certeza se alguma vez se deslocou às habitações ocupadas, cerca de 15 dias depois de ter começado a exercer funções, ou se estas estavam emparedadas.
O funcionário da autarquia disse ainda que nenhum dos 19 arguidos tinha pedidos de habitação social no município e que não houve nenhum concurso de atribuição de casas por não existir regulamento à época.
No final da primeira sessão do julgamento, a advogada do município revelou à Lusa que já foram retiradas duas queixas-crime, pois as habitações já foram entregues à câmara.
Questionada sobre o facto de dois arguidos terem relatado em tribunal que também já entregaram as chaves da habitação que ocupavam, Anabela Respeita disse ser necessário apresentar provas, "já que uma coisa é dizer, outra é provar".
O defensor Vasco Barata adiantou também, no final da audiência, que dois dos seus constituinte também entregaram as casas e deram ao tribunal a nova morada, mas que as queixas ainda se mantêm.
A próxima sessão do julgamento está agendada para dia 16 de Abril.

Carta aberta apela à retirada do processo-crime
BE e movimento apelam à retirada do processo 
O jornal Público refere que poucas semanas após a ocupação destas casas, que estavam fechadas e emparedadas, “os ocupantes foram identificados pela polícia e notificados para saírem das casas”.  A polícia utilizou como argumentos a ocupação ilegal e as más condições das habitações. Depois de os ocupantes não saírem das casas, o município decidiu avançar com uma queixa-crime por arrombamento e ocupação abusiva de habitações.
A vereadora eleita pelo Bloco na Câmara de Almada referiu-se a este assunto na reunião de Câmara do passado 5 de Abril e o debate com Inês de Medeiros e a vereadora da Habitação, Teodolinda Silveira.  De acordo com o jornal O Setubalense, Joana Mortágua solicitou “reflexão” à maioria da vereação no sentido da retirada da queixa-crime sobre estas pessoas, lembrando que existem “outras demandas civis sem ser esta queixa”.
Para Joana Mortágua, estas pessoas estavam a “defender o seu direito à habitação” num município que apresenta “uma das maiores carências habitacionais”. 
Um problema que se tem “agravado ao longo dos anos”, e que “não será culpa deste executivo, mas continua a não existir resposta”, disse a autarca do BE. 
A presidente da Câmara concordou que as as repostas do município em habitação municipal são “limitadas”, no entanto vincou que o que está aqui em causa é o ato de ocupação de casas que já estavam destinadas a outras vinte famílias em lista de espera.
Na quinta-feira foi divulgada pelo Movimento de Mulheres pelo Direito à Habitação, uma carta aberta a Inês de Medeiros. A carta apela “à presidente da Câmara de Almada que pondere retirar o processo-crime contra estas famílias”. 
Além disso, as signatárias apelam à autarquia que "encontre soluções habitacionais dignas para estas famílias e que adote uma estratégia de real combate à pobreza e às desigualdades sociais”.
O texto refere que "muitos têm sido os apelos junto da Câmara Municipal para arranjar uma solução habitacional para estas pessoas. Estão dispostas a negociar, mas precisam de ter um local para viver".

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