Kuduristas da Caparica combatem solidão dos idosos com dança e afetos

Cinco jovens levam aos mais velhos afetos, atenção, uma palavra amiga e um sorriso

Cinco jovens entre os 24 e os 34 anos são os Kuduristas da Caparica, que três dias por semana, através da dança, promovem o envelhecimento ativo dos utentes, agora em confinamento, do Centro Social da Trafaria, no âmbito do projeto “Não estamos sós”, da Santa Casa da Misericórdia de Almada. Os sons de kuduro e afrohouse são projetados através de uma pequena coluna suficientemente potente para pôr a mexer os ‘vovós’, como são carinhosamente tratados pelos voluntários, que fazem uma espécie de terapia aos menos jovens, com idades entre os 80 e os 99 anos. À janela, na hora marcada, surge o 'Capitão' acenando aos 'netos' kuduristas que chegaram para dançar e dar dois dedos de conversa. Juntam-se os vizinhos, nas varandas, e durante meia hora não há solidão: há sorrisos e esquece-se a pandemia.
Projeto combate solidão dos mais velhos 

A ideia começou com oito utentes, mas já se espalhou aos vizinhos e, na rua do ‘Capitão’ – que apesar de não frequentar o centro é um dos ‘vovós’ do projeto -, são vários aqueles que se assomam à janela ou varanda para participar na serenata.
Os mais atrevidos, se bem que com todas as regras de segurança, vêm até à rua para dançar.
‘Capitão’, como é conhecido Carlos Santos, dono de uns olhos de azul mar, usa um chapéu que o denuncia a quem passa e lhe vale a alcunha. Para ele, estes ‘netos’ “deviam vir mais vezes”.
“O grupo veio cá para me desencantar e acabou a encantar os vizinhos todos. Está muito bem, que seja por muitas vezes”, diz, revelando que as pessoas “estão sozinhas” e que os jovens chegam e as divertem.
Reconhece que já não dança como antigamente. Uma operação à coluna deixou-o com um problema na perna: “Ensinei muitas meninas a dançar, fui músico, tive bandas, fazia bailaricos, era uma beleza”, conta.
“Ah, hoje é o dia da dança”, graceja Dona Odete, que passa na rua, com um saco de compras vazio no braço, e por lá fica entretida a dançar com o grupo.
“É sempre uma animação”, desabafa.
A tarde começa na Costa de Caparica, junto ao ex-líbris arquitetónico Torre das Argolas, onde vive a ‘vóvó’ Maria Domingues. Os jovens estão expectantes com a visita, pois já não estão com a ‘avó’ há algum tempo por esta ter estado hospitalizada.
São recebidos com um ramo de flores de papel colorido, um passatempo que tinha no centro de dia e que mantém em casa.
Ninguém diria que esteve internada – a genica com que dança pela janela, canta e ri não lhe denunciam os 80 anos.
“São muito especiais e divertidos, tenho o coração cheio”, diz Maria Domingues, num entra e sai da janela para mostrar aos ‘netos’ aquilo com que se tem entretido. Joana Silva pede-lhe que não traga laranjas ou rebuçados, mas a ‘avó’ traz nas mãos duas bolas cor de rosa que anda a decorar.
“A valorização da pessoa idosa é claramente uma das nossas metas, objetivos, e combater o isolamento, claro”, começa por explicar Joana Silva, uma das kuduristas e dinamizadora do grupo, no qual todos adoram trabalhar com idosos.

Voluntários já lidavam com projetos sociais
Dias de muita dança e animação 
Houve uma altura, lembra, em que foram estas pessoas a cuidar dos outros, chegando agora o tempo de serem cuidadas: “Não há maior riqueza do que eles e ter a possibilidade e privilégio de dizer ‘és especial’, porque o são, é devolver qualquer coisa, aprendemos todos os dias”.
Joana Dias reconhece que uma visita, um dedo de conversa, um telefonema fazem “toda a diferença” a estas pessoas. E, agora, “ter alguém que dança, que os faz ficar conhecidos, mexe com a autoestima e fá-los sentir superimportantes”.
De alguma forma, estes cinco voluntários já lidavam com projetos sociais. Joana e Gonçalo Silvestre, guia das Avós do Mar, já trabalhavam com alguns destes idosos no projeto Varina, sobretudo com turistas, mas com a pandemia a iniciativa teve de ficar suspensa.
“É mais o que levamos do que o que damos aqui”, confessa Miguel Graça, professor de dança e coreógrafo, reconhecendo que a partilha do ritmo do kuduro e da “energia positiva” resulta numa experiência “muito positiva”.
Com emoção, reconhece que é com “uma gratidão enorme” que vê a entrega dos ‘avós’ e o seu ‘feedback’ positivo a um ritmo que não é propriamente conhecido destas gerações.
“Está a ser brutal”, sintetiza, admitindo que alguma coreografia e passos de kuduro ou afrohouse são adaptados para os alunos ‘vovós’.

Um projeto que junta a dança com os afetos 
Jovens levam afetos e alegria aos mais velhos 

Diana Ramos, Gonçalo Silvestre, Joana Silva, Miguel Graça e Rafaela Schneider são os Kuduristas da Caparica e pretendem desenvolver um projeto-piloto no concelho de Almada, para que se espalhe depois a outros locais do país.
Os jovens estão a ter vários pedidos de escolas de dança e de voluntários que querem juntar-se à ideia de levar a dança aos idosos, remetendo para as redes sociais as próximas novidades do projeto e a forma como a sociedade poderá ajudar.
A Lusa despede-se dos kuduristas na Quinta da Corvina, onde o senhor Manuel e a dona Alzira os recebem com cantigas, versos e rimas, sendo visível o carinho mútuo.
A energia do ‘vovô’ de 88 anos é comparável à da sua mulher, três anos mais nova. Os dois, lado a lado, cada um com sua canadiana, dançam conforme podem, acompanhando os jovens.
“Hoje está muito animado. Até a Dona Alzira veio cá fora ter connosco, nem sempre é assim. Estão a ficar famosos estes ‘vovós'”, diz Joana.
A união entre todos é também evidenciada quando o grupo entrega a cada idoso uma das flores de papel feitas por Clarisse.
A memória, que às vezes já falha, mas aguçada pelos jovens com a pergunta “sabe quem lhe manda esta flor?”, não deixa esquecer a companheira que não veem desde que estão confinados.
Não é só dança e música que os kuduristas levam aos ‘vovós': são também afetos, atenção, uma palavra amiga, um sorriso, num todo conjugado para evitar a solidão.

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