Aterro no Zambujal continua a "laborar" há dois anos sem autorização

Sesimbra confirma a "intenção de processar o Estado português" se nada for feito 

Na sequência da reportagem Paraíso da Impunidade, emitida no programa da RTP Sexta às 9, de 12 de Fevereiro de 2021, a propósito do Aterro do Zambujal, a Câmara de Sesimbra enviou um ofício ao Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, a solicitar esclarecimentos sobre a informação avançada na referida reportagem pelo Ministério do Ambiente e Ação Climática, que garante que em 2021, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo irá realizar um estudo de recuperação do aterro financiado em 200 mil euros pelo Fundo Ambiental. Este é um crime ambiental, com um risco imprevisível para a saúde pública, que continua ativo perante a incapacidade de todas as autoridades que empurram as culpas para todos os lados. A Câmara de Sesimbra, se nada for feito antes, vai colocar o Estado português em tribunal. Quem lá vive não suporta "o mal estar" e o "mau cheiro" que há anos chega desse verdadeiro "paraíso da impunidade", em plena Serra da Arrábida. 
Aterro está ilegal desde 2019 

No documento, a Câmara de Sesimbra volta a "mostrar preocupação com a população que está a ser afetada pela deposição e queima de resíduos no aterro, e insiste na urgência de uma intervenção para mitigar os danos para o ambiente e para as pessoas". 
A este propósito, e tal como foi avançado no programa, a autarquia confirma a "intenção de processar o Estado português caso não seja concretizada uma solução num horizonte temporal próximo". 
Em Novembro, num protesto promovido pela população do local, Francisco Jesus,  presidente do município, disse que a solução dos problemas dos aterros passa por uma “mudança da legislação” ambiental, para que as empresas que detêm e exploram aterros não continuem a poluir impunemente e a escaparem a eventuais penalizações.
“A história diz-nos que, normalmente, as empresas que exploram os aterros acabam por sair, abrem insolvência, e o problema continua anos a fio, sem que a tutela do Ambiente faça alguma coisa”, disse o autarca sesimbrense.
“A recuperação do aterro - e vamos exigir que seja feita -, garantidamente, não é suportada pela garantia bancária que é prestada no início do licenciamento”, acrescentou Francisco Jesus, lembrando que, em casos semelhantes, um pouco por todo o país, são muitas vezes os contribuintes que têm de pagar pelos crimes ambientais das empresas que detêm e exploram os aterros.
Para Francisco Jesus, com o atual enquadramento legal, o mais provável é serem os contribuintes a suportarem os encargos com a recuperação do aterro do Zambujal de Cima, pelo que sublinha a necessidade de uma alteração da legislação ambiental portuguesa.
“Há duas hipóteses: ou de facto a nossa legislação muda (…), e há a obrigatoriedade de os acionistas poderem ser responsabilizados, ou então [a recuperação dos aterros nestas circunstâncias] cai sempre em cima do erário público. E o erário público somos todos nós”, frisou.
Face a sucessivas violações da licença atribuída ao aterro do Zambujal, a Comissão de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo revogou a referida licença a 3 de Junho de 2019, determinando o encerramento e selagem do aterro. Ainda assim o aterro continua a trabalhar, indo contra todas as leis. 

Desconhecem-se os produtos que se encontram em combustão
População e autarquia pedem respostas 
Alguns moradores e a Câmara de Sesimbra, através dos serviços de fiscalização, garantem, no entanto, que reuniram provas da deposição de diversos materiais naquele aterro, depois da proibição decretada pela entidade licenciadora.
Em simultâneo, manifestam grande preocupação por desconhecerem os produtos que se encontram em combustão permanente no aterro do Zambujal, que responsabilizam pelo cheiro nauseabundo que se faz sentir muitas vezes naquela zona do concelho de Sesimbra.
“Há dias em que não se consegue respirar neste lugar. Se tivermos alguma coisa ilegal em nossas casas, as autoridades vão lá e fazem buscas. Mas aqui no aterro continuam a permitir que se depositem substâncias que nem sequer sabemos de que tipo são”, disse Gilberta, uma moradora no Zambujal de Cima, na concentração realizada no final de Novembro, junto ao aterro.
“Nunca vimos pedra e areias a arder”, acrescentou Argentina Marques, que também reside no Zambujal, aludindo ao facto de o aterro ter sido licenciado para produtos inertes, que nunca poderiam entrar em combustão, ao contrário do que se verifica naquele aterro desde 2019. Para a população este é “um problema que preocupa toda a população de Sesimbra”.
Recorde-se que, de acordo com a autarquia, a licença de funcionamento deste aterro foi revogada em Junho de 2019 mas o aterro continua no ativo. Em Agosto desse ano um incêndio no local e, desde esse incidente, começaram a surgir relatos de um cheiro desagradável que desde então vem incomodado a população local.
Apesar de todas as ocorrências e iniciativas, que se intensificaram ultimamente, a realidade é que, de acordo com a autarquia, "até ao momento, a empresa continua a laborar e não se conhecem quaisquer medidas adotadas para a minimização dos efeitos nocivos para o ambiente e para a saúde pública ou para dar cumprimento às exigências da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo".
O caso está em investigação no Ministério Público e, dois anos depois, a dificuldade maior é encontrar "os proprietários". E até agora não se sabe qual a qualidade da água e do ar da zona do Zambujal. 

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