Distrito de Setúbal escolheu Marcelo Rebelo de Sousa

Marcelo "arrasa" em todos os concelhos, Ana Gomes conquista o 2º lugar e Ventura "ganha votos" aos bastiões comunistas num domingo mau para a esquerda 

Como era expectável, Marcelo Rebelo de Sousa é o novo Presidente da República. Foi reeleito à primeira volta, com 60,7 por cento e mais de dois milhões e meio de votos. O atual Presidente ganhou nos 13 concelhos do distrito de Setúbal [com 56,17 por cento] e ganhou em todos os distritos de Portugal continental e ilhas. A surpresa foi que André Ventura - aliado a uma extrema-direita radical - teve mais de 12 por cento [com 43 mil 730 de votos] no distrito de Setúbal. Foi o terceiro candidato mais votado da região [e no país] atrás de Ana Gomes [apoiada pelo PAN e pelo Livre] que ficou a 1700 votos de distância. O candidato comunista, João Ferreira, foi o quarto mais votado, com 8,94 por cento dos votos. Marisa Matias, ligada ao Bloco de Esquerda (4,35), Tiago Mayan Gonçalves, da Iniciativa Liberal [2,31] e Vitorino Silva [1,99] fecharam as contas do distrito onde só votaram 345 mil 473 [46,55 por cento] das 742 mil 129 das pessoas inscritas. Muito significativo para o PCP será o facto de João Ferreira ter menos 13 mil votos do que Ventura num distrito onde o partido tem forte implantação. Surpresa foi ainda o segundo lugar de um candidato extremista no Seixal, Moita Palmela e Sesimbra - territórios tradicionalmente ligados ao PCP - e ainda no Montijo e Alcochete.
Marcelo consegue vencer em todos os concelhos do país

Dos 308 concelhos do país, não houve um que Marcelo Rebelo de Sousa não ganhasse. Mas há outras histórias por contar nesta distribuição. É nas ilhas que Marcelo mais se destaca, no Alentejo que ganha por menos. Ventura fica em segundo em mais concelhos do que Ana Gomes, mas isso não chega para ter um melhor resultado global. Vitorino perdeu Rans, mas nem tudo foi derrota no seu concelho. A abstenção foi de 54,6 por cento.
A votação mais alta de Marcelo Rebelo de Sousa foi na Calheta e em Santana (ambos na Madeira), com 79 por cento dos votos, e Calheta (a outra, dos Açores) e no Nordeste, outro concelho açoriano, onde o Presidente reeleito conseguiu 78 por cento dos votos.
Os piores resultados foram no Alentejo. Nenhum tão baixo quanto em Moura, onde Marcelo teve 39 por cento dos votos (Ventura teve 30,85 por cento, a distância mais curta), ao que se seguiu Mourão, com 41 por cento, Serpa, com 42 por cento, e Avis, com 44 por cento
O Presidente agora reeleito disse ter a consciência de que a renovação de confiança dos cidadãos não é um "cheque em branco", mas que lhe vão exigir mais neste mandato, sobretudo num momento tão grave como o da pandemia. Marcelo fez a súmula do que precisa de ser: "Um Presidente de todos e de cada um; um Presidente que estabiliza, que une, que não seja de uns contra os outros, os maus, que não seja de fação, que não desista da justiça social".
Projetou ainda que tudo irá fazer para que haja uma revisão legislativa, nomeadamente para permitir o voto por correspondência dos emigrantes, que ficaram impedidos de votar por vários constrangimentos. Marcelo quer "persuadir quem pode elaborar leis a ponderar a revisão antes de novas eleições daquilo que se concluiu dever ser revisto, para ajustar a situações como a vivida" e isto "para ultrapassar objeções ao voto postal ou por correspondência, objeções essas que tanto penalizaram os votantes, em especial os nossos compatriotas espalhados pelo mundo".
Pandemia foi a primeira, a segunda e a última palavra do discurso da reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República. “É a minha, a vossa, a nossa primeira missão: primeiro, conter e aliviar a pandemia, para depois podermos passar para o que tanto precisamos”, “a reconstrução”, disse. Foi um discurso mobilizador, mas também de reposicionamento político, no qual sugere que fará um segundo mandato mais interventivo, sobretudo na gestão da pandemia.

Ana Gomes é a mulher com mais votos em Portugal 
Ana Gomes garantiu 2º lugar no distrito por 1700 votos 
A candidata socialista, mas não apoiada pelo PS, Ana Gomes, usou a hora de assumir o segundo lugar nas presidenciais para atacar André Ventura e a direção do PS, que quase acusou de ter contribuído para o bom resultado da extrema-direita. Ela própria disse que tudo fará para ajudar Marcelo Rebelo de Sousa, "o candidato da direita democrática", neste segundo mandato, "a reforçar a democracia e a não dar argumentos aos que a querem destruir e que conseguiram tirar votos ao PSD e ao CDS-PP".
Ana Gomes reconheceu que falhou o objetivo de levar a uma segunda volta, mas sublinhou que a sua candidatura "deu expressão ao socialismo democrático e à social-democracia". Uma candidatura que, disse, se não tivesse acontecido levaria "muitos a lamentar ainda mais a progressão da extrema-direita".

Ventura transformou o “obviamente, demito-me!” num “PSD, ouve bem!”
Ventura ficou a mais de dois milhões de votos de Marcelo
Era a noite do “obviamente, demito-me!” para André Ventura. Afinal, o candidato presidencial e líder do Chega falhara no cumprimento dos objetivos traçados: não forçou uma segunda volta nem ficou à frente de Ana Gomes, mas para André Ventura esta foi uma “noite histórica”, uma noite em que o Chega viveu “o seu momento maior”. Sem nunca dizer a palavra ‘demissão’, Ventura prometeu ouvir os militantes sobre a sua continuidade à frente do partido mas sem demissão. 
André Ventura, que foi atacado por todos os outros candidatos - à exceção de Marcelo, que nunca o quis afrontar diretamente, embora o tivesse indiretamente visado -, chegou triunfante ao hotel em Lisboa para cantar a "reconfiguração da direita em Portugal" e a "avassaladora força antissistema" que cresceu no país e que está pronta "para as batalhas futuras". "Esmaguei a extrema-esquerda!", gritou e contabilizou: "Tive mais votos do que o PCP, o BE e a IL juntos." E gritou ainda mais: "Esmaguei o João Ferreira no Alentejo, no Alentejo!"
Nem a candidata bloquista Marisa Matias capitalizou com a iniciativa dos lábios vermelhos, nem Ana Gomes descolou, disse, apontando ainda o dedo às empresas de sondagens. E ficou o aviso para o maior partido da direita: “PSD, ouve bem! Não haverá governo em Portugal sem o Chega”.
É verdade que Ventura ficou “aquém dos 15 por cento" e “a algumas décimas da esquerda medíocre, mais colada às minorias que têm explorado e destruído” o país, como disse, mas “a IV República está cada vez mais perto”, prometeu, assim como a queda deste “Governo miserável”. Diz-se "iluminado por Deus" para reafirmar Portugal.  
Numa campanha que incluiu ciganos apoiantes que não o eram, acusações de espionagem e provocações várias, na noite eleitoral não poderia faltar um caso. O Chega pediu aos jornalistas para saírem da sala onde se encontravam há muito e já faziam os seus diretos. Em causa estava a suspeita de existir um elemento não credenciado. A ordem não foi acatada pelos jornalistas e ninguém saiu. 

A desilusão de Marisa e das esquerdas 
Marisa Matias ficou longe do resultado de 2016 
O bom resultado de Marisa Matias - e do Bloco de Esquerda - nas eleições de 2016 foi devastado este domingo. A eurodeputada perdeu em número de votos até para o PCP, que também não se pode ficar a rir: João Ferreira não fez a candidatura comunista crescer e foi preterido em detrimento de André Ventura no Alentejo. Ao todo, os três candidatos de esquerda - Ana Gomes, João Ferreira e Marisa Matias - tiveram o resultado mais baixo de sempre em presidenciais.
Marisa Matias foi a primeira a assumir que não tinha alcançado os resultados que esperava, ainda decorria a contagem dos votos. "Fiquei longe dos objetivos." Disparou de imediato contra "as aldrabices" de André Ventura, num alerta à reconfiguração da direita, perante os resultados do líder do Chega nestas eleições. "Há muitos eleitores de direita que votaram num candidato de extrema-direita". 
Questionada pelos jornalistas sobre se tivesse desistido a favor da sua "amiga" Ana Gomes não poderia ter forçado uma segunda volta, voltou a insistir: "Não, as candidaturas à esquerda somaram". E antecipou uma pergunta com resposta dentro: "Se me perguntarem por que é que a esquerda não somou mais, essa pergunta terá de dirigir ao PS". A candidata apoiada pelo Bloco criticava assim o facto do partido de António Costa não ter dado apoio à socialista Ana Gomes.

João Ferreira feliz apesar do resultado pequenino 
João Ferreira e PCP perdem em toda a linha no distrito

O o outro candidato à esquerda, apoiado pelo PCP e pelos Verdes, João Ferreira, que nestas presidenciais conseguiu ficar à frente de Marisa, também elegeu o combate aos "projetos antidemocráticos e de confronto à Constituição". O candidato nunca mencionou o nome de André Ventura, mas a mensagem foi para ele. O candidato de extrema-direita ultrapassou-o em todo o Alentejo nos bastiões comunistas do distrito de Setúbal. 
Nesta batalha contra os tais "projetos antidemocráticos" o candidato comunista contará com todos os que o apoiaram, incluindo de outros partidos, como Isabel Moreira, deputada do PS.
Aquele que é tido como o futuro sucessor de Jerónimo de Sousa na liderança do PCP, afirmou que a sua candidatura a Belém trouxe um contributo singular, que "irá perdurar", de "demonstrar a centralidade da Constituição da República, que tem um acervo de direitos políticos, económicos, sociais e ambientais", que são a resposta para os problemas dos portugueses. "O nosso compromisso foi sempre um sereno debate de ideias", disse João Ferreira. 

Tiago Mayan sinalizou crescimento liberal e rejeita "a direita extremista" 
Tiago Mayan colocou o liberalismo na agenda política 
À direita, e apesar de ficar em penúltimo, Tiago Mayan Gonçalves pode cantar uma vitória feita de mais votos do que o partido que ajudou a fundar e que o apoiou teve nas legislativas de 2019 (de 1,9 por cento dos votos). "Com este resultado sinalizámos o crescimento da onda liberal, um crescimento sustentado do espaço liberal". 
O candidato demarcou-se também da outra direita, a de Ventura, e mais uma vez sem o nomear. "Não alinhamos nos discursos dos que querem pôr uns contra os outros. O extremismo seja ele qual for não vencerá e não será opção ao socialismo que também queremos combater", conta Tiago Mayan Gonçalves. 
Sobre o seu futuro político, nomeadamente sobre a hipótese de vir a ser candidato do Iniciativa Liberal, que ajudou a fundar, nas próximas legislativas, deixou a porta aberta: "Estarei sempre disponível para tornar Portugal mais liberal".

"É uma honra ter ficado em segundo em Rans"
Apesar do último lugar Tino quer ver Marcelo em Rans
Na garagem da casa do irmão, onde fez a declaração da noite eleitoral, Vitorino Silva convidou Marcelo Rebelo de Sousa a visitar Rans, em Penafiel, a sua terra, onde ficou atrás do Presidente eleito. "Desta vez concorri contra o Presidente, é uma luta desigual", justificou assim que nem os seus conterrâneos o tenham escolhido em primeiro. "É uma honra ter ficado em segundo em Rans", declarou o também recandidato a Belém.
Com um discurso de vitória mobilizador para a prioridade absoluta que é a pandemia, o Presidente avisou, no entanto, que vai saber “tirar ilações” do reforço de confiança que sentiu dos portugueses.

Agência de Notícias  

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