Avenida Álvaro Cunhal gera polémica em Setúbal

Desenhos de Cunhal em via estruturante da cidade alvos de critica de munícipes e oposição 

A Câmara de Setúbal instalou numa das principais entradas da cidade cinco painéis, de grandes dimensões, com desenhos do líder do PCP. "Pela memória de um grande líder", diz a autarquia. Mas nem todos interpretam assim e os desenhos da polémica já subiram à Assembleia Municipal. Alguns munícipes criticam escolha da autarquia, que acusam de querer idolatrar uma figura que não tem qualquer ligação à cidade de Setúbal. A polémica já chegou à internet e quer seja na página oficial do Facebook do município quer seja na página do movimento de cidadãos ‘Afinal há uma alternativa’ - um movimento cívico da cidade - a critica à obra é evidente. Desde logo pela figura em si, mas também pelo dinheiro adjudicado à obra. "O valor da obra (300 mil euros), é um desperdício absoluto", afirma Vanessa Sequeira, daquele movimento cívico. A autarquia esclarece que a instalação dos desenhos naquela avenida é uma homenagem "mais do que justificada". Isto porque Álvaro Cunhal "foi um dos mais destacados lutadores contra o regime fascista".
Desenhos de Cunhal não agradam a todos 

Esta história começou há um mês assim: "A memória de Álvaro Cunhal é evocada em avenida setubalense, de nome homónimo, agora embelezada com desenhos do líder histórico comunista realizados enquanto preso político e requalificada com novas soluções de mobilidade urbana", explica a Câmara de Setúbal em comunicado. As obras de beneficiação, dotam a Avenida Álvaro Cunhal, no troço compreendido entre as rotundas do Monte Belo e dos Golfinhos (Praça 25 de Abril), "de renovadas condições de usufruto, com o reperfilamento da rede viária e pedonal, incluindo uma ciclovia, o reforço da iluminação e um novo arranjo paisagístico", sublinha a autarquia. O investimento municipal superior a 300 mil euros incluiu intervenções na infraestrutura viária, com estreitamento da faixa de rodagem e a criação de uma zona pedonal no lado norte da avenida.
Na placa central, além de um novo apontamento ajardinado, com áreas de relvado e novos espécimes arbóreos, há agora cinco painéis de grandes dimensões, em madeira e iluminados, com desenhos elaborados por Álvaro Cunhal, entre 1951 e 1959, enquanto preso político do fascismo.
“Desenhos da Prisão” dá título à mostra que é partilhada no espaço público, com parte dos desenhos elaborados durante os sete anos de rigoroso isolamento na Penitenciária de Lisboa e no Forte de Peniche a ser inaugurada precisamente no dia em que o homenageado completaria 105 anos.
Mas, um mês depois, os desenhos do eterno líder comunista estão a gerar forte polémica entre a população, oposição [PS e PSD] e a autarquia gerida, por maioria, pelos comunistas.
A última reunião da Assembleia Municipal, que decorreu a 26 de Novembro, foi marcada por protestos de um grupo de setubalenses, que faz parte do movimento cívico ‘Afinal Há Uma Alternativa’, a intervir para questionar a presidente da Câmara sobre a razão da obra que consideram ser "ridícula" e uma demonstração de "idolatria".
Ao jornal Sol, uma das líderes deste movimento cívico da cidade de Setúbal, considera que a instalação dos desenhos de Álvaro Cunhal acaba por ser "um cartão de visita da cidade" que desta forma é conotada a ideia de ‘Cidade Vermelha’. "Assim que se entra na cidade a primeira coisa que se vê é aquele monumento", sublinhou Vanessa Sequeira. Além disso, acrescenta ainda a munícipe, Álvaro Cunhal "não tem nenhuma ligação à cidade", sendo que em Setúbal "não há nenhum monumento daquela dimensão com uma personalidade da cidade".
E estas são apenas algumas das críticas que são partilhadas pela população nos vários comentários que podem ler-se na página da Facebook do ‘Afinal Há Uma Alternativa’, que conta com mais de 10.840 membros.

Autarquia considera "homenagem justa". Oposição critica escolha e valor da obra 
A autarquia esclarece que a instalação dos desenhos naquela avenida é uma homenagem "mais do que justificada". Isto porque o carismático líder do PCP "foi um dos mais destacados lutadores contra o regime fascista. Homenageá-lo é, por isso, um dever que agora cumprimos com maior dignidade, uma vez que a avenida tem este nome desde 2013", informa a autarquia.
“Esta avenida é a singela homenagem setubalense a Álvaro Cunhal, comunista, antifascista, democrata e secretário-geral do PCP, que, ao longo da sua vida, elegeu como combate primordial a luta pela democracia”, sublinhou na inauguração das obras a presidente da Câmara de Setúbal, Maria das Dores Meira.
“O nome de um homem que moldou o século XX português e que é, sob qualquer perspetiva, uma das mais importantes personalidades da nossa história contemporânea”, realçou a presidente da autarquia setubalense. Mas nem todos concordam. As críticas dos setubalenses são partilhadas pelos vereadores do PS e do PSD, que já tinham contestado a obra na reunião de Câmara que se seguiu à inauguração da instalação dos desenhos.
Fernando Paulino, do PS, considera que a obra "é demais", sobretudo tendo em conta que Cunhal "não tem qualquer ligação a Setúbal". O vereador socialista salienta ainda que "não há mais nenhum político com o nome numa rua" da cidade, havendo apenas "uma praceta com o nome de Sá Carneiro onde há um busto, que foi o PSD Setúbal quem pagou" o monumento.
O socialista considera, por isso, que uma homenagem daquela dimensão a D. Manuel Martins ou a Zeca Afonso - que viveu 20 anos em Setúbal onde está sepultado - seria mais "consensual".
Também o vereador social-democrata Nuno Carvalho disse ao semanário Sol que se deve "embelezar as entradas da cidade com aquilo que são os seus símbolos e não com figuras políticas". O custo da obra [300 mil euros, entre os quais 46 mil foram para os desenhos] também mereceu reparos do PSD. O dinheiro "aplicado àquelas pinturas tinha um melhor destino se fosse para saneamento ou para pavimentar ruas, como para suportar muitas outras necessidades que concelho tem". O social-democrata considera ainda que esta obra "parece ser um reflexo daquilo que vai ser a CDU no futuro sem a atual presidente". É que este "é o estilo da CDU que nunca foi até agora, o estilo da atual presidente", aponta Nuno Carvalho.

A "surdez" da presidente perante as criticas do movimento cívico 
E voltamos, nesta via directa das criticas, à voz do movimento cívico ‘Afinal Há Uma Alternativa’. Vanessa Sequeira dá o exemplo do bispo Dom Manuel Martins, que considera ser "a verdadeira personalidade do séc. XX de Setúbal" e que só foi homenageado há duas semanas com uma placa "em frente a um estacionamento, atrás de uma igreja", a quem chamam agora Largo D. Manuel Martins. Manuel Martins, primeiro bispo da Diocese de Setúbal, falecido em Setembro do ano passado, foi evocado pela Câmara Municipal, ma inauguração do Largo com o seu nome, como um “amigo de Setúbal que, no momento complexo em que se fez setubalense, soube ler o que ia na alma de gentes fustigadas pela dor da pobreza, da miséria, dos salários em atraso”, e, por isso “a cidade agradece-lhe o que por ela fez”.Dom Manuel Martins foi o primeiro bispo de Setúbal e esteve no ativo durante 23 anos, entre 1975 e 1998. Ficou conhecido como ‘Bispo vermelho’, depois de tecer duras críticas aos governos e às políticas sociais seguidas e de denunciar vários casos de pobreza e de fome na região de Setúbal, durante os anos 80. Nessa altura, a região era aquela onde se registavam as taxas mais altas de desemprego em Portugal. De volta à Avenida da polémica, Vanessa Sequeira aponta ainda criticas "à obra de arte" construída em plena via rápida.  "Uma galeria de arte não é uma via rápida", porque "ou se conduz ou se vê arte", diz a jovem setubalense que na sua intervenção na Assembleia Municipal sentiu que a presidente "ridicularizou a situação" e acusa Maria das Dores Meira de ser "surda" às críticas do movimento cívico e da população. Os seis placards com desenhos a carvão feitos por Álvaro Cunhal enquanto esteve preso na Penitenciária de Lisboa e no Forte de Peniche foram colocados no dia 10 de Novembro numa das principais avenidas da cidade de Setúbal, que dá acesso à Estrada Nacional 10. Alguns dias depois da inauguração, um dos placards com desenhos foi vandalizado.

Agência de Notícias 

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