Seixal promete dar luta à privatização do lixo

Estado vende tratamento de lixo a privados e câmaras prevêem aumento de taxas aos munícipes 

A contestação judicial à venda da Empresa Geral de Fomento  – a sub-holding do Estado para a área dos resíduos – vai prosseguir, apesar do anúncio na última quinta-feira do vencedor do concurso para a privatização. “Isto não é o fim do processo, é apenas mais um capítulo”, afirma Joaquim Santos,  presidente da Câmara do Seixal, que tem processos a correr em tribunal contra a alienação da maioria da empresa que cuida do tratamento do lixo na Península de Setúbal. "O Governo trai a confiança dos municípios, os quais só aceitaram integrar a Amarsul no pressuposto de que no mínimo, 51 por cento do seu capital social apenas poderia ser detido por entidades públicas", reitera a autarquia do Seixal em comunicado. O Estado vendeu à SUMA, liderado pela Mota-Engil, o negócio do lixo por quase 150 milhões de euros. No entanto o processo está longe de estar fechado: apesar de ter quase todas as autarquias do país contra, a venda tem ainda de passar pelo crivo da Autoridade da Concorrência. Certo é que, como diz a autarquia do Seixal, se o negócio avançar, o aumento da taxa "acabará por se repercutir na tarifa que o munícipe paga pelos serviços de tratamento dos resíduos sólidos urbanos, agravando, ainda mais, os já extremamente debilitados orçamentos familiares". 


Privatização dos lixos abriu uma guerra entre o Governo e os municípios

A Câmara do Seixal esteve na linha da frente na luta contra a privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF) que controla o lixo produzido no país. "O Governo, obstinado na sua saga privatizadora, e sem qualquer fundamento credível, conduziu todo o processo de privatização da EGF contra a vontade generalizada dos municípios portugueses, consubstanciada, entre outras, nas reiteradas posições de rejeição da privatização assumidas pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, e unanimemente manifestada pelos municípios acionistas da Amarsul", explica o gabinete de imprensa daquela autarquia do distrito de Setúbal. 
As ações judiciais colocadas pelos municípios - entre os quais uma providência cautelar colocada pelo município do Seixal -  "continuam por decidir e, no caso do município do Seixal, estamos convictos de que, mais cedo do que tarde, as ações judiciais que intentámos confirmarão a nossa razão na defesa dos direitos das nossas populações e do serviço público", explica a mesma fonte. 

 Autoridade da Concorrência teme monopólio 
Já quanto à alegada transparência do processo e à baixa das tarifas, é "elucidativo que a Autoridade da Concorrência, no seu parecer enviado ao Governo e recentemente divulgado, tenha recomendado uma separação geográfica das empresas da EGF em processo de privatização e defendido que concentrar as concessões numa só entidade prejudica a eficiência do regime tarifário", refere a autarquia do Seixal.
Afirma ainda a Autoridade da Concorrência que o modelo de privatização da EGF, ao atribuir ao vencedor o direito exclusivo de transporte e tratamento dos resíduos sólidos urbanos de 60 por cento da população portuguesa, concentrando a atividade numa única empresa, "implica diminuir a informação concorrencial, promovendo a assimetria de informação, o que dificulta o controlo das receitas operacionais, custos operacionais e base de ativos regulados bem, como dos parâmetros de eficiência, tendendo-se para um cenário de menor transparência e consequente perigo de captura regulatória".
Finalmente, esta entidade reguladora referiu "não dispor de nenhum elemento que fundamente a necessidade de prever um prazo máximo de 50 anos para a concessão, questionando a adequação da admissão dessa duração, o que adia a potencial entrada de novos agentes no mercado".

Preços vão quadruplicar 
"Se conjugarmos este cenário com a já também anunciada proposta da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde, facilmente concluiremos que, em vez de baixarem, as tarifas irão aumentar e muito", conta a Câmara do Seixal.
"Nos termos dessa proposta, a Taxa de Gestão de Resíduos – que as câmaras municipais pagam para a deposição do lixo comum em aterros sanitários – deverá quase quintuplicar nos próximos seis anos", diz ainda o comunicado da Câmara do Seixal, que explica ainda que a taxa é "neste momento de 4,29 euros por tonelada de resíduos sólidos urbanos.  A comissão propõe que chegue a 20 euros por tonelada até 2020 – ou seja, um valor 4,7 vezes maior". 
O aumento da taxa "acabará por se repercutir na tarifa que o munícipe paga pelos serviços de tratamento dos resíduos sólidos urbanos, agravando, ainda mais, os já extremamente debilitados orçamentos familiares", argumenta a autarquia.
Perante este quadro, a Câmara do Seixal "reitera a sua determinação de tudo fazer, no plano judicial e político, para impedir a concretização da privatização anunciada, na defesa dos nossos munícipes e do serviço público de gestão de resíduos". 

Privatização rende ao Estado quase 150 milhões de euros 
Amarsul representa 16,7 milhões no universo da EGF
O Conselho de Ministros aprovou na quinta-feira a venda da Empresa Geral de Fomento  – o grupo estatal que controla o tratamento de dois terços dos lixos urbanos do país - ao agrupamento SUMA, liderado pela Mota-Engil. O negócio, que o Governo espera fechar entre o final deste ano e o início de 2015, tem ainda de passar pelo crivo da Autoridade da Concorrência.
"O Conselho de Ministros, após a análise do relatório apresentado pela Parpública e pela Águas de Portugal e do parecer emitido pela comissão especial de acompanhamento, verificou que a apreciação dos três concorrentes e das respetivas propostas vinculativas em face dos critérios estabelecidos no caderno de encargos, conduz à seleção do concorrente consórcio SUMA como vencedor, atento o maior mérito da respetiva proposta", lê-se no comunicado.
Na conferência de imprensa que se seguiu ao Conselho de Ministros, o secretário de Estado das Finanças salientou que a proposta vencedora, no valor de 149,9 milhões de euros, "teve a recomendação unânime" dos assessores financeiros e juridicos da operação, bem como da Parpública e da Águas de Portugal.
Manuel Rodrigues também destacou o elevado número de contactos de investidores que o processo suscitou como uma "prova de recuperação económica" do país e do potencial do sector dos residuos.
Já o ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia afirmou que reestruturação do sector dos resíduos que antecedeu a privatização permitiu que "fossem conhecidas todas as regras" pelas empresas candidatas e dadas "todas as garantias" de qualidade de serviço público aos cidadãos antes de o processo começar. 
O "bom preço" apresentado pela SUMA é importante para abater a dívida da Águas de Portugal e é também um valor que "é duas vezes superior ao valor contabilistico da empresa e mais de 50 por cento superior à média das avaliações" da EGF, salientou Jorge Moreira da Silva.
A EGF é accionista maioritária de 11 sistemas multimunicipais de gestão de resíduos, juntamente com os municípios servidos e, num ou noutro caso, com empresas privadas. O conjunto de todos os sistemas trata 68 por cento dos lixos urbanos do país, referentes a 60 por cento da população, somando um volume de negócios de 172 milhões de euros em 2013.
A privatização da EGF abriu uma guerra – ainda não concluída – com muitos dos 174 municípios que também são accionistas dos 11 sistemas. O seu principal argumento é o de que o Governo os traiu, entregando ao controlo privado empresas que, de acordo com os seus estatutos, deveriam ser sempre maioritariamente públicas. Para viabilizar a privatização, o Governo alterou os estatutos destas sociedades por decreto-lei.

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