Tribunal determina que entrega da casa liquida dívida


Sentença de juiz de Portalegre lança tema à discussão

Numa decisão inédita da justiça portuguesa, um juiz do Tribunal de Portalegre determinou que, em caso de incumprimento, a entrega da casa ao banco, por parte de uma família em dificuldades, liquida a totalidade do empréstimo em dívida. A decisão pode fazer jurisprudência e aliviar muitas famílias numa altura em que são devolvidas 25 casas por dia em Portugal. Especialistas em Direito Fiscal já disseram que a sentença “terá resultados perigosos” e “não faz sentido”. O BE, por sua vez, quer que o Parlamento aprove a lei.


Decisão do Tribunal de Portalegre pode mudar a vida a muita gente 

O juiz do Tribunal de Portalegre, numa sentença divulgada neste sábado pelo Diário de Notícias, considerou que havia “enriquecimento injustificado”, por parte dos bancos, pelo facto de avaliarem as habitações por um valor e exigirem, depois, aos devedores, o remanescente resultante da diferença entre o valor da avaliação e o montante obtido com a venda. Esta decisão transitou em julgado e os juristas acreditam que poderá fixar jurisprudência.
Se esta sentença, de Janeiro deste ano, “a única conhecida a decidir daquela forma”, fizer doutrina, poderá vir a mudar a relação entre os bancos e os clientes que devolvem as casas por falta de pagamento.
Até aqui, quem pedisse um empréstimo e falhasse nas suas obrigações seria obrigado a pagar ao banco a diferença entre o valor da avaliação e o preço aplicado na venda do imóvel ao banco. Os tribunais sempre decidiram no sentido de obrigar os devedores a pagar o remanescente.
 Neste caso concreto, o juiz de Portalegre, que ainda é estagiário, reconheceu que teria de dar razão ao banco se aplicasse a jurisprudêcia comum, mas admitiu que o casal divorciado devedor tinha direito a que o tribunal apreciasse a sua perspectiva. O magistrado não validou esta reclamação, contrariando o entendimento comum.
Esta decisão inédita pode fazer toda a diferença para muitas das famílias portuguesas que não conseguem pagar os empréstimos contraídos para a aquisição de habitação própria, numa altura em que, em média, são devolvidas ao banco 25 casas por dia em Portugal por famílias que deixam de ter capacidade para continuar a pagá-las.

Caso com um ano
O caso remonta a Março de 2011 e teve origem num processo de divórcio em que ambas as partes assentaram que a dívida ao banco – referente a um empréstimo para compra de casa – era de 129.521 euros. O imóvel foi avaliado em 117.500 euros, correspondente ao empréstimo no momento da escritura, em 2006. O banco acabou por comprar o imóvel por 82.250 euros, reclamando os restantes 46.356 euros ao casal de devedores. O juiz entendeu que o banco, ao comprar o imóvel pelo preço que estipulou, não podia reivindicar a titularidade ativa do imóvel. A entrega da chave liquidou o empréstimo da casa.


Este ano já foram entregues 2300 casas
Dados da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), no primeiro trimestre de 2012 foram entregues aos bancos 2300 casas, o que resulta num aumento de 74 por cento face ao período homólogo de 2011, sendo que, no ano passado, foram entregues, no total, cerca de 6900 imóveis.
O advogado Pedro Marinho Falcão, especialista em Direito Fiscal, disse, em entrevista à RTP Informação, que a decisão do juiz de Portalegre "não faz sentido", porque o banco "não tem um contrato de partilha de risco com o seu cliente". O advogado explica que, quando o banco assina um contrato de empréstimo com um cliente, o risco de incumprimento é totalmente assegurado pelo cliente.
Pedro Marinho Falcão diz duvidar que este exemplo faça jurisprudência, considerando ainda que, caso faça, terá resultados perigosos, pois irá fazer com que os bancos sejam "muito mais restritos na concessão de crédito".

Espanha já usa esta jurisprudência
BE quer lei que garanta que entrega da chave liquida dívida 

Segundo escreve o Diário de Notícias, em Espanha esta jurisprudência já foi fixada em 2009. Nessa sentença exemplar, os magistrados espanhóis admitem a legitimidade do banco em reclamar o crédito remanescente, mas alertam a atenção para a crise mundial e suas consequências, considerando que muitas famílias foram afetadas por má gestão das entidades financeiras.


BE quer garantir que entrega de casa ao banco salda empréstimo
O Bloco de Esquerda (BE) desafiou este sábado o Parlamento a aprovar uma proposta que "garante que entrega de casa ao banco salda o empréstimo", depois de uma decisão do tribunal de Portalegre nesse sentido.
"A importante decisão do tribunal de Portalegre é um passo na direcção certa e reforça a necessidade urgente de clarificação legal neste ponto. Não faz sentido obrigar milhares de famílias, que já nem têm dinheiro para pagar a prestação do seu tecto, a terem que recorrer aos tribunais para evitarem ter de pagar o que já não devem", argumentam os bloquistas, em comunicado.
O Bloco "desafia, por isso, o Parlamento a aprovar o seu projecto de lei, colocando um ponto na final numa prática abusiva da banca e que, de acordo com o tribunal, constitui um 'enriquecimento injustificado' do sistema financeiro".

Paulo Jorge Oliveira 

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