Reportagem Especial: Governo abandona TGV

Tribunal de Contas “chumba” alta velocidade entre Poceirão e Caia

Em comunicado, o Ministério da Economia afirma que a decisão do Tribunal de Contas (TC), que não atribuiu visto prévio ao contrato do troço Poceirão-Caia, "vem, na perspectiva do Governo, encerrar a polémica em torno do projecto do TGV, que será assim definitivamente abandonado". O presidente da Associação de Municípios da Região de Setúbal, Alfredo Monteiro, está contra e diz que é “um duro golpe” para o distrito e para o país. Já o presidente da Câmara de Elvas, Rondão Almeida, desafia o Governo a “colocar o dinheiro” que estava previsto para a construção do TGV nos ordenados dos funcionários públicos e reformados. PS está contra a decisão. BE quer saber mais informação e o CDS aplaude a “justiça” do tribunal de contas. PCP ainda nada disse.

TC detectou várias irregularidades no concurso do TGV

O ministério liderado por Álvaro Santos Pereira indica que o Governo "vai agora analisar com pormenor os termos do acórdão do Tribunal de Contas, tendo em vista as suas consequências jurídicas e económicas de modo a defender o interesse público e os contribuintes portugueses".
De acordo com o acórdão do TC que dá conta da decisão, foram detectadas violações ao caderno de encargos do concurso. A construção, o financiamento e a manutenção do futuro troço de alta velocidade foram adjudicadas a "uma proposta que deveria, em rigor, ter sido excluída, uma vez que continha elementos não aceites e não negociáveis e, simultaneamente, tinha uma classificação inferior à da primeira fase", aponta o acórdão do TC.
Recusa se tornar definitiva, a Soares da Costa, uma das empresas afectadas pela decisão, já disse que a Concessionária a quem foi adjudicada a obra terá direito a ser paga de todos os custos e despesas incorridos com a realização das actividades e investimentos para a prossecução do contrato, num montante não inferior a 264 milhões de euros.
Ainda segundo o documento do Ministério da Economia, "o Governo reafirma, como consta do seu Programa, que em matéria de redes ferroviárias transeuropeias a sua prioridade está relacionada com as ligações de transporte de mercadorias em bitola europeia, a partir de Sines e de Aveiro, de modo a reforçar as condições para o aumento da competitividade das exportações portuguesas".
Nessa medida, acrescenta o comunicado, "a possibilidade de no futuro explorar estas ligações, que dispensam a alta velocidade, a Espanha e a França continuarão a merecer o trabalho do Governo português junto destes países e das instâncias europeias".

PS condena decisão do Governo 

Ana Paula Vitorino defende TGV 

Ana Paula Vitorino, deputada socialista e ex-secretária de Estado dos Transportes do primeiro Governo liderado por José Sócrates, afirmou que a decisão do Governo de abandonar o TGV foi "absolutamente incompreensível e lamentável", demonstrando que também em matéria de política de transportes este executivo "não encontra o seu rumo".
"Numa cimeira em Espanha, o ministro da Economia [Álvaro Santos Pereira] disse à sua homóloga espanhola que ia rever o projecto, mas agora diz que vai acabar com o projecto. O Governo também não pode actuar desta maneira depois de o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, reafirmar a importância do projecto [TGV] para Portugal e para a União Europeia e depois de o próprio ministro da Economia ter aceitado essa posição", apontou a ex-secretária de Estado socialista.
Interrogada se o projecto do TGV era sustentável do ponto de vista financeiro, Ana Paula Vitorino contrapôs que "há dinheiro" para o concretizar.
"A questão coloca-se ao contrário. Se nós não fizermos o projecto vamos perder 1200 milhões de euros num projecto que se sustenta a si próprio. Temos dinheiro porque temos fundos comunitários e porque temos garantido um empréstimo do Banco Europeu de Investimentos (BEI)", sustentou, antes de questionar "qual o custo para o país" na sequência da decisão de abandonar o TGV.
Na opinião de Ana Paula Vitorino, se o projecto do TGV não for feito, Portugal "perderá 1200 milhões euros de fundos comunitários, adia o seu desenvolvimento, não assegurando em particular o desenvolvimento do Porto de Sines por ausência de concretização da componente de mercadorias associada ao projecto".
"Se o projecto não for concretizado, não se cria emprego num momento em que o desemprego atinge gravemente os sectores da construção e dos serviços e, finalmente, o país transmite a ideia de que não tem modelo de desenvolvimento económico. Por este caminho, este Governo leva ao fecho da economia deste país", acrescentou.
Ana Paula Vitorino criticou ainda o parecer negativo do Tribunal de Contas em relação ao contrato para a construção do TGV no troço entre o Poceirão e Caia.
"Considero que há considerações de carácter político que não devem ser feitas pelo Tribunal de Contas. Por outro lado, as críticas agora feitas pelo Tribunal de Contas já foram respondidas pelas entidades que estão a conduzir este projecto e não se compreende que o Governo, neste momento, não esteja a dizer que vai responder e que vai exercer o dever e o direito de recurso da decisão", advogou a ex-secretária de Estado socialista. 

CDS gostou do chumbo

"O CDS viu com agrado esta notícia do chumbo do Tribunal de Contas ao projecto do TGV", disse hoje o deputado Hélder Amaral, em declarações aos jornalistas na Assembleia da República.
O deputado avançou "duas razões" para esta posição do partido: a situação financeira do país e as eventuais "ilegalidades" dos contratos assinados pelo anterior Governo socialista.
Hélder Amaral insistiu em que "o CDS desde sempre", no Parlamento, "chamou a atenção para a necessidade do bom senso para não executar" o projecto do TGV, em relação ao qual, sublinhou, o partido não tem "nenhuma oposição ideológica ou de fundo".
"Porque o país, na situação que atravessava à data, e que atravessa hoje, não tinha condições financeiras para executar a obra e há um conjunto de outros modelos e outras soluções para que o país esteja, ainda assim, ligado às redes transeuropeias de transportes, em bitola europeia, que não pressupunham esse investimento tão avultado e que iria ele mesmo absorver toda a capacidade de financiamento da economia portuguesa", disse o deputado.
O CDS, acrescentou, levantou esta questão "antes da assinatura do contrato para evitar indemnizações e com isso desproteger o interesse público".
Mas o "contrato tem um segundo ponto": "O Tribunal de Contas chama a atenção para possíveis irregularidades que constam do contrato e essas merecem também ser avaliadas, atropelos àquilo que é o interesse público que iremos avaliar a seu tempo", disse Hélder Amaral.
Quanto às indemnizações que eventualmente serão pedidas no âmbito dos contratos já assinados e obras já em curso, Hélder Amaral disse que "tem de haver bom senso", "eventualmente olhar para o interesse público" e "encontrar uma solução".

BE espera informação do Governo

Conhecido o chumbo do Tribunal de Contas, o Bloco de Esquerda reivindica agora mais informação sobre as intenções do executivo. A deputada do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, diz que é essencial que o Governo torne público o plano, o orçamento e os prazos que tem para o sector ferroviário.
“É preciso perceber acima de tudo qual é o investimento que o Governo pretende fazer e quando, porque não chega dizer que há um projeto sem se avançar exatamente com que projeto será esse”, afirmou a parlamentar do Bloco.
“Portugal precisa muito neste momento que haja investimento. A ferrovia é um investimento muito reprodutor da economia, portanto é essencial que avance. E era essencial que o Governo dissesse algo de concreto sobre o que vai avançar, quando vai avançar, para que os fundos de coesão, que eram precisamente para o investimento ferroviário, possam realmente ser utilizados em Portugal”, destacou Catarina Martins. O  PCP e Os Verdes ainda não se prenunciaram sobre o tema.

Golpe duro para o distrito de Setúbal
Alfredo Monteiro acha fim do TGV "golpe duro" para Setúbal


O presidente da Associação de Municípios da Região de Setúbal, Alfredo Monteiro, afirmou ontem que o abandono do projeto do TGV (comboio de alta velocidade) constitui um "duro golpe" para o distrito e para o país.
"Estou preocupado com um conjunto de investimentos estruturantes [ligados ao projeto do TGV], que eram importantes para a criação de emprego e para o desenvolvimento económico da região e do país", disse Alfredo Monteiro à agência Lusa.
Estas declarações foram prestadas pouco depois de ser conhecida a decisão do Governo de abandonar em definitivo o projeto do TGV, na sequência do chumbo pelo Tribunal de Contas do contrato do troço ferroviário Poceirão-Caia.
Em Elvas – cidade onde iria ser construída uma estação – o presidente da Câmara, Rondão Almeida, desafia o Governo a “colocar o dinheiro” que estava previsto para a construção do TGV nos ordenados dos funcionários públicos e reformados.
“Passos Coelho disse, durante a campanha eleitoral, que deixaria de fazer o TGV e o aeroporto para evitar mexer nos vencimentos e direitos dos trabalhadores. Agora tem uma boa oportunidade para o fazer”, disse o autarca.
Nesse sentido, Rondão Almeida exige que o Governo “reponha o 13.º e 14.º mês aos funcionários públicos e devolva os direitos aos pensionistas”.
Até ao momento, o primeiro-ministro não respondeu.

Paulo Jorge Oliveira 

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