Os medíocres da nação

Criticas Soltas - by Joana Teófilo Oliveira
Os medíocres da nação


Não. Hoje não vou bater no pobrezinho que não ganha para pagar as despesas. Era fácil, eu sei. Mas não vou por ai e era injusto para o pobre senhor. Hoje vou recuar a leituras de 2011! Já tenho saudades do ano passado. Vão entender porquê! Há histórias de ladrões que zarparam e bocas do dono do Pingo Doce para quem ganha pequenas "misérias".


Esta semana recuei no tempo. Uma ida a um consultório de uma oftalmologista, em Almada, só encontrei revistas antigas com assuntos muito importantes. Dizia uma Focus de Outubro que um preso fugiu da cadeia depois de ganhar euromilhões. O primeiro piscar de olho vai para o crime que o atirou para a prisão. O homem era um burlão e, entre outros, enganou Avelino Ferreira Torres. Logo aqui ganha um ponto de simpatia e o enredo da história ganha interesse. 
Conta a revista que o homem de 56 anos era bem-falante e caiu nas boas graças da direcção da cadeia. Trabalhos leves, segurança mínima. Um mimo. E é aqui que ele se transforma num DiCaprio mais velho, numa produção de Hollywood. Mas vamos ao que interessa. DiCaprio, o burlão que enganava autarcas e era amigo do director da cadeia, tinha direito a saídas precárias. Provavelmente terá sido numa delas que jogou no euromilhões.
Só por piada. E ganhou. “Isn’t it ironic”, canta Alanis Morissette nesta parte do filme. A partir daqui os pormenores esfumam-se. O prémio de 55 mil euros – pouco mais de metade do que a RTP promete pagar por rescisão aos seus trabalhadores dizia a revista – até já teria sido levantado. Twist seguinte: burlão não regressa da última saída precária. A sério? Repito. A sério? Se fosse realmente um filme íamos cair em cima do argumentista. Demasiado previsível. Ele, o burlão, ia continuar preso até 2020. Ganhou 55 mil euros. Deram-lhe quatro dias de liberdade. E alguém achou que não havia risco de fuga. Seria uma afronta aos deuses da ironia que o DiCaprio tivesse simplesmente passado por um banco, depositado o dinheiro num PPR e voltado para a prisão até ter 65 anos e idade para se reformar.
Caso para dizer: Agarrem-me se quiserem!


Enquanto esperava que a doutora Sofia me chamasse peguei num Público amarelado de Novembro do ano passado, tinha em letras garrafais que “um presidente da CGD a ganhar 5 mil euros é um convite à mediocridade.” O argumento de Soares dos Santos, presidente do grupo Jerónimo Martins,[o mesmo que agora foi para a Holanda dar o dinheiro feito cá] proferido num jantar debate, não é novo. Meia volta, empresários e gestores da chamada elite portuguesa, quando confrontados com a ínfima – porque é sempre ínfima e nunca confirmada – hipótese de verem reduzidos os seus ordenados, vão buscar a cassete – tão gasta quanto a do PCP – e põem-na a tocar.
Sem ordenados milionários, os melhores gestores vão fugir do país, os melhores governantes não vão aceitar ir para o governo, os empresários de topo não vão estar para aturar cargos em empresas públicas. Aliás, Soares dos Santos deixou bem claro o que pensa dos tipos que aceitam esses cargos: “Fico espantado como é que o presidente da Carris tem paciência para estar naquela companhia e ganhar meia dúzia de euros por mês.” Pois, coitado.
Ora, embora sendo contra tectos de ordenados para gestores públicos, Soares dos Santos não tem dúvidas em estabelecer um limite salarial mínimo para a mediocridade. A esse propósito tem uma palavra simpática a dizer sobre Cavaco Silva e o seu ordenado: “Não percebo a decisão de se ter de ganhar menos que o Presidente da República, porque o Presidente da República não faz nada”. No fundo, pagava-se o rendimento social único ao ocupante de Belém e encerrava-se o caso. Isto foi publicado em Novembro. Ora, agora percebe-se porque é que o nosso presidente se vê aflito em pagar as suas contas!
Havia mais para ler mas fui chamada para a consulta...


Joana Teófilo Oliveira
Estudante de Ciências da Educação
Quinta do Anjo 


(Escreve todas as segundas-feiras na rubrica Criticas Soltas)




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