Retrato Social de Palmela à beira do Natal

Palmela está pronta para responder à pobreza?


Dezoito é a percentagem de portugueses em risco de pobreza. O número foi apontado pelo Governo no início do ano e, desde então, o assunto surge constantemente na imprensa. Diz-se que o número de pessoas que recorre a associações solidárias está a aumentar, enquanto o tema é utilizado em confrontos políticos. De facto, está na moda falar do assunto. Cavaco Silva diz que devemos ter vergonha de haver gente a passar fome em Portugal, Jerónimo de Sousa diz que a pobreza vai aumentar em 2011, 300 mil portugueses em risco. Há poucos dias, José Sócrates criticou quem se alia à pobreza, pensando em resultados políticos. Já em 2007, a presidente da Federação dos Bancos Alimentares contra a Fome falou de pessoas com emprego, mas sem um salário para fazer face às despesas do agregado familiar. Como designá-los? Novos pobres, pobres envergonhados ou pobres endividados? A resposta impera na procura de soluções, às quais as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) têm, cada vez mais, dificuldades em responder. Muitas estão debilitadas economicamente, tal como assume Guilherme Bettencourt, director do Centro Social de Palmela. Assim, como irá a região combater a pobreza e consequente exclusão social?

Trabalho em rede

“Embora estejamos a viver um período do ponto de vista social difícil, não temos registado, ao nível do atendimento social, um número crescente de casos a solicitarem apoio económico e de emprego”, refere Adilo Costa, vereador da Acção Social na Câmara Municipal de Palmela. No entanto, e apesar da intervenção social não ser da competência da mesma, “entendemos ser nosso dever trabalhar em conjunto com os agentes sociais locais”. Daí a autarquia criar mecanismos de articulação entre várias entidades, “na resposta a nível do emprego, acção social e outros”. Acompanha e encaminha os diferentes problemas sociais para as instituições mais adequadas, promove acções de sensibilização em várias áreas, como é o caso da Saúde, e apela à responsabilização social por parte das empresas. Lançou o Cartão Municipal Sénior e está a trabalhar no projecto Palmela Acessível, que pretende melhorar a acessibilidade ao espaço público, edificado, transportes, entres outros. Para melhorar a deslocação, que facilita a procura e a aceitação de emprego, a autarquia tem um projecto-piloto que, durante o primeiro semestre de 2011, vai assegurar mais ligações rodoviárias entre a vila de Palmela e a Estação Ferroviária. Em rede trabalham igualmente as entidades que constituem o Centro Local de Acção Social de Palmela, ao qual, a 14 de Dezembro, aderiram mais três instituições. Foi em colaboração com este que o Observatório tentou aprofundar a realidade sociocultural. “Temos resultados concretos, uma caracterização mínima do perfil das famílias do concelho que são objectos destas medidas”, avança Guilherme Bettencourt, director do Centro Social de Palmela, candidato ao Programa Nacional do Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social. Os números são difíceis de obter, mas 25 instituições esforçaram-se na recolha dos
dados. Se estes originarem um grupo para continuar a monitorização familiar, significa que um dos objectivos principais será atingido. (Ver caixa de texto).

“É importante que dêem oportunidade às famílias”

O Centro Social de Palmela recebeu, nos últimos três meses, dez pedidos de reformulação da mensalidade. Entre as situações relacionadas com o desemprego inesperado, há quatro pedidos de famílias que mantêm os empregos, mas os seus rendimentos não conseguem fazer face aos empréstimos bancários. “E nós temos de começar a ser sensíveis a isso, a nossa função não é pôr as crianças na rua”. Quem explica é Guilherme Bettencourt, apresentando uma solução: “Vamos saber até que ponto é possível as famílias continuarem o seu compromisso para connosco, tentando que elas paguem o máximo que acharem possível, até a sua situação se resolver”. Segundo o mesmo, “o medo que nós temos é a tal pobreza envergonhada”. Quando alguma família informa que vai retirar as crianças, a instituição tem de conhecer as verdadeiras motivações, a fim de evitar o “ciclo vicioso”. A tomar conta das crianças, a mãe não consegue procurar emprego e, sem este, não consegue voltar a colocá-las no Centro. “É importante que dêem oportunidades às famílias, que as pessoas não desistam logo na primeira contrariedade”, aconselha. Para além de comportamentos demasiado 
enraizados, baixos níveis de escolaridade e falta de qualificação profissional, que são características transversais a muitos concelhos, o facto de a região de Palmela ser dispersa também dificulta o combate à pobreza. As deslocações das assistentes sociais ficam muito dispendiosas, não sendo possível a regularidade necessária. Daí Guilherme Bettencourt defender que é necessário “encurtar” as distâncias, comentando que há quem não conheça as respostas sociais existentes no concelho. Quanto aos comportamentos, entende ser necessária uma mudança na cultura familiar, bem como no papel desempenhado pela mulher. O director considera importante a opinião pública perceber que a mentalidade de uma família que vive há margem não se consegue alterar em seis meses. Há uma série de competências a trabalhar para que o acesso ao mercado de trabalho seja efectivo e duradouro. “Arranja-se um trabalho, mas a pessoa não tem cultura de horários, higiene, produção”. Ao fim de três dias começa a faltar, gera más relações. Perde-se um empregador e baixa ainda mais a auto-estima de quem já não a tinha muito elevada.

Remodelação do CAT- Porta Aberta: Irão as empresas dar o exemplo? 

O Centro de Acolhimento Temporário -“Porta Aberta”, situado em Palmela, foi “conquistado” pela solidariedade, a 11 de Dezembro. Cerca de 70 pessoas trabalharam durante todo o dia, dando uma nova vida ao espaço: requalificação de duas salas interiores e do espaço exterior, que agora é constituído por um jardim e um campo de jogos, e transformação de um armazém em sala de convívio. Entre mão-de-obra, doação de mobiliário, material de construção, equipamento desportivo, entre outros, estiveram envolvidas as seguintes entidades: “Share e Motion”, “4´4 Multitrabalhos”, Horto do Campo Grande, Casa dos Sabores, Casa de Protecção e Amparo de Santo António, “Poggepohl”, Fundação Belmiro de Azevedo e “Sport 
Zone”, CIN, Vodafone, Vendomática, Câmara Municipal e Palexpo, que foi a impulsionadora da acção. Ricardo Figueiredo, administrador da mesma, conta que “a grande motivação da iniciativa foi (…) a de dar às crianças uma pequena contribuição, no sentido de lhes proporcionar tudo o que elas merecem”. A acreditar que a crise pode gerar a solidariedade, espera que esta acção sirva de exemplo para outras empresas. Satisfeito, referiu que “os miúdos precisavam de um espaço para espairecer”. Satisfeitos ficaram igualmente quem mora e trabalha no CAT. “Vai ser muito importante para a ocupação dos tempos livres e do bem-estar deles na casa”, observou a directora, Dina Horta. Quanto à felicidade das treze crianças, com idades entre os 6 e os 14 anos, é impossível de descrever nestas linhas. “Adorámos, gostámos bué”, afirmaram ao Novo Impacto, depois de terem sido apanhadas de surpresa. “E eu queria era ir-me embora, agora já não saio daqui”, disse Marina (nome fictício). Em clima de festa, todos gritaram “Porta Aberta”. E será esta acção uma porta aberta para a felicidade?

O empenho das Comissões Sociais de Freguesia

Também a empresa “Logz-Atlantic Hub”já se encontra no “caminho” da responsabilidade social, numa parceria com a Comissão Social de Freguesia de Pinhal Novo. A promoção da inclusão, que irá continuar em 2011, já possibilitou os projectos “Férias Vivas” e “TIC Sénior”, apoio à deslocação da população rural e Oficina Domiciliária. Carla Manhoso, representante da “Logz-Atlantic Hub”, sustenta o aproveitar dos projectos das juntas de freguesia, pois são as entidades que melhor conhecem as populações. Declara que a intervenção vai ser alargada ao Poceirão e a Palmela. Nesta vila, 2010 foi o ano de reactivação da Comissão Social. Envolvida no processo, Susana Ciríaco refere que já começou a união de parceiros, como é o caso da GNR e da Santa Casa da Misericórdia local.
E Marateca? Ideias não faltam para a região. É rural, pobre, dispersa, onde os mais idosos têm dificuldade para se deslocar. Assim a caracteriza Fernanda Esfola, presidente da Junta de Freguesia. Daí colocar a mobilidade no plano de acção para 2011, apesar de a carrinha já estar a assegurar o transporte para Palmela e para o cemitério. Na área da empregabilidade e formação, a presidente fala numa aposta em cursos de hortofloricultura e viticultura, já que são os mais apropriados ao mercado de trabalho da zona. Promover o programa de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC), em Cajados e Águas de Moura, também faz parte das suas aspirações, até porque há jovens que têm apenas o quarto ano. No âmbito dos recursos para a comunidade, perspectiva uma biblioteca com um espaço Internet para Cajados, assim como uma loja social.




Voluntariado

Valentim Pinto, presidente da Junta de Freguesia de Quinta do Anjo, vê no voluntariado uma resposta credível. “Não é voluntário aquele que, por exemplo, quer ocupar os tempos livres, o que procura auto-terapia”. Há que haver um compromisso, um contrato. A antecipar o Ano Europeu do Voluntariado, a Comissão Social de Freguesia e o Centro Social já “convocaram” a população. Em 10 mil habitantes, 39 responderam ao apelo. Um dos espaços de integração poderá ser a Rede de Cuidados Continuados. Também Manuel Ramalho, padre no Centro Social e Paroquial do Pinhal Novo, partilha dessa opinião. Idealiza um grupo de voluntários para visitar a casa das famílias mais necessitadas, “mas onde é que estão essas pessoas para irem a 300, 400 casas?”. Apesar de dizer que o grupo não iria controlar, mas facultar um acompanhamento personalizado e continuado, lembra que há quem peça ajuda, quando dela não necessita. Então, aconselha: “nunca dêem dinheiro às pessoas. É para o vício, muitas vezes”. Daí defender os vales, registados em cafés e restaurantes, como uma boa solução. “Tens fome? Toma este vale e vai comer ao café”. O Centro Social e Paroquial apoia 229 famílias, num total de 642 pessoas”, mas Manuel Ramalho acredita que as mesmas continuam a passar dificuldades. Dificuldades, na maioria das vezes, não assumidas. “Os envergonhados não vêm aqui à frente. Muitas vezes tiveram até uma vida boa, como proprietários de comércio”.
Ao contrário do padre Manuel Ramalho, Emília Cruz, voluntária na Associação Aires Fonte da Boa Vontade, está confiante na criação de um grupo para realizar visitas ao domicílio, assim como promover um curso de economia doméstica. Filha de pai pescador e mãe conserveira que faleceu cedo, ficou com cinco irmãos para cuidar, com apenas 14 anos. Aos 39 anos, viúva, trabalhou simultaneamente em vários locais, conseguindo cinco filhos. A valorização das verdadeiras necessidades levou-a ser autarca, sindicalista, membro de uma comissão de trabalhadores. “Revoltada com a indiferença”, começou o projecto da doação de bens na sua própria casa, em conjunto com Alexandrina Pereira. Hoje, a loja tem uma sede e conta com a colaboração de 30 pessoas.

José Silvério e o “sonho” agrícola

“Poceirão não era pobre (…), e se tivéssemos um Governo capaz, a freguesia era rica na mesma, porque a freguesia tem à volta de duas mil parcelas agrícolas e não estão a ser cultivadas, porque não há escoamento para o produto. Estamos a comer produtos estrangeiros”. A solução poderá parecer uma utopia, uma vez que está dependente de normas nacionais e europeias, mas José Silvério, presidente da Junta de Freguesia 
do Poceirão, acredita que a produção é a única forma de contrariar a crise. “A laranja estamos a enterrá-la. Estamos a cavar buracos, porque não a compram. A batata é a mesma coisa, a cenoura é excedentária”. E há em abundância, não há é maneira de controlar isso para esses produtos serem recolhidos para a pobreza”. Com orgulho, observa que a zona é rica em ovinos, bovinos, produção de leite, variados frutos e legumes. “Parece que a gente é excedente em produtos e há fome como se vê nesta freguesia”. “Segundo José Silvério, perto de 500 pessoas estão a receber o subsídio de desemprego, enquanto seria fácil criar 1500 postos de trabalho, bastava um por cada parcela por cultivar. “Os comerciantes estão a ficar com a corda na garganta”, enquanto os roubos são frequentes, mesmo dentro do Poceirão. “As pessoas estão desesperadas”. Comenta que há dois montes com 90 pessoas, emigrantes que vão trabalhar em explorações alentejanas. “Quem é que aparece a preocupar-se com a situação?”


Estarão os Palmelões sensibilizados?

Vários fóruns têm reunido Palmela em torno da pobreza e da exclusão social, mas a maioria dos participantes pertencem às IPSS e associações do concelho. Para quem não convive de perto com a realidade, o assunto parece não chamar a atenção, a não ser que seja de âmbito pessoal.
No II Fórum “Como são a Pobreza e a Exclusão Social”, algumas pessoas aproveitaram a presença de Ana Teresa Vicente, presidente da autarquia, e Fátima Lopes, directora do Instituto de Segurança Social de Setúbal. Mário Franco e Carla Oliveira (nomes fictícios) reclamaram prestações indevidas e o corte do rendimento de inserção social. Em seguida, solicitaram trabalho à autarquia. “Nem que seja a varrer ruas”, disse Carla. Agora estou com o subsídio de desemprego. Gostaria de saber, quando o meu subsídio de desemprego acabar, o que já faltam aí uns seis meses, como é que eu irei sobreviver depois?”, questionou Mário, desempregado há nove anos. Também o “Rotary Club”tentou alertar para a problemática, mas o número de participantes ficou muito aquém das expectativas. A desilusão estava visível no rosto de Alexandrina Pereira, presidente da associação. Ironicamente, o colóquio decorreu num dos dias de recolha da campanha do Banco Alimentar Contra a Fome. “Se todos, aqui, estivermos convencidos de o tema que nos reúne, para além de ser importante, é condicionante no nosso progresso, e estão disponíveis para dar algum contributo, no que tiver ao nosso alcance, já são alguns, portanto é óptimo”, referiu com optimismo, Eugénio da Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa. E se não estivéssemos no Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social, será que o tema teria sido debatido?

Helena Correia 

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