Ameijoa ilegal no Tejo: PSP trava carga de mais de uma tonelada no Montijo

PSP apreende uma tonelada de ameijoa japónica pronta para ir para Espanha

A Polícia de Segurança Pública (PSP) intercetou no Montijo uma viatura de transporte de mercadorias com mais de 1.040 quilos de ameijoa japónica destinada ao mercado espanhol, num esquema que integra um negócio ilegal que movimenta milhões de euros todos os anos destinados à mesa de consumidores estrangeiros, longe do radar sanitário.
Apanha ilegal no Tejo alimenta crime organizado e exploração humana

A ação policial decorreu no Montijo, quando uma fiscalização aparentemente rotineira chamou a atenção dos agentes. Um ligeiro de mercadorias seguia com a traseira exageradamente rebaixada, quase a denunciar que o interior escondia mais do que aparentava. Perante a abordagem, os dois ocupantes confessaram que transportavam ameijoa japónica e que o destino final seria o mercado espanhol.
Ao abrir a viatura, a suspeita confirmou-se: dezenas de sacos abarrotados de bivalves ocupavam todo o espaço de carga. No total, foram apreendidos 1.042 quilos de produto e ainda o veículo usado no transporte ilegal. 
Durante as verificações, os agentes detetaram que o passageiro era estrangeiro e não possuía documentos válidos, motivo pelo qual foi notificado para abandonar o país de forma voluntária. A carga apreendida seguiu para destruição pelas autoridades competentes.

O ouro escondido no Tejo: fortunas com marés marcadas
A ameijoa ilegal é hoje um negócio tão lucrativo que já conquistou criminosos de outras áreas. À saída do rio Tejo, o quilo vale apenas 3 a 4 euros. Contudo, todos os dias são extraídas ilegalmente 20 a 30 toneladas, num valor diário que ronda os 60 mil euros. Somando um ano inteiro de marés duplas, a conta dispara para 22 milhões de euros.
Lá fora, a história muda completamente. Espanha, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Reino Unido pagam entre 15 e 17 euros por quilo deste bivalve traficado. A margem de lucro transforma-se num negócio com potencial para gerar 124 milhões de euros anuais. "Menos risco, quase o mesmo lucro que o tráfico de droga", afirmam as autoridades. 

Produto contaminado, rótulos falsos e saúde pública em risco
Nada neste circuito é legal. A ameijoa japónica recolhida no estuário do Tejo apresenta níveis elevados de E.coli, metais e metaloides tóxicos acumulados após décadas de impacto industrial. Por isso, não pode ser consumida. Ainda assim, as redes criminosas falsificam a origem nas guias de transporte, fazendo-a passar por produto da Galiza ou de outras zonas certificadas.
Sem qualquer controlo higiossanitário, o bivalve chega aos mercados europeus com selos que não são os seus e entra no prato de consumidores que desconhecem o risco. Em alguns casos, volta mesmo a Portugal através da reexportação, mascarado como estando dentro das normas de salubridade. O que nunca esteve.

Exploração humana a sustentar redes milionárias
Este mercado clandestino está longe de ser recente e é controlado por meia dúzia de redes principais, maioritariamente comandadas por cabecilhas portugueses. Contudo, quem se arrisca diariamente nas águas e lamas do Tejo não vive dos milhões. A apanha, feita duas vezes por dia, depende sobretudo de imigrantes de vários países asiáticos e de leste: tailandeses, nepaleses, malaios, paquistaneses, indianos e romenos.
Recebem o mínimo possível e são obrigados a vender apenas aos mesmos intermediários, num sistema de dependência total. Vivem em condições indignas, instalados em barracões e armazéns sobrelotados, por rendas muito acima do que seria exigível para habitação decente. Um negócio que lucra com a natureza, com o risco sanitário e com a vulnerabilidade humana.

Espécie invasora que dominou estuários portugueses
Introduzida em Portugal na década de 80 para exploração aquícola na Ria Formosa, a ameijoa japónica expandiu-se para vários estuários e lagoas costeiras, como Mondego, Tejo, Sado, Ria de Aveiro, Lagoa de Óbidos e Lagoa de Albufeira. Natural da região do Pacífico, a espécie tornou-se dominante em diversos ecossistemas.
Apesar do seu valor comercial, o aumento da apanha e da comercialização ilegais tem colocado forte pressão sobre o ambiente, a economia e a segurança alimentar. A situação assume maior gravidade nos concelhos ribeirinhos do Tejo, como Alcochete, Montijo, Barreiro, Seixal e Almada.

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