Fé que resiste ao tempo: Círio dos Marítimos anima Alcochete

Tradição centenária volta às ruas: Vila volta a celebrar tradição pascal com 500 anos

De 17 a 22 de Abril, Alcochete volta a pulsar ao ritmo de uma das suas tradições mais antigas e singulares: o Círio dos Marítimos. Com raízes que mergulham há mais de cinco séculos na fé dos homens do Tejo, a vila enche-se de música, cortejos, burros, leilões e rituais que resistem ao tempo numa fusão única de espiritualidade e festa popular que une a comunidade de Alcochete no santuário de Nossa Senhora da Atalaia.  
Cortejo das mulheres a cavalo em burros dá cor e alma à vila

A alma da vila ribeirinha renasce todos os anos por alturas da Páscoa, quando o Círio dos Marítimos toma conta das ruas e das gentes. É uma festa que mistura fé, cultura e tradição, onde a memória coletiva se reafirma a cada passo, a cada toque de gaita-de-foles, a cada mulher montada num burro.
Alcochete prepara-se para viver novamente o Círio dos Marítimos, a celebração pascal mais antiga da vila e uma das manifestações culturais mais emblemáticas do distrito de Setúbal. Entre esta quinta-feira, 17 de abril, e terça-feira, 22, a vila ribeirinha transforma-se num autêntico palco de fé, tradição e convívio comunitário.
A origem do Círio perde-se no tempo, mas crê-se que tenha surgido da promessa de um grupo de marítimos à Nossa Senhora da Atalaia — uma devoção com mais de cinco séculos, mantida viva de geração em geração. Alicerçada nas raízes marítimas da vila, esta tradição atravessou os séculos graças à transmissão oral dos barqueiros do Tejo, tornando-se num símbolo da identidade local.
A festa começa na noite de Sábado de Aleluia, com o som do “Chininá” - gaitas-de-foles e caixas que anunciam o início dos festejos. 
O ambiente contagiante estende-se até à terça-feira seguinte, numa celebração rica em momentos únicos, que misturam o religioso com o profano, o popular com o simbólico.

Cortejo das mulheres em burros e leilão de bandeiras são os pontos altos
Parte da tradição é vivida no Santuário de Nossa Senhora da Atalaia 
Um dos momentos mais aguardados acontece no Domingo e na Segunda-feira de Páscoa, com o desfile de mulheres - casadas e solteiras - montadas em burros. O cortejo serpenteia pelas ruas típicas da vila, num ritual raro no país, onde se celebra não só a fé mas também o protagonismo feminino na cultura local.
A Segunda-feira é também marcada pela Missa na Igreja de Nossa Senhora da Atalaia, seguida da procissão e do tradicional leilão de fogaças e bandeiras. Mais de 200 bandeiras com a imagem da santa são arrematadas, mas é o Guião - a peça principal - que normalmente alcança o valor mais elevado. Este momento representa um gesto de devoção profunda e participação ativa da comunidade.
A tradição continua a ter grande impacto local, sendo hoje também uma importante atração turística. A Câmara  de Alcochete reconhece este valor e, como tal, aprovou um apoio financeiro de quase cinco mil euros para garantir a continuidade e dignidade da festa.
"Há um superior interesse na preservação desta memória coletiva que é de todos, e que deve chegar às gerações futuras", afirmou o presidente da autarquia, Fernando Pinto, salientando as dificuldades que a tradição tem enfrentado ao longo do tempo, e a importância do apoio institucional.
Mais do que uma festa religiosa, o Círio dos Marítimos é uma celebração da persistência cultural, da ligação ao rio e da força de um povo que mantém vivas as suas raízes.

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