Aeroporto do Montijo viola pilares do Pacto Ecológico

Convenção de Berna pede explicações a Portugal por causa de novo aeroporto 

O braço-de-ferro pelo aeroporto do Montijo mantém-se bem aceso. De um lado, o Governo insiste na transformação da Base Aérea n.º 6, no Montijo, o novo aeroporto da área de Lisboa. Do outro, os ambientalistas salientam as implicações ambientais que acarreta. Foram estes últimos que voltaram a atacar, enviando uma queixa contra o projeto para o secretariado da Convenção de Berna, que tem como objetivo a preservação da flora e da fauna selvagens. Agora uma equipa de investigação revela que construir este novo aeroporto viola dois dos principais pilares do Pacto Ecológico Europeu: combater a mudança climática global e reverter a crise da biodiversidade. Para esta organização europeia e africana, o Governo ignora diretrizes ecológicas e de conservação. A Convenção de Berna já pediu explicações a Portugal relativamente aos planos de avançar com a construção do novo aeroporto no Montijo. A convenção apoia os ambientalistas e é contra o projeto. 
Aeroporto coloca em risco a fauna do Tejo 

O aeroporto e a aproximação e descolagem de aeronaves irá perturbar fortemente os milhares de aves que utilizam o estuário do Tejo, reiteram os autores da queixa, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e o investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, José Alves.
Além disso, argumentam que o Estudo de Impacto Ambiental do projeto é “claramente deficiente” e que os seus cálculos do nível de perturbação da avifauna pelo ruído são “errados”.
Na queixa, lê-se ainda que o documento “não considera as elevadas implicações internacionais, apesar de milhares de aves migradoras irem ser afetadas, que são partilhadas por pelo menos 20 outros países”.
Caso as obras no Montijo avancem, os ambientalistas garantem que Portugal estará a infringir três pontos da Convenção de Berna.
Segundo José Alves, viola o Artigo 1.º, que diz que os subscritores da convenção devem proteger habitats e a vida selvagem; viola o Artigo 3.º, que obriga os países a “ter em conta a conservação da fauna e da flora selvagens” na sua política de gestão; e viola o Artigo 4.º, no qual há um compromisso “em reduzir ao máximo a degradação das áreas protegidas”, com atenção especial às espécies migradoras.
O estuário do Tejo, de acordo com os queixosos, é “a zona húmida mais importante em Portugal para aves migradoras e um dos sistemas estuarinos mais importantes para pernaltas ao longo da Rota Migratória do Atlântico Leste”. Como tal, o novo aeroporto no Montijo seria “a maior ameaça que enfrentam as populações aquáticas” naquela rota migratória.
Os queixosos enumeram ainda uma extensa lista de espécies que serão particularmente afetadas, incluindo algumas classificadas como “quase ameaçadas”.
No dia 9 de Setembro, o secretariado da Convenção de Berna enviou uma carta ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que representa Portugal na convenção. Nela, são pedidas explicações sobre a “possível ameaça à área protegida do estuário do Tejo por causa do novo aeroporto”.
A Convenção de Berna aponta que esta área é “considerada um habitat de extrema importância para a reprodução, invernada e local de paragem” na rota migratória de várias aves. “Poluição sonora, colisão com aviões e a destruição de habitat” são alguns dos potenciais efeitos negativos.

Governo ignora diretrizes ecológicas e de conservação
O estudo de impacto ambiental do aeroporto do Montijo tem sido, desde que surgiu a proposta, "muito criticado, devido à falta de dados e informação, erros técnicos e adoção de critérios subjetivos", apontam os biólogos.
E as medidas de compensação propostas para as aves "não são eficazes, uma vez que praticamente metade do estuário do Tejo será impactado e não pode ser substituído".
Apesar do impacto da covid-19 teve no tráfego aéreo nos últimos meses, "a empresa privada que promove e financia o aeroporto do Montijo anunciou que permanece firme no seu compromisso de avançar com o projeto e o governo Português anunciou publicamente o seu apoio ao mesmo em Junho, Julho e Setembro, quando as consequências da pandemia na indústria da aviação já eram claras".
Na perspetiva dos especialistas, a decisão do estado Português em avançar com o projeto do novo aeroporto viola dois dos principais pilares do Pacto Ecológico Europeu.
No entender de José Alves e de Maria Dias, "este é um exemplo evidente de uma tentativa de um Estado-membro em desconsiderar diretrizes de conservação, acordos internacionais de proteção de espécies e habitats e os anúncios que o próprio governo faz na promoção de um futuro mais sustentável e sem emissões de carbono".
Nesse sentido, a intenção da publicação deste artigo é "fazer ver que este aeroporto causará impactos que vão muito para lá do estuário do Tejo".
No estudo de impacto ambiental, esta questão não está "bem considerada", mas os autores acreditam que "há outros países que vão ter impactos de forma desfasada". Isto porque estas aves estão numa fase do ano em reprodução em Inglaterra e noutra estão em Portugal.
"Queremos chegar a esses países, mostrar o que se está a passar em Portugal", afirmou José Alves.

O que é a Convenção de Berna? 
A Convenção sobre a Vida Selvagem e os Habitats Naturais na Europa foi assinada em Berna, na Suíça, a 19 de Setembro de 1979, durante a 3ª Conferência Europeia de Ministros do Ambiente, por um grupo de nove países mais a então Comunidade Económica Europeia (na qual Portugal se incluía). Atualmente, perto de 40 países são Partes Contratantes da Convenção de Berna, que tem sede em Estrasburgo, França. 
Esta Convenção tem um âmbito pan-europeu, estendendo-se a sua influência também ao norte de África para o cumprimento dos objetivos da conservação das espécies migradoras, listadas nos seus anexos, que nesse território passam uma parte do ano.

Agência de Notícias 
Foto: Bandeira Martins

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