Guerra das cartas abertas no Montijo

Vereador do PSD acusa presidente da Câmara de censura

O vereador do PSD na Câmara do Montijo, acusou o presidente do município de censura, devido à decisão de abrir e registar a correspondência dos vereadores da oposição. João Afonso [PSD] acusa Nuno Canta [PS] de ter ordenado abertura de correspondência dos vereadores da oposição. O socialista defende que se trata de correspondência institucional e diz que o social-democrata já expediu mais de 60 ofícios sem registo.O vereador do PSD vai apresentar queixa no Ministério Público. A CDU também a ataca a "maioria" socialista nesta "guerra das cartas abertas". Carlos Almeida diz que esta decisão do presidente da Câmara é "inadmissível". E especialistas dizem que a decisão de Nuno Canta é "ilegal" e até pode configurar "crime". Autarca alega que é a bem da "transparência" e da eficiência da vida autárquica. Esta é mais uma polémica que divide executivo e oposição na Câmara do Montijo. 
Oposição queixa-se de correspondência aberta 

O "presidente da câmara está muito incomodado com o facto de estar a interagir com várias entidades públicas e privadas sobre situações anómalas e o que ele faz é procurar controlar a minha correspondência e mitigar a minha ação política. Há aqui censura pura. Isto não tem nada a ver com os regulamentos internos da câmara, esses aplicam-se aos vereadores com pelouros e aos funcionários da câmara", disse à agência Lusa João Afonso.
O vereador do PSD no Montijo falava sobre a notícia avançada pelo Diário de Notícias, de que o presidente do município, Nuno Canta (PS), teria dado ordens para abrir e registar toda a correspondência da câmara.
Segundo João Afonso, a situação ocorreu pela primeira vez há cerca de quinze dias, o que considerou "totalmente anormal".
"Há quinze dias fomos surpreendidos, sem aviso prévio, da abertura do expediente dos vereadores. Fiquei surpreendido com esse facto. Uma correspondência que tinha sido remetida pela Guarda Nacional Republicana para o meu gabinete foi aberta. E depois recebi a indicação que daí para a frente toda a correspondência seria aberta e que as cartas remetidas pelos vereadores teriam que ser entregues para prévia digitalização e conhecimento do presidente", explicou.
O vereador afirmou que o próximo passo é apresentar queixa ao Ministério Público, no sentido de ser "apreciada a legalidade" do procedimento.
"Na nossa opinião, há claramente indícios de práticas ilícitas, violação de direitos profissionais e do estatuto da oposição", defendeu.

Presidente diz que só abre "correspondência institucional" 
Já o presidente da câmara, Nuno Canta, em declarações à Lusa, não se mostrou preocupado com uma possível queixa e fez questão de distinguir correspondência privada de institucional.
"Não estamos a falar em correspondências individuais dos vereadores. É preciso fazer essa distinção. Não estamos a falar em correspondência privada, mas sim institucional, dirigida à câmara municipal. É uma grande diferença", sublinhou.
Nuno Canta considerou também a acusação de censura como uma "barbaridade" e avançou que a decisão de abrir a correspondência está relacionada com outro "ato ilícito".
"Todo este problema surge de um ofício que foi enviado à câmara municipal pelo gabinete do vereador do PSD sem haver registo e depois a resposta da instituição veio dirigida ao presidente de Câmara, e aí percebemos que havia qualquer coisa errada. De acordo com as normas da câmara municipal, os ofícios têm que ser registados e arquivados. As próprias portarias que determinam a correspondência assim o obrigam, portanto há aqui até uma violação da lei", mencionou.
O vereador do PSD, João Afonso, disse também à Lusa que a decisão de abertura de correspondência teria sido "suspensa", mas não por decisão do presidente da câmara.
"A divisão que tutela a câmara municipal, a chefe de divisão, considerando que estava sob ordem de uma ilegalidade, entendeu por decisão dos serviços não acatar a ordem. O presidente para não dar parte fraca, disse que foi ele que suspendeu".
No entanto, o presidente do município desmentiu a afirmação.
"Não, o que a chefe de divisão alertou foi que se nós abríssemos correspondência privada - e não é disso que se trata - que haveria consequências criminais, mas isso já nós sabemos, estamos plenamente descansados em relação a este aspeto", garantiu.

CDU também com queixas 
Carlos Almeida, vereador da CDU, também toma posição contra a decisão de Nuno Canta, que justifica a abertura e registo de toda a correspondência, incluindo o seu conteúdo, com regulamentos que já existiam na Câmara há vários anos e só não estavam a ser aplicados."Não somos vereadores com competência delegada na maioria, somos vereadores da oposição. Tem algum sentido que eu envie um envelope ou receba e possa ser fotocopiado o seu conteúdo? Fazer oposição significa não estar de acordo", frisa Carlos Almeida.
"Eu vereador eleito e da oposição, tenho o presidente da Câmara a escrutinar o que ando a fazer e até os cidadãos podem querer denunciar". 
O vereador comunista dá um exemplo: "Imagine que é um grupo de cidadãos que quer fazer uma queixa contra o executivo camarário. O presidente e os seus vereadores têm direito a saber do que as pessoas estão a queixar-se a um vereador da oposição?". Carlos Almeida diz que esta decisão do presidente da Câmara é "inadmissível" e enquadra-se num conjunto de outras situações polémicas desde que ganhou a câmara com maioria absoluta em 2017.
"Transformou uma maioria absoluta em poder absoluto no Montijo". E também diz que a CDU vai pedir a apreciação do Ministério Público daquela decisão.

Lei protege vereadores eleitos 
Especialistas ouvidos pelo Diário de Notícias são unânimes: "Os serviços camarários não podem abrir a correspondência dos vereadores". Primeiro porque o Código Penal, no seu artigo 194.º, o relativo à Violação de correspondência ou de telecomunicações - que no seu ponto 1 diz: "Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias - interdita a abertura de "correspondência nominal" de qualquer cidadão, incluindo os eleitos.
Além disso, o Estatuto do Direito à Oposição, a lei 24/98, reforça este direito ao sigilo da correspondência, através de uma norma que protege o direito da oposição e reforça a impossibilidade de abrir a correspondência dos eleitos, entre os quais os deputados, vereadores, deputados municipais, etc, que têm direito à privacidade da sua correspondência.

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