41 famílias de Azeitão em risco de perderem as casas

Estão há 25 anos a pagar pela casa e podem agora perder todo o investimento

Os moradores de dois bairros em Azeitão, concelho de Setúbal,  estão em risco de serem despejados. A cooperativa de habitação que na década de 80 construiu os prédios foi declarada insolvente há um ano e, agora, várias famílias podem a qualquer momento perder os apartamentos para os credores, tudo porque a banca colocou as suas casas em leilão. O anúncio, que foi publicado no sábado, lançou o desespero entre as famílias de Pinhal de Negreiros e Vendas de Azeitão mas encontra-se, para já, suspenso. PS e Bloco de Esquerda já questionaram o Governo sobre a situação destas famílias de parcos rendimentos. Mas nos prédios baixinhos rodeados de pinhais, às portas da Serra da Arrábida, a angústia é grande. “Sempre paguei tudo o que devia à cooperativa, mas corro o risco de ficar sem a casa”, desabafa uma moradora que vive há 26 anos no bairro de Pinhal de Negreiros. “Estamos sem saber o que mais fazer”, desabafa outro morador de 54 anos, que ali mora com a mulher e a sogra, doente. “Pagamos tudo, mas não temos sequer a escritura da casa”.

Insolvência de cooperativa pode tirar casas a 41 famílias em Azeitão

As verbas (cerca de 40 mil euros por fração) eram pagas pelos moradores à Cooperativa de Habitação e Construção Económica Bairro dos Trabalhadores mas, quando esta entrou em incumprimento com a banca e com o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), as escrituras não puderam ser feitas e os credores reclamam, agora, os créditos, levando para o mercado o património que os moradores dizem que já devia ser seu.
O anuncio do leilão chegou a ser publicado a 20 de Setembro e lançou o desespero entre as famílias de Pinhal de Negreiros e Vendas de Azeitão mas encontra-se, para já, suspenso. Os habitantes têm, entretanto, saído à rua cada vez que aparecem estranhos pela zona, receando ser interessados nas casas. Estes acabam por ser desencorajados pelos cartazes afixados junto dos apartamentos, onde se lê: “Casas habitadas que não estão à venda”.
Ao todo, são 41 as famílias que correm o risco de perder as casas em Pinhal de Negreiros e Vendas de Azeitão. Os dois bairros começaram a ser construídos nos anos 80 pela Cooperativa de Habitação e Construção Económica Bairro dos Trabalhadores, que oferecia fogos a preços baixos a quem se fizesse sócio. O negócio era apetecível: os cooperantes podiam, por exemplo, comprar uma casa com três quartos por pouco mais de 15 mil euros. Foi esse o valor pedido aos pais de Carmina Cardoso, que na época adquiriram um andar para a família no bairro de Vendas de Azeitão, onde vivem desde 1987: “O que ficou acordado é que seria pago um valor mensal ao longo de 25 anos. No fim desse prazo, a casa passaria para o nome dos meus pais”, disse a moradora ao jornal Sol.
O valor inicialmente acordado para os apartamentos foi mais tarde corrigido pela cooperativa. “Em 1996, foi pedido aos sócios das Vendas de Azeitão que suportassem um acréscimo de custos, tendo em conta os valores pagos na aquisição do terreno, construção e os encargos administrativos”, adianta a mesma moradora. Por isso, o valor do T3 dos seus pais passou para cerca 30 mil euros. Foi aí que, pela primeira vez, alguns dos 109 moradores dos bairros anteciparam o pagamento total das casas, assinando as primeiras escrituras.
Os restantes seguiram dois caminhos: uns acabaram mais tarde por também amortizar antecipadamente o custo total da habitação; outros insistiram em cumprir o prazo estabelecido inicialmente e só concluíram o pagamento ao fim dos 25 anos previstos. E são estes últimos moradores que - apesar de terem, entretanto, pago a totalidade das casas - correm agora o risco serem despejados porque nunca chegaram a assinar a escritura.

Insolvência faz moradores perderem casa e investimento 
A surpresa chegou em Janeiro do ano passado, quando foi declarada a insolvência da cooperativa a pedido de um dos credores, uma empresa de construção.
Perante uma dívida superior a 12,3 milhões de euros - sobretudo à banca e ao Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana - o administrador de insolvência considerou que as habitações sem escritura deviam ser usadas para pagar aos credores.
E os 41 moradores, por serem sócios cooperantes, foram considerados “credores subordinados” - ou seja, só têm direito a reaver o valor das casas depois de serem pagos todos os outros credores, entre eles os bancos Santander, Banif e Caixa Económica Montepio Geral. “Com esta decisão, os moradores não só perdem o direito à casa mas também a hipótese de recuperar o investimento feito ao longo de 25 anos”, explica Carmina Cardoso.
A cooperativa ainda recorreu da decisão de insolvência. Mas em Julho do ano passado, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão inicial.
A esperança agora é uma resposta positiva do Tribunal do Comércio de Lisboa à tentativa dos moradores de impugnar a lista de credores, que foi estabelecida pelo administrador de insolvência. Os habitantes exigem ter prioridade sobre outros credores de forma a poderem manter as casas ou receber o valor já pago.
A maioria dos habitantes dos bairros está hoje reformada, com pensões mínimas, e não tem condições económicas para se mudar ou contrair novo empréstimo. “Tenho 57 anos e sou a mais nova do meu prédio. Estou desempregada, fiquei viúva e não tenho forma de sobreviver sem a ajuda da família”, lamenta Paula Duarte. António Santos não tem dúvidas: “Não nos resta mais nada a não ser esperar, sem saber o que nos vai acontecer”.

PS e Bloco de Esquerda questionam Governo 
Moradores não querem "leiloar" as casas que já pagaram 
A deputada socialista Eurídice Pereira, eleita por Setúbal, já manifestou a sua indignação ao Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, afirmando que “este não é um processo de insolvência normal, não só porque estão em causa o património e as expectativas de 41 famílias, mas, sobretudo, porque o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana é um dos principais credores". 
A deputada socialista inquiriu Jorge Moreira da Silva sobre se “tem conhecimento da situação exposta, e, em concreto, do posicionamento do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana na Comissão de Credores” e sobre “que resposta se prevê dar aos proprietários, de direito, das aludidas frações”, perguntado ainda sobre "qual a posição do Governo em face da realidade social descrita", nestas famílias do concelho de Setúbal. 
O Bloco de Esquerda também se mostra "indignado" com a situação e já levou o caso ao Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e da Energia. Segundo nota do Grupo Parlamentar do BE enviada ao ADN, "o verdadeiro problema surgiu quando estas famílias descobriram que as casas onde vivem e que são suas foram colocadas à venda devido à insolvência da cooperativa em 2013 e à reclamação, por parte dos credores, do património existente. Os moradores, que desconheciam a situação da cooperativa, foram impedidos pelo processo de liquidação a decorrer desde 2011 de fazer as escrituras das suas frações e vêem-se agora na situação de poderem perder a casa e o valor que pagaram por ela".
O Bloco de Esquerda explica ainda que  "apesar do Tribunal de Comércio de Lisboa ter decido suspender o leilão na sequência do pedido de impugnação de graduação de créditos, os moradores continuam a viver o desespero de poderem vir a ser despejados das casas que acabaram de pagar". 
Considerando que não se trata de um processo de insolvência comum "porque envolve uma dimensão social potencialmente dramática e um grande número de famílias de baixos rendimentos; considerando que um dos principais credores é o IHRU, uma entidade pública que teve conhecimento da situação da cooperativa e do direito dos moradores a obter as escrituras das casas que pagaram na totalidade; considerando que se trata de uma situação de injustiça social e de desproteção absoluta destas famílias perante uma situação que desconheciam, torna-se urgente que o Governo, em particular o Ministério com a tutela do IRHU, tome medidas no sentido da proteção destes moradores", diz o comunicado do Bloco de Esquerda. 
Os parlamentares do bloco querem saber que o ministro Jorge Moreira da Silva "tem conhecimento deste caso, das posições tomadas pelo IHRU no processo e da situação dos moradores" e que "medidas irá tomar o Ministro no sentido de garantir que estas 41 famílias não serão despejadas das casas que pagaram na totalidade".

Agência de Notícias

Comentários