Passos Coelho anuncia mais austeridade em 2014


Educação gratuita pode acabar

Em 2013 os portugueses vão ter um “enorme” aumento de impostos e em 2014 o cenário poderá repetir-se. O primeiro-ministro não garantiu ontem em entrevista à TVI que iria reduzir os impostos, apenas assegurou que eles não podem ser “definitivos” porque “não são sustentáveis”. E para equilibrar a balança entre o que os portugueses pagam de impostos e o que o Estado dá, disse que ia fazer cortes permanentes na despesa que podem passar por criar “propinas” na Educação. PS, PCP e BE já criticaram abertamente as medidas propostas pelo primeiro-ministro.

Pedro Passos Coelho anunciou co-pagamento da escola pública 

Pedro Passos Coelho reconheceu ontem, na entrevista à TVI, que haverá mais cortes nas prestações sociais, na Educação e na Saúde, bem como nos salários da Função Pública. O primeiro-ministro assumiu que a reforma do Estado, implica um corte definitivo de quatro mil milhões de euros e deve começar pela Educação, onde há menos entraves na Constituição, permitindo assim que "as despesas sejam mais repartidas". Ou seja, na prática, Passos Coelho anunciou o fim da escola gratuita, com abertura a um sistema de co-pagamento. 
Passos afirmou que 70 por cento das despesas públicas estão "em salários e prestações sociais". O chefe do Governo admitiu mexer ainda nas pensões, que cresceram de 9 por cento para 13 por cento do PIB. "Só 30 por cento deste aumento se deve a factores de envelhecimento", acrescentou.
O corte de quatro mil milhões de euros "é para ficar" e exige também que o Governo não se esqueça das funções de soberania, como a reforma das Forças Armadas que já está em andamento. "As medidas concretas que serão apresentadas em Fevereiro resultarão da comparação de vários índices de desenvolvimento portugueses com outros países europeus da mesma dimensão", garantiu o chefe do Governo. Para este trabalho, o Governo contará com a colaboração da OCDE, do FMI e do Banco Mundial.
Em relação à carga fiscal, Passos não se comprometeu com a descida dos impostos em 2014, mas reconheceu que o nível de carga fiscal já se tornou insuportável para os portugueses.
Passos Coelho defendeu ainda que "a reforma do Estado não termina nos quatro mil milhões", nem termina em Fevereiro, e que um grande debate abrangente deverá ser realizado até ao Verão.

Coligação unida
Confrontado com as críticas de alguns deputados ao orçamento, nomeadamente do porta-voz do CDS, João Almeida, Passos Coelho fez questão de frisar que o Governo não está dividido e que os deputados puseram o incómodo de lado em nome do "interesse nacional". E disse esperar que "todo o Governo acredite no orçamento". Avisando: "Se assim não for, o país está mal." Escusando-se a comentar eventuais incómodos no CDS ou reticências de Portas ao documento, Passos lembrou que este não é o orçamento do ministro das Finanças mas de todo o Governo, porque o Parlamento o aprovou, e voltou a argumentar que as medidas de austeridade se justificam com o objectivo de se evitar um novo programa de ajustamento. Voltando a garantir que não vai "renegociar o memorando".
"Todos gostaríamos de ter um mundo melhor", disse, reagindo à declaração de voto de João Almeida, que faz uma dura crítica às contas do Estado para o próximo ano.
Passos Coelho reconheceu que todas as políticas de austeridade causam "dor social" e fez questão de frisar que, apesar de o Governo estar "empenhado" neste orçamento, "não está em negação" e tem "consciência da realidade". O primeiro-ministro não deixou, contudo, de reconhecer que a "economia privada ajustou mais rapidamente que o Estado", admitindo, assim, que estão a ser um alvo mais sacrificado na austeridade. "Só é possível reduzir o défice a um valor aceitável - 4,5 por cento - da forma que o Governo propôs", disse. Concluindo: "chegamos lá vivos, mas vai custar muito".
"Gostaria muito que tivéssemos hoje já a gerir oportunidades mas não é o Governo que gere o emprego", reagiu o primeiro-ministro quando confrontado com a taxa de desemprego e a emigração de vários portugueses. Sobre os protestos na rua, Passos disse que os portugueses "tem tido compreensão pelo processo de ajustamento", considerando "ordeiras e normais" as manifestações que se têm realizado em Portugal.

BE diz que entrevista foi “discurso fora da realidade”

Ana Drago acusa  Passos de estar "fora da realidade" 
O Bloco de Esquerda criticou o primeiro-ministro por ter revelado um discurso que "nada tem a ver com a situação política do país", ao apontar cortes na segurança social e co-pagamentos acrescidos na saúde e educação. 

"É um primeiro-ministro que faz um discurso que nada tem a ver com a situação política do país", disse a deputada do BE Ana Drago aos jornalistas, no Parlamento.
Para a deputada bloquista, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, esclareceu na entrevista que deu à TVI que "os cortes que vão ser feitos vão ser exatamente no sistema de segurança social, eventualmente nas pensões, a manutenção de uma enorme carga fiscal, ao mesmo tempo que vai introduzir co-pagamentos acrescidos na saúde e na escola pública".
"Vem dizer aos portugueses que depois de pagaram das maiores cargas fiscais também vão fazer mais pagamentos? Propinas para a escolaridade obrigatória, é isso que nós estaremos a discutir? Mais despedimento na Função Pública, num país que já está afundado em desemprego?", questionou a deputada.
"Pedro Passos Coelho chegou ao leme do Estado dizendo que era possível fazer uma reestruturação da despesa pública cortando nos gastos que não podiam ser tidos, nas gorduras do Estado", relembrou Ana Drago.
O Bloco de Esquerda critica que, por outro lado, o primeiro-ministro não se tenha manifestado "interessado em qualquer tipo de renegociação dos juros da dívida", quando "é isso que está a asfixiar o país e a economia".

PS acusa primeiro-ministro de “não apresentar ideias” ao país
António Galamba critica "falta de ideias" de Passos 

O secretário nacional do PS António Galamba acusou o primeiro-ministro de estar "resignado com a realidade" e de não ter apresentado "uma única ideia para o futuro e para tirar o país" da crise. 
"Assistimos a uma entrevista de um primeiro-ministro resignado com a realidade, insensível aos sacrifícios e dificuldades que os portugueses estão a atravessar, ficámos a saber que depois do aumento de impostos brutal que consta deste Orçamento para 2013 vamos assistir, por proposta da maioria, a um brutal corte nas prestações sociais, na saúde e educação públicas", afirmou o dirigente do PS na sede nacional do partido.
Num comentário à entrevista de Pedro Passos Coelho à TVI, o ex-deputado socialista disse ter visto "um primeiro-ministro sem uma única ideia para o futuro e para tirar o país desta situação em que está".
Para António Galamba, a receita que o Governo "está a aplicar" tem resultados "manifestamente muito negativos" no país e precisa de ser invertida.
Questionado pelos jornalistas sobre a questão da reforma do Estado, o antigo governador civil de Lisboa reafirmou que o PS "não está disponível" para "cortar nas funções sociais" mas apenas "para discutir as questões em termos globais".
"Estamos disponíveis para participar num debate sério, que não seja com esta pressão de apresentar propostas até Fevereiro, mas para pensarmos o Estado em termos globais, essa é uma atitude permanente do PS quando esteve no Governo e está disponível para o fazer na oposição", declarou.
O dirigente do PS assinalou ainda que "os cortes" [de quatro mil milhões de euros] anunciados pelo Governo foram definidos "com a 'troika'" e "sem qualquer tipo de envolvimento do PS".

PCP acusa Passos Coelho de "subversão do Estado democrático”

João Oliveira fala em "subversão do Estado" 
O PCP identificou na entrevista do primeiro-ministro a perpetuação do "assalto fiscal" e de "subversão do Estado democrático", considerando que Passos Coelho identificou como "desperdícios" a saúde, a educação e as prestações sociais. 
"A ideia mais clara que resulta desta entrevista é que os portugueses têm a missão histórica de correr com este Governo e com a política de direita da troika, sob pena de terem um futuro pior do que o difícil presente que já têm", disse o deputado do PCP João Oliveira aos jornalistas, no Parlamento.
Para o PCP, o primeiro-ministro deixou, na entrevista à TVI a ideia de "perpetuação do assalto fiscal" e de que não está em curso a "refundação do Estado", mas uma "subversão do Estado democrático que a Constituição prevê".
"Aquilo que o senhor primeiro-ministro disse a propósito dos cortes de 4 mil milhões de euros, identificando para falar de desperdícios dos Estado as áreas da saúde, da educação e das prestações sociais, dá bem a ideia do processo de subversão do Estado democrático que este Governo tem em preparação", argumentou.
"Esta entrevista é clara em alguns aspetos. Por exemplo, ficámos a saber que o desemprego não é um acaso, faz parte da estratégia do Governo. As palavras do primeiro-ministro são 'sem este desemprego nós não chegávamos lá', lá a esse destino de desgraça que o primeiro-ministro e o Governo nos têm a apontar", sustentou igualmente o deputado comunista.
Por outro lado, João Oliveira considerou que "a ideia com que o primeiro-ministro terminou a sua entrevista, dizendo que recusa qualquer renegociação, mas não rejeita ter que a fazer, significa que o Governo já tem em marcha um segundo programa dito de ajustamento, que será um segundo programa de roubo aos portugueses".

Pais não aceitam escola paga
É um novo ataque (e incompreensível) às famílias. É desta forma que o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Albino Almeida, encara o eventual fim da gratuitidade do ensino público. "Numa altura em que já há um grande esforço de contribuições, com mais e mais impostos, é no mínimo estranho que quanto mais pagamos, menos serviços públicos vamos tendo", refere o dirigente citado pelo Correio da Manhã. "Este Governo não tem mandato para alterar esta matéria. É um assunto de tal importância e gravidade que deve ser escrutinado. Deve ser colocado em programas eleitorais dos partidos, ser alvo de um alargado debate nacional e os portugueses devem ser chamados a decidir, nas urnas, se devem pagar mais impostos ou se querem pagar propinas para a educação", afirma.
Já Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional de Professores – maior estrutura sindical da Educação –, diz que o fim do ensino gratuito "era expectável". "Privatiza-se o ensino de maior qualidade e transforma-se a escola pública numa grande escola profissional com preços baratos para garantir a escolaridade obrigatória", lamenta.

Paulo Jorge Oliveira 

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