Críticas Soltas por Joana Teófilo Oliveira


O Mundo louco…

Hoje não me apetece escrever nada de especial. Apenas vos conto três histórias deste mundo louco. A primeira sobre ladrões que ao roubar um casal são atacados a tiro e ao irem a tribunal o juiz dá-lhes uma bela lição: Se levaram tiros, a culpa é vossa, diz juiz a assaltantes. “Não há desconto na pena”. Depois há a história de um homem que corria a Inglaterra toda sem roupa. Um juiz decidiu não o prender. Ele saiu do tribunal nu! E de um ministro de estado da Índia que chamou os funcionários públicos e lhe diz isto: “Se trabalharem muito, podem roubar, mas só um bocadinho”. Digam lá que não é um ministro amoroso?! 

Stephen Gough é um homem que não disfarça as suas convicções. Aliás, não disfarça nada.  Como acredita que o corpo humano é uma coisa bela, acha que devíamos andar nus, ou pelo menos ter esse direito.
Juntando a prática à teoria, percorre a Grã-Bretanha a pé, sempre sem roupa. Já o fez pelo menos duas vezes. Pelo caminho, vão-no prendendo.
Ao todo, passou uns seis anos na cadeia até hoje. A sentença mais longa foi de 21 meses. Mas ele não desiste. 
A polícia tentou vários compromissos, desde a indiferença até boleias - para Stephen não passar em frente a parques públicos, onde há crianças e outras pessoas que também têm direito a não o ver nu. Nenhuma abordagem resultou.
Quando um juiz o põe em liberdade condicional e lhe promete que não terá mais problemas se não repetir a gracinha, ele sai do tribunal nu. Quando outro o manda sentar para ouvir a sentença (escusado será dizer que Stephen vai para os julgamentos sem roupa, e estando em pé fica mais visível), ele não obedece.
Agora voltou a ser preso por não cumprir uma ordem judicial. Um magistrado viu-o ir-se abaixo durante uma audiência e ordenou um exame psiquiátrico. Stephen não deixou. Mais cinco meses de cadeia.
O seu advogado, com o nome improvável e adequado de John Good, já não sabe o que fazer. Até hoje só viu o seu cliente no tribunal ou na cadeia, e jamais com roupa. Embora na Escócia, onde ele tem cumprido as suas penas, faça um frio danado no Inverno...
Good diz que Stephen, um ex-marine na casa dos cinquenta, começou a andar nu após um problema pessoal. Os dissabores legais transformaram tudo numa questão de convicção.
"Não há nada em mim como ser humano que seja indecente ou alarmante ou ofensivo", explica o ex-marine. Associações naturistas internacionais concordam. Tratam-no como herói, e visitam-no na cadeia, onde passa a vida.

Socorro; fui roubar e levei um tiro. Azar, diz o juiz! 
Dois homens entram numa casa para roubar. O dono e a mulher ouvem-nos, vão buscar a caçadeira que têm legalmente em casa e confrontam-nos. Quando um deles tenta abrir uma gaveta onde há facas, o dono dispara. Atinge um na mão e outro na cara. Eles fogem. O casal avisa a polícia, que dá o alarme nos estabelecimentos de saúde próximos. Às duas da manhã, um dos assaltantes aparece num hospital para se tratar e é preso. Horas depois, é a vez do outro.
Isto passou-se há meses, em Inglaterra. Na altura houve indignação pública por o casal ter ficado detido dois dias, como se fossem eles os criminosos. Até o primeiro-ministro aproveitou para umas declarações populistas. E quando o juiz num outro caso de assalto deu uma pena suspensa ao réu alegando que a prisão não faz bem a ninguém e para assaltar é precisa coragem - eu não a teria, explicou o magistrado com admiração - os tablóides caíram-lhe em cima como piranhas.
Agora teve lugar o julgamento dos dois assaltantes feridos, e a atitude do juiz que lhes calhou foi diferente. Eles pediram uma pena reduzida, com o argumento de que não esperavam apanhar chumbo e ficaram traumatizados. O juiz respondeu que se ficaram foi por culpa deles. Quem assalta uma casa onde há armas, sujeita-se. São riscos profissionais, por assim dizer. Não é legítimo pedir favores por causa disso, sobretudo quando já se tem um cadastro tão longo (um dos homens fora libertado da cadeia há pouco tempo). Quatro anos de cadeia para cada um. Os tablóides rejubilaram, e um ou outro ministro também. E por cá, como seria? Quem iria preso, pergunto eu!

Se trabalharem muito, podem roubar, mas só um bocadinho, diz ministro aos funcionários


O que é conduta recta para um servidor do estado? Trabalhar, trabalhar muito, empenhar o melhor esforço em benefício do público… e roubar só um bocadinho. Parece uma troca justa, e é o que de facto sucede em inúmeros ministérios e autarquias, na Índia como noutros países. Mas não se pode dizer.
Foi esse o erro de Shivpal Singh Yadav, um ministro no estado indiano de Uttar Pradesh. Num encontro à porta fechada com funcionários públicos, pediu-lhes que se dedicassem de corpo e alma às suas tarefas e não roubassem muito. Roubem, "mas não sejam bandidos", resumiu. Sábio conselho. Acontece que alguém da imprensa estava no encontro (não era suposto, queixou-se depois Yadav), ou alguém que lá estava foi bufar.
Escândalo, horror. Não importa que nesse estado, cuja população é maior que a do Brasil inteiro, a mulher que até há pouco tempo era ministra-chefe gastasse milhões a comprar joalharia cara, bem como a instalar estátuas gigantes de si mesma por todo o estado. Isto para já não falar das enormes coroas de notas que lhe punham à volta do pescoço. (Nas tradições locais não se toca).
A chatice é que as aparências contam. E assim, Yadav viu-se forçado a dar explicações. Explicou que na verdade tinha feito um discurso contra a corrupção, e que a imprensa se limitou publicar um excerto do qual resulta uma ideia completamente errada. Talvez. De qualquer forma, é irrelevante. Como o actual ministro-chefe do Uttar Pradesh é o próprio irmão de Yadav, não hão-de faltar oportunidades menos publicitadas para discutir - ou praticar - todas essas delicadas nuances morais. E por cá, como é? Por cá é mais fácil… os funcionários públicos são convidados a trabalhar muito pelo ministro… e depois vem o Gasparzinho e rouba só um bocadinho! Mas não é nenhum bandido. Claro está!


Joana Teófilo Oliveira
Estudante de Ciências da Educação
Quinta do Anjo 

O homem que não aceita crítica não é verdadeiramente grande. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. Outras irónicas. Tantas vezes desiludida e incompreendida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. O tom das Críticas Soltas às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se quiserem, a irritação perante a vida, a política, a sociedade… o mundo,  por Joana Teófilo Oliveira para o ADN. 

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