Impressões Digitais por Paulo Jorge Oliveira


E agora, senhora troika, qual conta vamos fazer?


As contas públicas descontrolaram-se. O Governo age desvairado. E a troika esconde-se atrás da sua própria desilusão. Para onde vamos? Que medidas temos de tomar? Aguenta o país mais austeridade? Será esse mesmo o único caminho que nos impõem sem que nós – cidadãos de pleno direito da comunidade europeia – questionamos se o caminho é o certo?




O ministro das Finanças é o elo de credibilidade do Governo com a troika. Já não o é com o eleitorado. [nem Passos Coelho já é]. Não pode queixar-se: mesmo protestando, o país foi suportando a austeridade. Houve um acto de fé generalizado, cheio de dúvidas e reservas, mas confiamos todos. Até que a medida da TSU rompeu numa sexta-feira de fim de Verão e deitou por terra as esperanças de que isto ia pelo caminho certo. A execução orçamental veio provar o cenário de que todos os entendidos de finanças públicas e economia haviam dito vezes sem conta.  
A credibilidade da política da austeridade deixou de ser uma divergência ideológica, é hoje um problema matemático. Não está a resultar. Como se confia em quem estimava um crescimento de receitas do IVA de 11,6 por cento quando ele afinal cai 2,2? Que credibilidade técnica tem quem em Março anunciava um aumento dos encargos com subsídio do desemprego de 3,8 por cento quando eles em Agosto crescem quase 23? Como se confiará nas previsões para 2013 depois do fracasso em 2012?
A troika devia olhar olhos nos olhos dos portugueses e responder a três perguntas: acredita mesmo que, com mais austeridade generalizada, a economia vai começar a crescer no segundo trimestre do próximo ano? Acredita mesmo que Portugal vai conseguir a redução brutal do défice em cada um dos próximos dois anos depois de ter falhado o deste ano? Acredita mesmo que Portugal conseguirá pagar a sua dívida pública já superior aos fatídicos 120 por cento do PIB?
São perguntas simples, mas entristecidas. Eu não sou economista e até percebo pouco de coisas de números, mas... as contas não quadram. Não batem. Assim não vamos lá.
Este ano, os portugueses fizeram um esforço brutal, suportaram austeridade como nunca imaginaram e ajustaram-se mais do que o Governo desejou, consumindo menos e exportando mais, o que ajudou as contas externas. Mesmo assim, depois de tudo, o défice orçamental (sem receitas extraordinárias) só se reduzirá em dois pontos percentuais em vez dos 3,5 pontos percentuais previstos. E isso se o último quadrimestre não piorar o cenário, coisa que a desastrosa comunicação do Governo com a TSU pode ter estragado, antecipando comportamentos recessivos. Pois mesmo assim chegaremos a um défice, diz quem sabe, de pelo menos 6,1 a 6,2 por cento, o que com receitas extraordinárias (sempre, sempre elas) baixará para 5 por cento. Reduzir de 6,2 por cento para 4,5 em 2013 e 2,5 em 2014? Como? Ou as reformas estruturais estavam todas certas, as empresas desatam a exportar e a economia cresce, ou teremos de manter todas as medidas de austeridade e encontrar mais dois pontos percentuais por ano de novas medidas. Alguém acredita? Eu penso que nem a troika – ou melhor, uns senhores engravatados que de vez em quando passam pelo Terreiro do Paço e chamam lá o Governo inteiro.
Estas perguntas são para a troika. Ao Governo o que se pede é que tome um banho gelado e volte a encaixar a cabeça. Porque o que está a demonstrar já não é falta de capacidade política, é pânico. O recuo na TSU foi uma vitória da sociedade civil sobre um Governo que se julgava protegido por ela, mas mostrou capacidade de recuo. Agora é preciso andar para a frente, não em círculos. O anúncio de mais impostos foi vago e ambíguo. O IRS subirá através dos escalões (pelo menos quatro pontos percentuais a cada português) ou haverá um imposto extraordinário? De quanto? E os funcionários públicos, o que lhes acontece? E os pensionistas? E a despesa, senhores, a despesa do Estado? Semear incerteza revela mais que amadorismo, revela insegurança, revela falta de estratégia, revela incapacidade para liderar um povo que se desfaz em contas.
Falemos à troika, que é co-autora desta política. Meus caros senhores, o Governo não cortou a despesa do Estado como prometera, mas os portugueses toleraram tudo o que V. Exas pediram. Falhou. Esse falhanço também é vosso. E é vossa aqui, é na Grécia, vai ser em Espanha, na Itália e tudo há volta até o mundo tremer.
As alternativas não estão ao dispor do Governo, nem do PS, que faria igual. Estão na troika. Na Europa. A crise é portuguesa, mas o falhanço não é dos portugueses, é europeu. Foi um falhanço consentido. Será mesmo possível pagar a nossa dívida? Uma pergunta que todos sabem mas que ninguém arrisca negociar nada. E pronto... perguntamos até quando isto vai durar.


 


Paulo Jorge Oliveira
Director da ADN – Agência de Notícias 

Comentários