Nós e as cidades por Miguel Macedo


O poder da internet e a crise das férias

A influência social da internet e o enorme impacto político das tecnologias da comunicação é tema de grandes debates. Maravilhamo-nos justamente pelas potencialidades e impressionantes mudanças. Mas tudo isso só é significativo quando esses instrumentos são usados para construir. Só que a maioria dos exemplos de poder do SMS, Facebook, twintter, blogs e afins é arrasadora.


O primeiro grande efeito político instantâneo da comunicação de massas foi a reviravolta nas eleições espanholas de 2004, onde o Governo, favorito nas sondagens, acabou derrotado. Depois, da “primavera árabe” de 2010 aos motins gregos de hoje, trata-se sempre de derrubar algo. Mesmo em casos positivos, como o fenómeno Obama de 2008, existe um dominante repúdio do antecessor, como o próprio eleito notou, ao ver os mesmos instrumentos usados contra si depois da posse.
A força é sempre uma coisa impressionante. Mas uma explosão devastadora não se compara com o nascimento de uma criança ou o germinar de uma planta. Destruir e derrubar pode ser necessário, mas nunca tem o valor de edificar ou criar. A importância da internet está menos na sua semelhança com um vulcão ou terramoto que no paralelo com um prado ou floresta.
Um tempo rebelde, que gosta de tumultos, mudanças e punição de responsáveis, vê a dimensão das rebeliões como um ganho. Foi assim em Londres, Paris, Madrid e também em Copenhaga em escala mais pequena.
Mas se o interesse da tecnologia estivesse aí, o progresso conduzir-nos-ia à Idade das Trevas. O valor político da internet está em criar consensos, promover reformas, dinamizar projectos. Isso não suscita interesse dos especialistas. E devia suscitar  porque afinal, por cá, Cavaco Silva, Passos Coelho e até António José Seguro costumam comentar notícias no Facebook em vez de partilhar com o país.

Em tempos de crise o período de férias é mais doloroso. Primeiro porque muita gente não as consegue gozar como costumava; depois porque muitos se encontram em férias forçadas o ano todo; finalmente porque até aqueles que as mantêm sentem o incómodo de gozarem enquanto o País sofre. Afinal, o que choca é contraste entre a recessão e as férias.
O choque é natural, saudável e deve levar à solidariedade. Mas ele liga-se a um dos piores mal-entendidos que rodeia a actual situação nacional. Portugal, mesmo no fundo da crise, tem hoje um nível de vida duas vezes e meia acima do 25 de Abril e 80 por cento maior na entrada na CEE. Dificilmente isso é miséria.
Esta realidade em  nada tira ao terrível sofrimento de muitos, mais doloroso por ser inesperado e vir num país rico. Mas é bom não ignorar o facto de que somos realmente um país rico. Um país rico em crise.
Tempos de dificuldade são sempre tempos de disparate. Algo no sofrimento estimula a tolice natural que reside em todos nós. Por isso tantos se esforçam por baralhar tudo com asneiras e ficções. Uma das mais poderosas é a ideia de que o País está na miséria, nunca saímos da cepa torta, estamos pior que nunca. Isto é simplesmente uma tolice.
Não deve surpreender que países ricos entrem em crise. No Japão, um país muito mais rico que nós, há duas décadas grassa uma crise muito pior que a nossa. É normal haver crises em países ricos. Aí elas doem tanto, ou talvez mais que nos pobres, por causa da surpresa e indignação. Isto apesar das diferenças. Por exemplo nas férias.



Miguel Macedo
Estudante de Arquitectura
Montijo 

(Nós e as Cidades é uma rubrica sobre urbanismo, reflexões,  mobilidade e bem-estar, que será publicado às terças-feiras)

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