Centenas de pessoas tentam a sorte no Tejo


Crise leva a apanha ilegal de amêijoa

A crise e o desemprego estão a empurrar cada vez mais pessoas para a apanha ilegal de amêijoa no estuário do rio Tejo, que diariamente é invadido por centenas de mariscadores na procura de sustento para a família. Há duas semanas um homem perdeu a vida quando tentava fugir à Polícia Marítima mas nem assim há menos pessoas “enterradas na lama” em busca da sobrevivência e da amêijoa japónica que, dizem os especialistas, não é segura para a saúde humana. 



 "Nesta zona, temos 200 a 300 apanhadores por dia. Há desempregados de longa duração que vêm para esta zona apanhar as amêijoas e fazer algum dinheiro", explica Paulo Serra. A praia dos Moinhos, em Alcochete, é um dos principais locais para a apanha de amêijoa japónica. 
Além de Paulo Serra, são às dezenas os mariscadores que quando a maré baixa, entraram no rio Tejo com a certeza de que, quando a maré subir, sairão com a amêijoa, a qual será comprada a dois ou dois euros e meio o quilo pelos intermediários.
O mariscador diz que, em média, quando as condições o permitem, apanha entre cinco e oito quilos por cada ida ao rio. Nos dias em que a maré "não dá", traz apenas três a quatro quilos.
Há cerca de uma década, um quilo de amêijoa rendia doze euros. Hoje, "como há muito mais oferta e mais apanhadores, o preço reduziu", diz o apanhador de amêijoa.

Cada vez chegam mais mariscadores
Uma boa maré pode render oito quilos de amêijoa 

Mal a maré desce – seja de tarde ou manhã – junto à zona de praia do Samouco, no concelho de Alcochete, os carros chegam quase até à rotunda. E a rotunda está longe. Os estacionamentos estão cheios, mas a praia tem poucos banhistas na areia. Para perceber onde se enfiaram as centenas de pessoas que ‘largaram’ os carros à torreira do sol é preciso estar disposto a passar um canal onde a água chega quase à cintura e andar a pé uns largos metros. Ao fundo, para a esquerda e para a direita da ponte Vasco da Gama – onde o trânsito passa indiferente ao cenário por debaixo, estão os apanhadores da amêijoa. Chegam em grupos ou sozinhos; nas mãos carregam pás e baldes, garrafões e sacos vazios, latas de tinta sem tinta; às costas levam mochilas, grandes. São homens, mulheres e meninos ainda. Todos há procura do mesmo.
"Engenheiros, advogados, todas as profissões, até pessoas que viviam bem até há pouco tempo. Já vêm também romenos, ucranianos e até chineses, agora que a crise deu à costa é um arco-íris de nacionalidades a apanhar bivalves", garante um mariscador.

Coimas altas e risco para a saúde não desmotivam 
Polícia Marítima já apreendeu 23 toneladas de amêijoa este ano 

Por um lado é a crise e o desemprego que afecta muitos dos pescadores locais. Por outro é a amêijoa – que mesmo perigosa para a saúde pública dizem as autoridades – garante um bom dinheiro.
O veterinário municipal do Montijo e a Polícia Marítima já vieram alertar para os perigos que o consumo de ameijoa, ilegalmente apanhada no estuário do rio Tejo, pode representar para a saúde pública. "Os riscos são principalmente em termos de toxinfeções. A ameijoa é um género altamente perecível fora do seu habitat natural e, sem conservação e frio, deteriora-se rapidamente", explicou, à agência Lusa, João Monteiro, veterinário municipal do Montijo. Mas nada disto "assusta" os apanhadores e quem compra.
Por falta de licenciamento, o infrator incorre no pagamento de um valor que vai dos 748 aos 50 mil euros. Por arte ilegal, as coimas variam entre os 600 e os 37 mil euros.
Desde o início do ano, em menos de oito meses, a GNR apreendeu cerca de 23 toneladas de ameijoa, sensivelmente a mesma quantidade confiscada no ano passado. Entre janeiro de 2011 e agosto deste ano, foram identificadas mais de duas dezenas de angariadores/revendedores. "Ainda assim compensa correr riscos" dizia um homem que chegou do rio com uma saca cheia. E há quem ainda arrisque mais. Se quem está perto da praia escave à mão há procura da amêijoa. Mas há outros porém que, com barco, se arriscam mais longe até aos fundões do Rio. Mergulham com botijas e tentam a sorte. Foi assim que Fernando Farinha faleceu ao embater numa hélice de um barco.
As dezenas de pessoas, assim que o Tejo volta a subir, voltam torcidos pelo peso que trazem a tiracolo, em filas de gente que lembram marés. "No outro dia contei 347 pessoas e até desisti de continuar, porque não paravam de aparecer", contou Manuel, um filho da terra, ouvido pelo Jornal Correio da Manhã.


Agência de Notícias 

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