Críticas Soltas por Joana Teófilo Oliveira


Zé do Bigode a doutor!

"É pá, comparada com a do Relvas, a licenciatura do Sócrates é um doutoramento". A frase saiu a uma conversa de dois senhores no comboio da ponte. Ao ouvir o comentário sorri com a ironia. Só mais tarde percebi toda a dimensão trágica desta história de doutores e engenheiros. Se Relvas é licenciado à conta do folclore, o tio Zé, a título póstumo, merece o doutoramento ‘honoris causa'.


Relvas, um dos homens que mais trabalhou para fazer cair Sócrates, vê-se agora sob os mesmos holofotes de menorização académica, intelectual mas, mais importante do que isso, especialmente para quem desempenha cargos públicos, de descrédito de carácter. A dimensão trágica desta ironia reside no facto de não ser por acaso que duas das pessoas com mais poder político em Portugal na última década tenham, ainda que com gravidades diferentes, uma história parecida.
Relvas e Sócrates, que em idade distam apenas em três anos, são, como vai na linguagem popular, farinha do mesmo saco. Cresceram aproveitando um País de instituições fracas, condescendente com o poder político, sem exigências especiais de transparência ou excelência, na qual o Estado vezes demais serve e é usado por interesses particulares.
Dizem-me que o senhor ministro conseguiu o canudo – sem estudar – devido aos seus conhecimentos à frente de um Rancho Folclórico e também como dirigente político no PSD. Ora… mas se estas coisas existem, por que não um canudo em Carreirismo Partidário, destinado a premiar os anos em que o político nativo rasteja pelas ‘jotas’, ascende aos órgãos directivos e chega a deputado/secretário/ministro? Por acaso os portugueses pensam que isto não dá trabalho?
Uma licenciatura em Carreirismo Partidário seria composta por disciplinas como: Técnicas de Colagem de Cartazes; Introdução ao Megafone; Oratória em Congressos; Jantares de Desagravo; e ‘Uma Lembrancinha para o Sr. Dr.’: Teoria e Prática. Num país decente, nenhum político carreirista teria que andar a mendigar licenciaturas fora da sua área de interesse.
Em relação ao Rancho Folclórico, tivessem os mentores da Universidade Lusófona conhecido o saudoso Zé do Bigode, o maior entre os ‘mandadores’ das danças de roda da Beira Alta e teriam pensado duas vezes em atribuir a licenciatura a Relvas.
Contou para o canudo ele ter sido presidente da assembleia geral da Associação de Folclore da Região dos Templários - cargo que não requer muita arte nem destreza: não é pela qualidade do presidente que a assembleia deixa de decidir seja o que for.
A coisa fica mais fina com a dança de roda. Sem um ‘mandador' capaz - e mestre Zé do Bigode era o melhor - o bailado não segue o ritmo certo a cada repique do acórdeão. Se Relvas é licenciado à conta do folclore, o tio Zé, a título póstumo, merece o doutoramento ‘honoris causa'.
A minha mãe bem que insistiu: “Joana, vai dançar no rancho porque é bom para o teu futuro”. E eu não fui e agora tenho de gramar… anos e anos de aulas, exames, alguns chumbos por meio e muito dinheiro gasto numa formação que não garante futuro algum. Devia ter ouvido a minha mãe. Hoje teria 15 anos de prática e muitas teorias!
Agora a serio. Um Portugal desqualificado e atrasado que, de um momento para o outro, se transformou num país de crescimento fácil e com vários milhares de senhores doutores e senhores engenheiros formados em tantas universidades privadas com mais lucros que empregabilidade.
Neste contexto o esquema e o facilitismo institucionalizaram-se e fizeram carreira nas juventudes partidárias (mas não só). Os mais habilidosos entre os seus jovens e ambiciosos políticos chegaram ao topo dos partidos. Para darem o salto final para o topo desta democracia adolescente faltava-lhes apenas serem doutores ou engenheiros. Como se vê agora essa foi a parte mais fácil. Os Drs. Relvas e o Engs. Sócrates não são coincidência. São um falhanço de Portugal.


Joana Teófilo Oliveira
Estudante de Ciências da Educação
Quinta do Anjo 

O homem que não aceita crítica não é verdadeiramente grande. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. Outras irónicas. Tantas vezes desiludida e incompreendida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. O tom das Críticas Soltas às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se quiserem, a irritação perante a vida, a política, a sociedade… o mundo, enfim. À sexta-feira por Joana Teófilo Oliveira para o ADN.
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