Que querem os indignados?

Críticas Soltas por Joana Teófilo Oliveira
Que querem os indignados?

Isto de “manifs” tem muito que se lhe diga. Sou das primeiras a concordar que durante muito tempo fomos presenteados com invasões vãs de espaços públicos, sobretudo hordas de estudantes que protestam pelo picante de protestar. Quantas vezes não vimos e ouvimos declarações patéticas, quando os repórteres se lembravam de interrogar um menino ou menina mais entusiasta sobre as razões da manifestação indignada: pouco ou nada sabiam dizer sobre a raiz do protesto, sobrando, como era óbvio, a pura excitação da transgressão, de andar pela rua aos berros, e, quem sabe, arranjar por ali novo namorico.


Mais recentemente, os estudantes deram lugar a companheiros ligeiramente mais velhos, recém-licenciados, e que já não traziam como bandeiras reclamações mais pequenas e localizadas como propinas, reestruturações académicas e afins. Era gente que olhava para a frente e via um buraco negro no lugar das oportunidades com que a sociedade lhes havia acenado. Regra geral, o desemprego. Ou remunerações grotescas em empregos de fio da navalha. 
Mas a Geração à Rasca, também ela, enfermava de alguma notória falta de vocabulário, sempre que enfrentava um microfone de pergunta mais aguçada. Ficava a impressão de que os meninos e meninas pouco mais queriam que alguém lhes garantisse emprego para vida, como a alguns dos papás, e que sofria, sobretudo, porque os 500 e tal euros que ganhavam não garantiam toda a cerveja e noitadas com que sonharam. É por isso natural que se tenha começado por encarar com igual cepticismo etário esta nova vaga dos “indignados”.
Mas uma atenção mínima permite assegurar, com justiça, que se trata de fenómeno diferente, e bem mais sério e defensável. Quem esteve minimamente atento, terá reparado que nestas concentrações há gente de todas as idades, profissões e estratos sociais. E terá reparado que o discurso ao microfone estendido pelos repórteres cresceu, e de que maneira, na consciência social e global. Já se ouve gente que deixa no ar interrogações muito pertinentes, e desabafos ou análises que mostram um grau de informação acima da média de tantos outros anos (apesar da mediocridade dos gatafunhos e dizeres dos cartazes que empunham, mas não se pode ter tudo...).  O movimento popular terá muito a ganhar se conseguir, na medida das possibilidades, fugir a uma lógica meramente partidária ou sindical.
Um dos indignados que ouvi na televisão era um espanhol que vive por cá há cinco anos. Já tinha acompanhado este movimento no seu país, e luta agora pela indignação em Portugal. E já reparou que os partidos de esquerda aproveitam o balanço para comandar, mais ou menos à distância, uma luta de rua que lhes interessa invocar nos discursos dentro do Parlamento. Falta, pois, não um bocadinho “assim” mas retirar esse bocadinho; a luta é política, sem dúvida, na medida em que qualquer luta do género o é, mas não tem necessariamente de emanar dos partidos, e tem tudo a ganhar se demonstrar que vive e sobrevive, precisamente, fora da esfera partidária. Com maior crise de que há memória ainda em fase de gestação, estou curioso para perceber se esta movimentação se vai manter ou crescer.



Talvez seja altura de centrar aqui a questão, mas é triste que só tempos de absoluto desespero consigam começar a colocar as grandes e essenciais questões, as únicas que poderão permitir que, caso alguma vez consigamos sair deste nevoeiro, tenhamos forma de escolher outros caminhos. Como muitas pessoas começam agora a lembrar, os políticos que se propõem governar o País são, ou deveriam ser, os primeiros e mais sinceros funcionários públicos. Deveríamos sentir que votamos em pessoas que têm de facto, por missão, defender o bem comum, defender-nos a todos, apontar um caminho. Enquanto continuarmos a ver exemplos, ler artigos indesmentíveis que mostram como a passagem pela política foi o grande negócio da vida de alguns, não peçam a quem não tem futuro para continuar a acreditar.
Ontem, assisti a manifestação no Chiado com um amigo norueguês. Vi, claramente, os indignados a provocar a polícia, a provocar os turistas que estavam por ali. A atirar tudo que tinham à mão com a finalidade de provocar violência. A Polícia – como se viu e lamento – exagerou na violência e acabou por ferir jornalistas e pessoas que nada tiveram a ver com aquilo. Porque os que provocaram rapidamente desapareceram de cena. Pena que uma greve – com motivos legais e justos – tenha ficado manchada por uma gente que não sabe o que quer e nem tem respostas para um mundo melhor.  



Joana Teófilo Oliveira
Estudante de Ciências da Educação
Quinta do Anjo 

(Escreve todas as sextas-feiras na rubrica Críticas Soltas)

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