Reportagem de Sábado à Tarde: O preço da Saúde

Urgência a partir de 20 euros...

O Governo é acusado de fechar o acesso ao Serviço Nacional de Saúde com o novo regime de taxas moderadoras, mas o ministro da tutela, Paulo Macedo, apresenta um número que importa reter: “Um total de seis milhões de isentos de pagamento”, o que representa um aumento, em comparação com o plano que vigora até ao final do ano. Haverá custos maiores, mas menos utentes a suportá-los. Saiba se estará isento de pagar taxas moderadoras, a partir de 2012. Oposição é, liminarmente, está contra a medida e promete luta.   

A partir de Janeiro ir ao hospital custa o dobro 


As novas regras vão incidir sobre os serviços de urgência, mas também nas consultas do sector público. Nos centros de saúde, mais do que duplicam os custos, de 2,25 para cinco euros. No entanto, a este aumento de custos junta-se um aumento da população isenta de pagar taxas moderadoras. Nos hospitais, uma ida à urgência passa de 9,60 euros para 20 euros. Com estes aumentos, o Governo prevê arrecadar cerca de 100 milhões de euros. 
Assim, os agregados com rendimentos mensais inferiores a 1.257,66 euros não pagarão taxa moderadora. Já no caso dos utentes solteiros, o rendimento não poderá ultrapassar os 628,83 euros por mês, para poderem usufruir desta isenção. Antes, este benefício só era aplicado a quem auferisse menos de 485 euros.
Mantêm isenção as pessoas com deficiência em grau superior a 60 por cento, as grávidas, as crianças até 12 anos, doente alvo de transplantes e pessoas das Forças Armadas com deficiência.
Também os doentes crónicos estão dispensados de pagamento, mas só nos casos em que recorrerem aos serviços de saúde para tratar da sua doença. Quem tiver de recorrer a urgências devido a indicação médica, num centro de saúde, continua a não pagar. Os internados estão igualmente isentos.
Quem perde isenção? Os dadores de sangue e de órgãos, bem como bombeiros e militares. No entanto, este grupo de pessoas continua a estar isento do pagamento de taxas moderadoras nos centros de saúde.

Como será feita prova de rendimentos?
As entidades de saúde a que os utentes recorrerem terão acesso directo aos rendimentos de agregados e solteiros, através de informação fornecida pela Direção-Geral dos Impostos. As declarações de IRS servirão de base para que se saiba qual o valor a pagar por cada utente.

Ninguém deixará de ser atendido, palavra de ministro
Vai haver 6 milhões isentos de pagamento,  diz ministro

De acordo com o ministro da Saúdetemos mais de seis milhões de pessoas isentas, nós aumentámos o acesso à saúde através das taxas moderadoras. O que fizemos foi que quem pode pagar vai pagar mais, pelo contrário, há uma maior isenção para quem tem menos posses”, declarou Paulo Macedo.
Segundo o titular da pasta da Saúde, “é importante ter presente que uma ida às urgências apenas ocorre uma ou duas vezes por ano”, o que “é totalmente diferente de um aumento desta magnitude numa urgência hospitalar, que é algo extraordinário, do que é uma despesa que tem se fazer no dia-a-dia”.
Apesar dos aumentos, assegura Paulo Macedo, “ninguém deixa de ser atendido por não ter fundos”.



Ana Jorge critica taxas

A ex-ministra da Saúde também já reagiu ao anúncio do actual detentor da pasta. Ana Jorge disse à TSF que o problema essencial não está no aumento das taxas moderadoras, mas sim na diminuição do tempo de funcionamento dos centros de saúde.
É certo que as novas taxas vão “aumentar a dificuldade de acesso aos serviços de saúde”, mas “o que era importante era que os centros de saúde se organizassem para ter mais tempo e acesso a consultas”, conclui a ex-ministra do governo socialista.

PS acha proposta “violentíssima”
António Serrano acha que subida é "um grande esforço" para os utentes 


Para o Partido Socialista o aumento das taxas moderadoras é uma medida "violentíssima" de "uma perspectiva de negócio" da Saúde. "Achamos que isto é uma proposta violentíssima no contexto actual, não concordamos com ela, achamos que a obrigação da troika não nos impunha um aumento desta dimensão", afirmou António Serrano, deputado socialista, aos jornalistas no Parlamento.
"Quando nós restringimos o acesso aos cidadãos nos centros de saúde diminuindo horários e eliminando extensões de saúde, estamos a forçar uma ida das pessoas para as urgências onde o serviço é mais caro", argumentou António Serrano.
Para o deputado socialista, está em causa "querer financiar o Serviço Nacional de Saúde com taxas moderadoras que aumentam para mais do dobro", sendo que estas taxas representam actualmente 1% do financiamento do SNS e com estes aumentos passarão a representar 2%, ao passo que constituem "um esforço grande" para os utentes.
"É um aumento que resulta de uma perspectiva de negócio da saúde que não podemos aceitar", declarou António Serrano, argumentando que "é um erro de abordagem técnica", que "não resolve o financiamento".

PCP diz que é “inconstitucional”
PCP diz que "não há justificação para a subida de preços"

O PCP, por sua vez, agendou para o próximo dia 21 de Dezembro a apreciação parlamentar do diploma do Governo referente às novas taxas moderadoras, considerando que estas taxas se transformaram num co-pagamento, o que é inconstitucional.
"Com esse aumento, as taxas moderadoras transformam-se num verdadeiro co-pagamento, o que é inconstitucional e inaceitável para a população portuguesa", defendeu o líder da bancada do PCP. Bernardino Soares advertiu ainda que não pode servir de justificação para o Governo "as supostas isenções que estão no diploma".
Na realidade, diz Bernardino Soares, “essas isenções não se concretizarão para muitos portugueses, porque o critério é muito baixo. Trata-se de pôr os portugueses a pagar - e muito - pelo acesso à saúde e isso será de uma injustiça brutal na situação difícil que o país vive no plano social", considerou o líder parlamentar dos comunistas. 

Bloco de Esquerda prevê utentes excluídos do SNS
João Semedo diz que é preciso melhorar "funcionamento"

Para o deputado bloquista João Semedo, ao contrário do que o ministro promete agora, "o número de isentos das taxas moderadoras vai reduzir-se, além de que o próprio regime de isenção, no que diz respeito ao cálculo do valor do rendimento familiar também foi alterado e é prejudicial aos agregados com menos rendimentos".
"Aumentando o valor da taxa para o dobro e aumentando o número dos que vão ter de pagar por perderem a isenção, inevitavelmente haverá pessoas que ficam excluídas do acesso aos serviços de saúde", prevê João Semedo.
Para médico e deputado do Bloco de Esquerda, "o problema do SNS não é um problema de financiamento, ao contrário do que muita gente pensa e diz. É um problema de organização dos serviços. Se não tivermos uma rede mais operacional, que funcione melhor, com mais fácil acesso no domínio dos cuidados primários nos centros de saúde, muito dificilmente poderemos ter um funcionamento a nível hospitalar em melhores condições", conclui.
Entre os prós e os contras da decisão, entre as justificações de uns e a visão de outros há uma coisa que é clara: a saúde passará a ser mais cara logo no primeiro dia de Janeiro de 2012. 

Médicos prometem não trabalhar em horas extra
Médicos prometem não fazer horas extra


2012 promete não ser um ano fácil para a saúde dos português: as urgências podem entrar em colapso se médicos recusarem horas extra.
A Troika já tinha imposto um corte de pelo menos 20% no custo das horas extraordinárias a partir de 2012. O Orçamento de Estado aprovado foi mais longe e corta quase pela metade a remuneração do trabalho extra dos médicos. Os dois sindicatos que representam os médicos, num comunicado conjunto, poderão recusar a prestação de todo e qualquer serviço extraordinário. Lembram que os Hospitais não têm qualquer hipótese de funcionar sem que os médicos prestem um número muito significativo de horas extras. Não será difícil imaginar que, a acontecer, as urgências podem entrar em colapso.

Paulo Jorge Oliveira

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