De que valeu esta Greve?

Impressões Digitais by Paulo Jorge Oliveira
De que valeu esta Greve?



Esta foi a sétima greve geral convocada em Portugal desde o 25 de abril de 1974, a terceira convocada em conjunto por CGTP e UGT e a segunda no espaço de um ano. E não será por acaso que se realiza nova greve geral em tão curto espaço de tempo.O país enfrenta uma das maiores crises que há memória [viva] em Portugal. E a crise está longe, muito longe, de ser apenas financeira ou política. O direito a fazer greve é, por isso, justificável.


Os trabalhadores têm razão para se inquietar. Por razões que não são facilmente compreensíveis, os direitos de alguns parecem mais sagrados do que os de outros. As empresas sentadas em cima de confortáveis PPP alegam os seus "direitos adquiridos" e, até agora, têm levado a melhor. Os senhores da energia continuam confortavelmente sentados nos seus "direitos adquiridos" contratuais. Outros exemplos existem. É caso para perguntar porque só os cidadãos pagam as transgressões orçamentais. Sobretudo quando aqueles que deles mais beneficiaram se colocam agora confortavelmente longe da factura. Mas fica a pergunta; de que serviu, na realidade, esta paralisação?
Ponto prévio. A greve não pode, em quaisquer circunstâncias, ser minimizada. É consequência de movimentações sociais de protesto legítimo num tempo de dificuldades à escala nacional e europeia. E deve conter a virtude de ser reflectida pelos políticos e os detentores dos interesses económicos a que estão subjugados. Por isso, os números apontados pelo Governo – de que só 3,6 por cento da população aderiu à greve – são um profundo disparate e uma provocação perigosa à massa trabalhadora – e pagadora de impostos – do país.
A greve, como alguém ontem disse numa televisão, é a “consciência geral de que a rua é o lugar adequado para protesto mas jamais pode substituir a legitimidade do poder democraticamente eleito”. As imagens, lamentáveis, do final do dia – em frente à Casa da Democracia – são por isso um rastilho perigoso do que não deve ser uma greve. Tal como os atentados “estúpidos e cobardes” às três repartições de finanças de Lisboa. Indignados ou não, há que manter “a luta com respeito”.
Mas se a greve é um direito; o trabalho também o é. Os piquetes de greve que lançam o medo em quem quer trabalhar é, sem dúvida, uma mancha que os dirigentes sindicais deviam acabar. Faz greve quem quer e trabalha quem quer.
A greve foi contra o "retrocesso civilizacional" das medidas do Governo e da troika, como diz Carvalho da Silva. Há, no entanto, um dado que os sindicatos não estão a medir: a tensão na Europa agravou-se mais no último mês que nos últimos 50 anos. O ritmo de ruptura entre a Alemanha, a França e o Reino Unido não tem precedentes. Os países do G20 (os mais ricos do Mundo) abandonaram a Europa e não estão a emprestar dinheiro. Os países mais endividados da Europa, entre os quais Portugal, correm mesmo o risco de falência sem terem quem os ajude. Queremos evitar isto?

Mas na verdade o resultado prático da greve é apenas “um dia sem receber salário”. O que fica é um, conjunto de imagens televisivas do dia, à porta de um Centro de Emprego fechado ou de uma unidade de saúde entupida e cuja paralisação é capaz de lhe atirar para as calendas gregas a consulta por que já aguarda há vários meses. Há os que queriam muito ir trabalhar mas estão impossibilitados de o fazer por falta de meios de transporte. 

A CGTP e a UGT estão reféns de um modelo de contestação que não inova desde o 25 de Abril de 1974. Um protesto que se traduz em parar pessoas, numa época dominada pelo desemprego e pela perda do subsídio de Natal, não deixa de ser irónico. Até porque há alternativas. Basta é haver vontade e ideias.
Seria interessante, por exemplo, ver os professores em greve darem explicações aos alunos que quisessem estar com eles, convidando-os a trazer refeições ligeiras para a escola, e assim zelarem pela segurança das crianças e adolescentes que ficaram na rua.
Os médicos e os enfermeiros poderiam "ocupar" os centros de saúde e hospitais, recebendo pacientes fora dos consultórios, falando com eles, atendendo aos casos mais graves. E, claro, que não desmarcassem as cirurgias que demoraram meses e calharam no dia de greve.
Os trabalhadores dos transportes poderiam fazer apenas metade dos transportes previstos nas horas de ponta e confraternizar com os seus utentes, não lhes cobrando bilhetes e explicando as suas medidas para salvar as empresas cada vez mais endividadas.
Nas empresas privadas ou nas autarquias, as pessoas poderiam trabalhar menos umas horas, mas aproveitarem para fazer uma reunião geral de ideias sobre coisas a mudar face àquilo que considerem ser a injusta repartição dos sacrifícios. E uma lista de ideias ou acções práticas para tornar a sua empresa – e a sua autarquia – mais competitiva.
Nos tribunais valeria a pena reflectir sobre quantos meses/anos esperaram as pessoas que hoje, dia de greve, vão ficar sem o julgamento ou audiência. É essencial mudar o mais inoperacional sistema do Estado.
Um dia de greve poderia ser também um momento de recolha de bens e partilha com quem não têm quase nada e tanto precisa. Será utopia, podem dizer, mas era capaz de surtir mais efeito cá e no mundo.
Objectivamente: quem esperamos que nos ouça por causa da greve? A senhora Merkel? Durão Barroso? A senhora FMI? Os mercados? Os mercados são milhões de decisores espalhados pelo Mundo a fazer opções financeiras em manada. Resultado prático da greve: os milhões de trabalhadores perderam um dia de salário e o anúncio de que a agência financeira Fitch tomou a iniciativa de atirar Portugal para a classificação de lixo.



Paulo Jorge Oliveira
agencianoticias.adn@gmail.com 
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