Onde está a esperança?


Impressões Digitais by Paulo Jorge Oliveira


Onde está a esperança?

Se há (tem de haver) vida para além do défice, seja ele qual for, também há muito Portugal para além do PIB (produto interno bruto), tenha ele o montante que tiver. Para melhor compreender esta declaração solene de abertura das Impressões Digitais desta semana, tenho de convocar para aqui o engenheiro António Guterres e a sua famosa "gaffe", do é só fazer as contas.

Não sei, nem me interessa muito saber, quanto deve Portugal aos mercados da moda. Quem morrer de interesse por saber tal número com precisão irrepreensível... É só fazer as contas. Nos dias que correm interessa-me é saber se existe um país para além do défice e quanto valem os portugueses para além dos números frios do PIB. E valem muito…
Lembrei-me disto, quando vi num dos nossos canais de notícias uma entrevista feita a um dos manifestantes que desfilava em Lisboa no dia da greve geral.





Citando de memória esse manifestante, com idade aparente entre os 30 e os 40 anos (e muito bom corpo para trabalhar) pude assistir a eloquentes tiradas (sempre sem abrandar o passo manifestante, como se tivesse pressa para fazer alguma coisa) do estilo: não se pode viver neste país miserável; vou-me embora daqui e só vim cá para me despedir; nunca votei e tenho vergonha de ser português.
O que me apeteceu de imediato foi gritar-lhe, "adeus ó vai-te embora", porque não é destes portugueses que o país precisa e parece-me seguro que não será com gente desta que sairemos do fosso em que nos atulhámos (ou nos atulharam).
Não esqueço que o desemprego está a atingir números aflitivos, mas este episódio ajuda-me a pensar que também há muita gente sem vontade de trabalhar e a pensar que o país deve estar mobilizado para acudir a todas as suas necessidades. Não pode! O Estado deixou de ter dinheiro para isso.
Devemos até dizer que quanto mais difícil for a nossa situação económico-financeira menos precisamos de gente inútil como esta. Se foi a pensar neste jovem (atenção que um jovem português hoje é até sair de casa da mamã, o que pode durar até aos 40 ou mais, dependendo da saúde da senhora...) o secretário de Estado que incentivou a juventude a "pôr-se na alheta", não estava totalmente desprovido de oportunidade.
De uma coisa estou inteiramente convencido, por mais depressa que o referido manifestante se transporte para o resto do mundo, não vai ser ele o próximo português a brilhar na CNN.


Voltando aos números, sabemos que o Orçamento infernal que nos foi apresentado traz ameaças e medos. A ameaça da bancarrota, da própria implosão do Estado, da impossibilidade de pagar os ordenados e por aí fora, numa espiral de violência que atira a maioria das famílias para o território das preocupações obsessivas e da miséria. E medo. Medo de perder o emprego, de não poder pagar a casa, de não poder alimentar os filhos.
Este Orçamento é dizer ao doente que as dolorosas sessões de quimioterapia são feitas porque não há outro caminho, mas que não se conhece uma única porta para que, depois, haja um sinal de luz. É um bom debate sobre culpados que, na triste tradição portuguesa, acabarão por não ser responsabilizados por nada.
Porém, o pior drama deste Orçamento é ser um fatalismo. Não há alternativa. Não há escolha, a não ser a loucura de muitos políticos portugueses que propõem fazer loucuras ainda maiores para que as crianças deste “velho país” vivam ainda pior.
Não há alternativa, dizem os entendidos em finanças. É porque não há, acredito eu, que nada sei de finanças. Contudo, há uma coisa que sei. Nenhum cidadão, nenhuma família, nenhuma comunidade consegue viver sem esperança. A substância ética do trabalho, da responsabilidade, do compromisso comum inscreve a ideia de esperança. O direito à esperança não tem as páginas do ‘deve e do haver'. Sobrevive-lhe e supera os dramas contabilísticos. E até os reconhece, desde que a esperança persista intocável.
E agora não há escolha.
A Europa vai mudar na cimeira que está a decorrer. Será pior? Será melhor? De uma coisa já sabemos, ou o ministro Álvaro, o primeiro-ministro ou o Presidente da República nos entregam um caminho de esperança, por mais ínfimo e estreito que seja, ou pior do que um país arruinado será um país mal-amado até à dor de alma e com muitos jovens a dizer aquilo que aquele “infeliz” manifestante do 24 de Novembro disse.
Bem ao contrário, o que me apetece é ser o eco dos portugueses e das portuguesas que são assunto no mundo pelas melhores razões. Por saber fazer muito bem as "contas". É o caso de Irene Fonseca. A Irene foi eleita para presidir à mais importante Organização de Matemática no Mundo. Ficam desde já o FMI e a União Europeia a saber que contas é connosco.

Mas pegando em notícias animadoras, podia falar da “excelência” de termos no Parlamento Europeu duas das melhores deputadas. Maria da Graça Carvalho (PSD) e Marisa Matias (BE) foram consideradas as melhores eurodeputadas na área da saúde (a bloquista) e da investigação e inovação (a social-democrata). Também a eurodeputada social-democrata Regina Bastos estava entre as finalistas, na categoria do Emprego e Assuntos Sociais. Alguém se sente motivado a seguir-lhes o exemplo ou vai prevalecer o gosto por desvalorizar os feitos do que é nosso? São duas mulheres da política que, numa Europa quase sem rumo, mostram saber e iniciativa. É de políticos assim que o país precisa para se reerguer.
Mudando de área sem mudar de “boas notícias”, podia destacar a portuguesa Sandra Correia, 40 anos, presidente executiva da empresa algarvia de cortiça Pelcor, venceu o Troféu de Melhor Empresária da Europa 2011, atribuído pelo Parlamento Europeu e Conselho Europeu das Mulheres Empresárias. Exemplos, tão simples, que mostram que somos capazes.

Claro que podia também falar do fado, que acaba de ser distinguido como Património Cultural da Humanidade e dizer, simplesmente, aquilo que Amália um dia cantou. “Numa casa portuguesa fica bem, pão e vinho sobre a mesa. E se à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa co'a gente. Fica bem esta franqueza, fica bem, que o povo nunca desmente. A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar, e ficar contente”.


Paulo Jorge Oliveira
agencianoticias.adn@gmail.com 
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