Impressões Digitais por Paulo Jorge Oliveira

O país onde morrem bombeiros anónimos
Dentro de dias a voracidade mediática fará esquecer os nomes de António Ferreira, Pedro Rodrigues, Ana Rita, Cátia Dias, Bernardo Figueiredo, Daniel Falcão, Fernando Reis e Bernardo Cardoso. Eram bombeiros e morreram a defender das chamas as florestas que os privados e o Estado negligenciam ano após ano. Pagaram um preço demasiado alto só para defender algumas árvores. As famílias vão receber pouco mais de 100 mil euros, o valor que o seguro estipula para uma vida. Nada mais...


Na Imprensa, os estudiosos da complexa problemática dos fogos, os especialistas de ocasião ou os oportunistas da situação vão esgrimir argumentos na tentativa de encontrar explicações para tantos mortos e feridos na campanha de incêndios deste ano, que ainda nem sequer chegou ao fim. Já muitos falaram da formação (ou da falta dela). Parece que tem melhorado. Só faltava que nesse campo tivesse havido um retrocesso. Mas também é certo que dar formação, só por si, pode não ser suficiente. Domingos Xavier Viegas, um dos maiores estudiosos do tema - e formador na Escola Nacional de Bombeiros - revelou que as aulas sobre o comportamento do fogo, por exemplo, foram reduzidas para menos de metade desde 2010. A explicação é óbvia: falta dinheiro, corta-se no número de aulas, fragiliza-se a formação. E as verbas não escasseiam apenas para a valorização profissional dos voluntários. Em época de crise poupa-se no equipamento, aligeira-se a segurança e, portanto, potencia-se o risco de homens, mulheres e meios. Estas são fragilidades incontornáveis, mas não se pense que tudo seria simples com mais aulas e equipamentos mais eficazes.
Parte significativa da floresta portuguesa está ao abandono e é desorganizada. O interior desertifica-se e a agricultura é largada. Sem agricultura também a floresta fica mais desprotegida. Sem vigilância, reduz-se a hipótese de combate ao fogo nascente, aumentando o risco de descontrolo das chamas. Como ninguém abre acessos, sobram os caminhos de cabras que, quando as labaredas se descontrolam, encurralam bombeiros em labirintos de fogo e obrigam as viaturas a manobras impossíveis que se têm mostrado tantas vezes fatais. Se a estas circunstâncias juntarmos condições climatéricas extraordinárias e a paranóia maldosa de muitos incendiários temos uma bomba altamente perigosa que, quase sempre, rebenta nas mãos dos bombeiros. E que este Verão já levou seis homens e duas mulheres.
É, por tudo isto, inevitável responsabilizar a classe política pelo estado a que chegou a nossa floresta. A defesa daquela que é uma das maiores riquezas naturais de Portugal exige medidas corajosas. Não é mais possível que o país fique refém das políticas de prevenção e combate aos fogos que, não raramente, escondem negociatas pouco claras.
Tal como não é aceitável que os palácios de Belém e São Bento só se tenham lembrado de homenagear os bombeiros mortos e feridos já no fim de Agosto. É certo que Miguel Macedo foi a todos os funerais mas é pouco. Os chefes da nação deviam ter outras palavras e, sobretudo, outras atitudes para com quem morreu ou com quem está ferido.
Lá onde se luta. Lá onde se morre. Lá onde ardem casas, árvores e homens merecia outra atenção do país, dos governantes e da sociedade. Triste país este em que os seus mais altos responsáveis não choram sequer quem, com a vida, o defende. Ora isto não é Portugal. Os portugueses não são isto.

Veja a fotoreporgem A dura vida dos bombeiros no verão





Paulo Jorge Oliveira
Director da ADN – Agência de Notícias 

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