Lisboa empurra contentores para Margem Sul


 Câmara de Almada ameaça com tribunais

A presidente da Câmara de Almada, Maria Emília Sousa, condenou na passada sexta-feira a intenção do Governo de criar um terminal de contentores na Trafaria, em Almada, considerando que, a avançar, será um “gravíssimo crime ambiental de lesa-pátria”. A autarca promete contestar o projecto em tribunal. O presidente da junta local quer “travar decisão” enquanto alguma franja da população aplaude a iniciativa. Pelo lado partidário, os deputados do PSD do distrito estão preocupados com a situação e dizem que há “situações que precisam de ser acauteladas”. E o Bloco de Esquerda local já disse que está “contra” a deslocalização dos contentores. Segundo a concelhia de Almada, a Trafaria “não precisa de ser transformada num terminal de contentores! Com silos e contentores, quem perde é a população da Trafaria”.

Governo quer mudar contentores de Lisboa para o lado sul do Tejo  

“O modelo de desenvolvimento para o concelho está há muito definido, e este megaterminal de contentores esmaga completamente as nossas perspectivas de desenvolvimento”, disse a chefe do executivo de Almada.
Maria Emília de Sousa critica o plano de construir um “porto de Singapura à portuguesa”, que terá “consequências gravíssimas” a nível ambiental.
O plano do Governo, apresentado nesta sexta-feira, visa a reestruturação do porto de Lisboa. Um dos projectos previstos é a criação do terminal de contentores na Trafaria, que representará um investimento de 600 milhões de euros e será concessionado a privados. Numa primeira fase, o novo terminal terá capacidade para um milhão de TEU, e cada TEU equivale a um contentor com seis metros. Mas prevê-se que possa alcançar os dois milhões.
“Vai ser ocupado o plano de água e um pedaço de terra na ordem dos 300 hectares”, disse a autarca. Para o escoamento das mercadorias para sul, está prevista a construção de uma linha de caminho-de-ferro com ligação ao Poceirão. “Os comboios vão passar por zonas de vales, devastando um património de fauna e flora de grande riqueza e comprometendo um território em que a riqueza ambiental é enorme e com potencial extraordinário para o desenvolvimento do turismo”, afirmou.

As maiores dúvidas do projecto
Este projecto não é, porém, uma novidade. Estava já previsto no projecto de revisão Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROT-AML), no qual eram traçadas as linhas para o desenvolvimento futuro da região de Lisboa, mas que foi anulado no Verão passado pelo ex-secretário de Estado do Ambiente, Pedro Afonso de Paulo.
Esse documento previa também a construção da terceira travessia sobre o Tejo (TTT), que seria, de resto, utilizada para escoar as mercadorias do terminal de contentores da Trafaria. O Governo abandonou a ideia de avançar com a TTT, mas não recuou na intenção de construir o terminal. Agora, “ninguém sabe como é que vai ser feito o atravessamento das mercadorias para norte, na direcção de Lisboa”, diz Maria Emília Sousa.
Essa é também uma preocupação do presidente da Câmara de Lisboa, António Costa. “A questão do escoamento das mercadorias da margem sul para a norte é uma questão absolutamente crucial. Ouvimos o secretário de Estado [Sérgio Monteiro] dizer que será privilegiada a ferrovia, mas tudo isso suscita muitas interrogações que terão de ser esclarecidas”, disse, nesta sexta-feira, à Lusa.

Junta e população com vontades diferentes 
Álvaro Santos Pereira quer porto "moderno" na Trafaria 

Caso o terminal de contentores avance na Trafaria, a autarca de Almada promete recorrer “a todas as instâncias de Justiça, podendo ir mesmo até ao Tribunal Europeu”, afirmou. Também a presidente da Junta de Freguesia da Trafaria, Francisca Parreira, eleito pelo PS, promete levar a cabo “todas as iniciativas e acções de luta necessárias para travar” este projecto.
“Entendemos que este investimento prejudica em definitivo o desenvolvimento sustentado da Trafaria”, afirma a presidente da junta, que fala também num “atentado ambiental” à freguesia.
No entanto, este sentimento não é o mesmo da população. "Se for para o bem da população, o novo terminal é bem-vindo, mas, como já estamos habituados a não ser beneficiados, depende. Estamos todos de acordo em sair daqui, pois o bairro está péssimo", disse à agência Lusa Rogério Nazaré.
O presidente da Associação de Moradores do Bairro 2º Torrão deixou críticas à presidente da Câmara de Almada, Maria Emília de Sousa, referindo que não tem feito nada pelos moradores do bairro, que fica junto ao local onde vai ser construído o novo terminal de contentores.
"Acho graça quando a presidente da Câmara diz que vão estragar o património, quando não faz nada pelas pessoas que vivem cá. Nós, que sempre fomos penalizados, estamos de acordo com o terminal, pois é a forma de conseguirmos sair daqui o mais rápido possível", defendeu o morador.

Deputados do PSD eleitos por Setúbal preocupados
Os planos do Governo deixaram igualmente preocupados os deputados do PSD eleitos por Setúbal, que solicitaram já uma reunião urgente ao secretário de Estado dos Transportes, referindo que existem questões que devem ser acauteladas.
“Este é um plano estruturante e importante para a economia do país e para o aumentar das exportações, mas queremos ver algumas questões acauteladas e por isso pedimos já uma reunião com o secretário de Estado dos Transportes”, disse à Lusa o deputado Bruno Vitorino. O deputado social-democrata defendeu que o plano não pode ficar pela ideia de “limpar os contentores de Lisboa e colocá-los na Margem Sul”.
“Pelas conversas que já tivemos não nos parece que seja essa a ideia do Governo, mas queremos isto preto no branco e com garantias”, defendeu Bruno Vitorino.

BE Almada frontalmente “contra”
Também o Bloco de Esquerda está preocupado com aquilo que vai ser feito na Trafaria.
“O Bloco de Esquerda não concorda com a construção de um terminal de contentores na Trafaria, e há anos que vem reivindicando o encerramento dos silos ali existentes (que são há muitos anos uma fonte de poeiras e ruídos que trazem problemas alérgicos e de respiração a muitas pessoas, causando problemas de saúde cujos custos não podem ser esquecidos, e provocando a destruição da praia e da paisagem”, afirma Joana Mortágua, coordenadora do Bloco em Almada, numa nota enviada à imprensa.
De acordo com o Bloco de Esquerda, “a Trafaria é uma freguesia com um enorme potencial, dotada de inúmeras valências, quer ao nível das suas praias, fauna e outros recursos naturais, quer no simples facto de se encontrar localizada numa zona privilegiada. Estes recursos estão totalmente desaproveitados, e isso é visível pelo abandono, quer dos Fortes localizados na Freguesia, quer do seu porto, o que em muito se deve ao facto do mesmo ser controlado pela Administração do Porto de Lisboa. Também os dois bairros residenciais (conhecidos por Bairros do 1.º Torrão e do 2.º Torrão), onde habitam mais de 40 famílias há quase 40 anos, e que se encontram em terrenos de domínio público sob jurisdição da APL, se encontram em condições bastante degradadas, e cuja situação urge resolver”, acrescenta a Coordenadora do Bloco no concelho.
A Concelhia de Almada do BE frisa ainda que a “Trafaria precisa de ser requalificada tendo em conta as suas vastas potencialidades, e impedindo que a Freguesia perca população”. “Não precisa de ser transformada num terminal de contentores! Com silos e contentores, quem perde é a população da Trafaria”, afirma Joana Mortágua.


Agência de Notícias

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