Críticas Soltas por Joana Teófilo Oliveira


Os ensinamentos de Eça de Queiroz

A história tem manias esquisitas. Uma das principais é teimar em repetir-se. O Portugal de 1890, triste, pobre, inculto, endividado e politicamente degradado, alimentava sonhos demenciais de grandeza cor-de-rosa. Sem meios militares, sem meios financeiros, sem população que sequer lhe alimentasse a quimera, sonhou juntar Angola à Contra-costa e pintar dessa cor o mapa do seu fantasioso futuro.


José Sócrates, o nosso eis-primeiro-mais-que-tudo, intérprete aggiornato de uma espécie de segundo rotativismo português, também sonhou um país cor-de-rosa. Sem dinheiro a que pudesse chamar seu, sem um povo a que pudesse chamar educado, sem uma justiça que o não envergonhasse, sonhou amanhãs que cantam feitos de torres eólicas, de choques tecnológicos, de TGV's, Aeroportos em Beja, Alcochete e sei lá mais onde, e de milagrosos computadores azuis [minúsculos] distribuídos a torto e a direito.
A deriva de 1890 acabou como se sabe. A velha Inglaterra, fidelíssima protectora do Reino, falou grosso e o Governo de José Luciano pôs o rabo, ou melhor o mapa, entre as pernas. Daí ao apodrecimento final do regime foi um tirinho. Infelizmente, foi-o, como se viu, no sentido literal do termo.
A deriva cor-de-rosa de José Sócrates acabou, mais ou menos, da mesma maneira. Agora é outra era e entrou Pedro Passos Coelho que do cenário cor-de-rosa, partiu para um cor-de-laranja doentio e negro. Baseado em cortes, austeridades e outras coisas ainda mais terríveis.
A potência protectora é hoje outra mas voltou a falar grosso. A ordem, humilhante mas sensata, para que a piolheira se deixe governar é acatada com igual afinco. E daqui até à derrocada fatal pode ser que também não falte muito. Tanto mais que, no seu estertor final, o regime (de que o PSD sempre foi e continua a ser um importante pilar) persiste na sua suicidária caminhada. Tal como em 1890, metemos, uma vez mais, o rabo, neste caso as ordens da Troika, entre as pernas. Mas, e este é o verdadeiro drama, em 2011, fizemos questão de o fazer da pior maneira. Faz hoje um ano!
De facto, o ultimato do século XXI cumpre-se castigando os pacóvios do costume. Em vez de aproveitar o humilhante ensejo para, culpando a odiosa Europa, tirar da gaveta as já tão estafadas (de tão prometidas) reformas estruturais e tratar de controlar a despesa pública, optou-se, mais uma vez, por adiar o problema. É bem verdade que, a muito custo, lá se cuidou (provisoriamente) do que resta das nossas finanças. Mas não é menos verdade que, assobiando para o lado, regeneradores e progressistas, perdão, PS, PSD e CDS-PP, lá enterraram, mais ainda, o que resta da nossa economia.
Estamos mais pobres, há mais desempregados, os bancos estão secos, vendemos [a preço de saldo] os nossos anéis à República Popular da China e a outros novos-ricos, ouvimos os senhores da Troika a dizer que o povo ainda não está bem chulado e, por isso, é preciso roubar mais! Em trabalho, em impostos, em feriados que são históricos, em férias que merecemos ter, em vida... e por cá os nossos lideres dizem “ámen”.  
Nada disto é grande augúrio para a saúde do regime. Mas estes senhores acham que sim, que é...
Era Eça de Queiroz quem dizia, em 1872 que “nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento de caracteres, mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se a par, a Grécia e Portugal”. E pronto,  isto foi dito e escrito em 1872 e... não tenho queda, e muito menos arte, para tão definitivas declarações. Mas que isto se arrisca a acabar também muito mal, lá isso arrisca. Resta-nos aprender com as palavras do Eça. Mas será que vamos a  tempo?

Joana Teófilo Oliveira
Estudante de Ciências da Educação
Quinta do Anjo 

O homem que não aceita crítica não é verdadeiramente grande. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. Outras irónicas. Tantas vezes desiludida e incompreendida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. O tom das Críticas Soltas às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se quiserem, a irritação perante a vida, a política, a sociedade… o mundo, enfim. À sexta-feira por Joana Teófilo Oliveira para o ADN. 

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