Em Reportagem: Menos comboios em Setúbal

“O comboio já não passa aqui”

Desde domingo passado que os comboios regionais deixaram de circular a sul de Setúbal e que o intercidades com ligação a Faro deixou de parar na capital de distrito e em Alcácer do Sal. A onda de protesto chegou às câmaras municipais que prometem “endurecer” a luta e à Assembleia da República onde “Os Verdes” classificam a decisão da CP de “inaceitável e incompreensível”. O PCP quer, com carácter de urgência a presença do secretário de Estado dos Transportes na comissão parlamentar de Economia para explicar as reformulações nos transportes. Por parte do Governo, até hoje, nem uma palavra a explicar o assunto.

Comboios deixam de passar em Alcácer do Sal 

Os oito comboios regionais diários entre Setúbal e Tunes foram todos suprimidos. É uma decisão que vem trazer consequências incontornáveis às populações com destino ou origem nas estações ou apeadeiros de Setúbal, Setúbal-Quebedo, Praias Sado, Mouriscas Sado, Monte NovoPalma, Alcácer do Sal, Grândola, Canal Caveira, Azinheira dos Barros, Lousal, Ermidas, Alvalade, Funcheira, AmoreirasOdemira, Luzianes, Santa ClaraSabóia, Pereiras, S. Marcos, Messines e Tunes. Refira-se que os comboios regionais desta linha começaram por ser directos do Barreiro para Faro, mas a empresa encurtou o trajecto. Setúbal fica sem comboios para o Alentejo e para o Algarve, quebrando uma prática de 122 anos em que a cidade sempre teve ligações directas para sul. A CP desqualifica a capital de distrito, deixando-a apenas com comboios suburbanos. 
Heloísa Apolónia do Partido Ecologista “Os Verdes”, esteve na segunda-feira em Setúbal, e explicou à comunicação social que é preciso lutar “de imediato para aquela que foi já uma decisão da CP, eliminando o serviço regional para o Algarve, o que é inacreditável e deixa uma série de localidades desprovidas de transporte ferroviário”, lembrando que “primeiro começaram por suprimir o regional do Barreiro, passando para o Pinhal Novo, depois deixou o Pinhal Novo, passou para Setúbal ou seja: foram encurtando este serviço regional para o Algarve para agora determinarem a sua eliminação”.
Para Heloísa Apolónia, a eliminação deste serviço é “bastante preocupante”. Tal como preocupante é o abandono da passagem do intercidades por Setúbal, salientando a deputada da nação que “não estamos a falar de uma cidade qualquer. Estamos a falar de uma cidade que já vai para cerca de 130 mil habitantes, uma cidade capital de distrito que ficará sem ligação ferroviária ao Algarve e isto é extraordinariamente preocupante”.
A deputada disse ainda que a CP, ao contrário que tornou público, nunca terá avisado as autarquias do que planeava fazer. A CP, disse Heloísa Apolónia, “não teve a dignidade de informar ou reunir e ouvir a opinião das autarquias relativamente a esta matéria” e adiantou que “ainda esta semana entrará na Assembleia um Projecto de Resolução de "Os Verdes", sobre a questão do intercidades de Setúbal e sobre a ligação do regional e a ligação ao Algarve, no sentido de obrigar a Assembleia da República e os Grupos Parlamentares a discutirem esta matéria e a posicionarem-se sobre ela e julgamos que se deve criar um grande movimento, uma grande pressão, junto da CP e do Ministério da Economia para que esta matéria volte atrás, uma vez que é inadmissível que o transporte ferroviário seja erradicado desta forma da cidade de Setúbal”.

Comunistas querem ouvir governo
Heloísa Apolónia (na imagem) e o PCP querem ministro no Parlamento


Também o PCP já veio a público falar do assunto. E numa conferência de imprensa na sede do partido, na cidade de Setúbal, os comunistas pediram com carácter de urgência a presença do secretário de Estado dos Transportes na comissão parlamentar de Economia para explicar as reformulações nos transportes, depois das alterações de horários e eliminação de comboios anunciadas pela CP.
O deputado comunista Bruno Dias sublinhou, no requerimento apresentado, que o PCP já tinha pedido a presença do Governo, Junta Metropolitana de Lisboa e estruturas representativas dos utentes e dos trabalhadores em Novembro, mas as audições foram chumbadas pelo PSD e CDS, que alegaram que está em causa apenas um estudo.  “Como se vê no caso da CP, essa argumentação está ultrapassada pelos acontecimentos”, argumentou o deputado.
O PCP refere que a CP anunciou alterações, que entraram em vigor no dia 11 de Dezembro, que eliminam todos os comboios regionais da linha do Sul, acabam com a passagem e paragem dos comboios Intercidades em Setúbal e Alcácer do Sal, além de “alterações significativas nas linhas de Sintra, Cintura e Azambuja”. Trata-se afinal, diz Bruno Dias, “do plano de reformulação dos transportes que o Governo afirmou reiteradamente como sendo apenas um estudo”.
O PCP não entende esta decisão da CP e classifica-a de absurda. “Quando todos sabemos que a remodelação da estação de Setúbal, que incluiu linhas de passagem para comboios de longo curso e que orçou em 14,4 milhões de euros, terminou em Junho deste ano, malbaratando assim este investimento”, refere o PCP.
Além do secretário de Estado das Obras Públicas e Transportes, o PCP quer que sejam ouvidos a Junta Metropolitana de Lisboa, organizações representativas dos trabalhadores das empresas Carris, CP, Metropolitano de Lisboa, Transtejo e Soflusa e as comissões de utentes dos transportes da Área Metropolitana de Lisboa.

 

Setúbal quer abaixo-assinado
Presidente da CM Setúbal quer Intercidades de volta à cidade


Maria das Dores Meira, presidente da Câmara de Setúbal, deu conta da moção (sobre esta matéria) aprovada na última sessão de câmara, “assim como de uma reunião que eu já fiz com a administração da CP, na passada sexta-feira”, durante a qual, revelou a presidente, aquela empresa “invoca questões economicistas, tal como nós prevíamos, e dizem que a supressão deste percurso vai poupar à CP cerca de dois milhões de euros/ano”. A presidente referiu ainda que, neste caso, “estamos a falar de cerca de 4 a 5 mil de utentes/ano, que utilizam esta linha e portanto nós perguntamos onde é que está a competitividade? Porque é isso que invocam…”.
Referindo o facto da supressão destas ligações estar a “tirar importância a uma capital de distrito e centralidade a uma cidade com mais de 120 mil habitantes, para levar 4 a 5 mil habitantes a andarem para trás para apanhar um comboio que, legitimamente, deveriam parar em Setúbal”. A presidente disse que “para já está constituída uma comissão de trabalho, entre a Câmara Municipal e a Comissão de Utentes, vamos rapidamente encetar contactos com a Câmara de Alcácer, que também já levou uma moção a sessão municipal, para além de contactos a efectuar com os meus colegas das outras autarquias, de forma a fazer um grande abaixo-assinado que iremos entregar ao senhor ministro da Economia que, com toda a certeza, tem grandes responsabilidades sobre a autorização que deu a CP para a supressão da via”.
A autarca confirmou uma reunião com a CP onde o executivo de Setúbal propôs que a empresa voltasse a repor “o funcionamento do intercidades e do regional. Aqui não há alternativas porque, em Alcácer, por exemplo, mesmo que tirassem o intercidades – e estamos a falar de 16 ou 17 mil pessoas – pelo menos que haja o regional, um de manhã e outro ao final do dia e em relação a Setúbal estamos a falar de 120 mil habitantes… portanto isto não há alternativa!”, disse Maria das Dores Meira.

Alcácer do Sal fica sem comboio nenhum

O presidente da Câmara de Alcácer do Sal, Pedro Paredes (PS) também promete “luta cerrada” à decisão da CP e está ao lado da presidente da autarquia de Setúbal, eleita pela CDU. “Não há partidos nestas coisas; aqui há o interesse das populações que vivem longe dos grandes centros", disse Pedro Paredes. "Se ganharmos escala neste movimento cívico de descontentamento, ordeiro e pacífico, mas com uma convicção muito forte, obviamente que é mais fácil chegarmos à tutela", defende o autarca.

Alentejo fica sem comboio regional  com ligação a Faro e Setúbal
Pedro Paredes falava após uma manifestação de cerca de uma centena de pessoas junto à estação ferroviária de Alcácer do Sal, onde já não pára nenhum comboio. "É importante que a administração da CP e o Ministério dos Transportes e Comunicações saibam que há gente que não tem carro. Isto é espantoso. Suponho que no Terreiro do Paço ninguém se apercebeu disso, mas há pessoas que vivem no Alentejo e que não têm carro", disse. "São pessoas que precisam do comboio. Precisam de solidariedade. Precisam que também se pense nelas", acrescentou.
Pedro Paredes lamentou ainda que a CP não tivesse revelado a intenção de eliminar todos os comboios na estação de Alcácer do Sal, aquando da construção da nova variante, por onde já circulam os comboios intercidades. "Quando se fez a variante que rouba alguns quilómetros ao circuito Lisboa/Faro, ficou combinado que aqui em Alcácer do Sal se mantinham, pelo menos, alguns serviços mínimos, que permitiam que se continuasse a viver nesta zona, para que não tivéssemos de ir todos viver para Setúbal ou Lisboa - para Setúbal já não dá, teria de ser mais para cima", ironizou.
A supressão do serviço regional de comboios da linha do Sul, bem como as alterações de percurso e de horários dos intercidades, motivou outro protesto que teve lugar esta segunda-feira, em Alcácer do Sal, mas também em Alvalade do Sado, no concelho de Santiago do Cacém, que também fica sem comboios, e que contou com a participação de cerca de 200 pessoas.

Comissão de trabalhadores teme despedimento

Para o membro da Comissão de Trabalhadores da CP, José Encarnação, “esta politica é uma forma de deixar que a CP preste um serviço público, destruindo a empresa”. A curto prazo é possível que a empresa “despeça entre 600 a 800 trabalhadores e, no Barreiro, está já previsto o encerramento das oficinas, o que irá levar a bastantes despedimentos e fala-se agora na possibilidade de despedimento colectivo”, concluiu o representante dos trabalhadores da CP que esteve na reunião com a deputada do PEV e da autarquia de Setúbal.


Paulo Jorge Oliveira 

Comentários