ARTESÃO REINVENTA PRESÉPIOS NO PINHAL NOVO


O fazedor de Presépios...

“Enquanto houver artesãos, esta arte há-de ser para toda a vida”, diz-nos o Almerindo Silva que, desde o Natal passado, reinventa presépios únicos, usando telhas e cabaças. Um trabalho precioso feito por um homem auto-didacta que se inspira no momento da criação e que se recusa a produzir duas peças iguais.




Reformado há dez anos, Almerindo nunca gostou de estar parado. “No princípio, entretive-me com uma horta. Hoje planto tudo o que a terra me queira dar”, conta. A arte artesã surgiu depois, muito devido ao incentivo da mulher Francisca que sempre soube do seu jeito e fascínio pelo artesanato de rua. “Comecei por fazer umas telhas que se venderam em menos de nada”, diz. Mais tarde, voltou-se para as cabaças que ele próprio cultiva e só depois começou a trabalhar presépios utilizando cabaças, gesso, madeira e telhas.
Em pouco tempo, vizinhos e amigos aperceberam-se do valor das suas peças e incentivaram-no a expor os seus trabalhos. Determinado, Almerindo Silva enviou uma carta ao departamento de Bibliotecas da Câmara Municipal de Palmela pedindo autorização para expor o seu trabalho na Biblioteca de Pinhal Novo. Após uma semana sem obter resposta, retorquiram já não haver espaço para exposições este ano.



“Nesta quadra o tema da guerra enquadra-se muito pouco”

Não satisfeito com a recusa, Almerindo decidiu ir àquela biblioteca inteirar-se da alegada falta de espaço e mais decepcionado ficou quando reparou que o que estava em exposição eram artigos referentes à guerra. “Como ex-combatente respeito muito o tema, só que nesta quadra enquadra-se muito pouco”, criticou o artesão-artista, natural de Santarém.
A viver no Pinhal Novo há dez anos, Almerindo define a sua arte como o prazer de inventar, “o facto de ter de puxar pelo raciocínio, ainda para mais aos 69 anos. É um exercício de memória”. E hoje os seus dias são passados na garagem a ouvir a rádio sintonizada no canal de fado. “Passo horas aqui sozinho e sinto um prazer enorme”, comenta.
           
“O cabeças”


Na altura em que era empresário na área do pronto-a-vestir em Lisboa, Almerindo fazia viagens de negócios por toda a Europa. Nas horas vagas, apanhava o metro para os centros artísticos de Londres e Paris e observava os artistas de rua colorir paisagens e esboçar rostos desconhecidos. “Não sentia necessidade de estar em qualquer outro lugar. Era uma coisa que me seduzia e que ainda hoje me absorve”, observa.
Aquela ideia de que a arte artesanal está condenada a desaparecer do nosso tecido cultural é contrariada pelo artesão que diz: “que enquanto houver artesãos, esta arte há-de ser para toda a vida”. Mas não como negócio: “ninguém pense usar esta arte para ganhar dinheiro pois a mão-de-obra inerente à peça nunca será recompensada”.
E neste contexto apenas a arte artesanal industrializada, “se é que se pode chamar a isso de artesanato”, questiona Almerindo, pode garantir alguma sustentabilidade financeira. “Mas isso é diferente”, refuta. “Nunca fiz duas peças iguais. É difícil fazer duas peças iguais”.
O seu processo de criação é fluido: “quando olho para uma cabaça não faço ideia nenhuma do que é que vai sair dali”. Filho de carpinteiro, surpreende-o hoje lembrar-se com maior precisão do nome de algumas ferramentas do que na época em que ainda era miúdo. Algumas delas foram inventadas pelo pai Manuel da Silva, conhecido como “o cabeças” porque fazia e inventava as suas ferramentas de trabalho.

A madrinha de guerra

Estávamos em 1962 quando Almerindo é mobilizado para o Ultramar, especificamente para Nambuangongo, em Angola. Destes tempos, o artesão não guarda boas memórias. “Foi uma altura muito má que nos marcou bastante. Era uma guerra sujíssima. Deixámos lá um cemitério bem composto”.
Posteriormente foi destacado para o sul de Angola, regressando depois em 1965, ano em que já namorava a mulher que conheceu no dia da referida mobilização. “A minha mulher entrou na estação do Pinhal Novo com os pais. Ao entrar no comboio escolhi o lugar com a vista mais bonita, à sua frente, e meti conversa com os pais que também iam sair em Estremoz. Quando chegámos pedi a um amigo para me levar os sacos para o quartel, sem saber onde ficava, para descobrir onde é que ela morava... Mais tarde, seria a minha madrinha de guerra”, rememora.

Viagem para Lisboa com 74 escudos no bolso

Estava já em Portugal quando, sem ter onde comer e dormir, pegou nas malas com 74 escudos no bolso e apanhou em Santarém o comboio para Lisboa. “Aterrei completamente à deriva. Comprei o Diário de Notícias para saber onde havia de dormir e no dia seguinte respondi a uma oferta de trabalho numa casa na Rua Augusta”. Depois de explicar a sua situação abertamente pois “quando as pessoas dizem a verdade chegam mais facilmente àquilo que querem atingir”, começou a trabalhar naquela alfaiataria no dia seguinte com um contrato de um conto e trezentos que nunca chegou a receber porque o seu patrão pagou-lhe logo mil e quinhentos ao fim do mês.
Nove anos mais tarde, na altura do 25 de Abril, surgiu a possibilidade de trabalhar numa outra casa de comércio na Avenida de Belém, em Benfica, a receber o dobro do que ganhava. Doze anos depois e com uma remuneração superior à do próprio patrão, Almerindo compra aquela casa e, pela primeira vez, torna-se proprietário de uma loja de pronto-a-vestir.
Mas o destino troca-lhe as voltas um banco se mostra interessado em comprar-lhe a casa. “Puseram as mãos em cima do balcão e disseram-me que queriam comprar a casa. Fomos tomar um café e ainda antes das chávenas chegarem à mesa já havíamos fechado negócio”, lembra-se divertido.
Passados sete meses sem exercer qualquer actividade, Almerindo compra uma nova loja onde vende produtos têxteis que ia buscar a Londres e Paris. Nestas metrópoles, encontravam-se facilmente tecidos orientais de qualidade a preços acessíveis, satisfazendo, na altura, milhares de clientes alfacinhas. Até ao dia em que foi inspeccionado pelas Finanças que deliberou por escrito um aumento do pagamento por conta. “Dei um murro no balcão e disse: a partir de hoje a casa está à venda”.
Com 58 anos, desfaz-se do negócio e aposenta-se, já com dois filhos crescidos. “Sou um felizardo e tenho que agradecer a Deus”, conclui.
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Ana Cristina Rodrigues 

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