Perfil: Jorge Caleira

Caleira e o canto dos canários

Chamavam-no “o puto meio maluco” pois, aos 22 anos, já tinha apreendido que a criação de pássaros não depende unicamente de uma carteira recheada mas de uma “certa sensibilidade”. Hoje, com 37, nada mudou.



Eram 10:30 da manhã quando o Novo Impacto se encontrou com o ornitólogo que concilia esta actividade com o trabalho na Faurecia, empresa fornecedora de assentos para automóvel. Os raios de sol amornavam as ruas toscas da zona antiga de Palmela e faziam esquecer a chegada do frio e dos dias sisudos. A caminho da casa do falecido avô, local onde abriga a”bicharada”, encontramos o tratador Avelino Silva que acaba de dar uma mãozinha na pintura das gaiolas: “se não fosse a ajuda deste senhor não conseguia manter este vício”.           
Entramos na casa e ainda cheira a tinta. É uma moradia antiga repleta de troféus que foi ganhando ao longo do percurso pela ornitologia, isto é, mostra de aves nas mais diversas classes.
Contrariamente a alguns criadores italianos que herdaram grandes canários, Caleira começou praticamente do zero. “O meu avô tinha alguns periquitos e dois casais de canários. Comecei por iniciativa própria, conhecendo pessoas influentes mas cedo me apercebi de que era preciso um suporte financeiro e uma grande disponibilidade para se atingir um bom nível, o que não tenho neste momento”, admite.

“O puto meio maluco”


Aos 22 anos, o hobby cresce com a criação de aves exóticas de pequeno porte. Era intitulado “o puto meio maluco" porque já tinha outra visão e gostava de qualidade e, em 1997, estreia-se com Bengalins do Japão e Diamantes-estrela no Distrital de Setúbal onde arrecadou 7 prémios, dos quais 4 primeiros.
Mas, com o passar dos anos, a ideia de criar exclusivamente canários torna-se mais aliciante, apesar de, em 2001, ter obtido a melhor vitória de sempre com exóticos: 5 medalhas no Campeonato do Mundo, em Santa Maria da Feira.

“Um trabalho de 48 horas”

Hoje confessa viver uma fase mais pacata, abdicando de participar em competições, apesar dos convites para o efeito. Apenas um objectivo: o de ganhar o campeonato mundial em brancos, os seus preferidos, que irá decorrer, em 2012, na França. "Será extremamente difícil. Vou competir sem a ilusão de que poderei ganhar medalhas", mentaliza-se.
Presentemente, abriga cerca de 16 casais de brancos e 5 de amarelos, mas chegou a ter 35 casais. “É um trabalho de 48 horas” e o facto de não competir tanto não significa que não tenha sempre tudo em ordem: “sou demasiado perfeccionista”. O sótão está artilhado de diversas tecnologias que proporcionam as melhores condições aos seus “hóspedes”, incluindo um rádio antigo que dá música aos canários.

A busca pela “quase” perfeição


Para se ser um bom criador, não conta apenas a vertente monetária. Fora a dedicação, é preciso desenvolver-se uma “certa sensibilidade” e “visão”. E depois, citando Mourinho, “a sorte também conta”, salienta.
Jorge Caleira é apologista dos produtos naturais, argumentando que “compensa comprar papas e rações de qualidade porque se poupa nos medicamentos mais tarde". Ainda assim, lamenta a falta de um sistema nacional de vacinação contra a varíola para canários o que evidencia “o atraso de Portugal comparativamente a alguns países europeus.”
Sócio dos Clubes Ornitológicos de Setúbal e Almada, Caleira explica que a procura pela perfeição nos concursos é grande, ainda que a mesma não exista. Daí que seja rara a atribuição de pontuações máximas que, por norma, variam entre 93 e 94%. “Não existem aves perfeitas, mas existem aves com uma boa plumagem”, referindo que os critérios de avaliação vão desde a postura à limpeza das penas e bico.

“Apanhar pássaros é coisa de primitivos”

Quanto às novas gerações, Caleira pede aos mais novos que respeitem a fauna silvestre: "se vão tanto à Internet, verão que apanhar pássaros no seu habitat é coisa de primitivos. Ao invés de destruírem as aves selvagens, espero que consigam ser criadores que dignifiquem o país e a região”.

Ana Cristina Rodrigues

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