Três décadas do Central: a viagem do miúdo de Trás-os-Montes que conquistou o Pinhal Novo

Rui Pinto: o jovem que queria um café e construiu um dos restaurantes mais importantes da vila 

Há 30 anos, a 25 de Novembro de 1995, abria discretamente as portas do Restaurante O Central, bem no coração do Pinhal Novo. Rui Pinto, então um jovem cheio de vontade e coragem, não imaginava que aquele espaço viria a transformar-se numa das histórias mais duradouras e queridas da restauração local. Hoje é um dos empresários mais antigos da vila e o rosto de uma casa que se confunde com a própria identidade da comunidade.
Rui Pinto com o filho mais novo à porta do restaurante Central 

Muito antes de conhecer o cheiro do peixe fresco da lota de Setúbal ou o aroma das carnes transmontanas que agora faz questão de servir, Rui já se fascinava pelos balcões. Em Trás-os-Montes, onde cresceu, adorava entrar nos cafés, mesmo sem saber fazer nada. Era a curiosidade de quem queria estar ali, atrás do balcão, a observar o movimento do mundo.
“Desde pequenino que adorava cafés”, recorda. “Gostava de ir para dentro dos cafés, não sabia fazer nada, mas gostava de estar lá dentro. Um dia disse que gostava de ter um café, gostava de trabalhar atrás de um balcão”.
A vida tratou de lhe dar essa oportunidade cedo demais. Aos 14 anos, deixava Bessa, em Boticas, distrito de Vila Real, para vir trabalhar para o Pinhal Novo, trazido pelo tio que lhe abriu as portas da restauração.
“Vim em Junho de 1984. Não sabia tirar café, não sabia o que era uma bifana, não sabia o que era servir à mesa. Simplesmente nada”, conta, entre gargalhadas, lembrando a inocência com que chegou.
O primeiro dia foi digno de filme: abriu um quilo inteiro de café e despejou-o no moinho, com receio de desperdiçar um único grão. Dias depois, serviria uma sapateira com manteiga num bloco gigante de “Planta”, acompanhado de uma faca de cortar carne. Quando o cliente pediu pacotes pequenos, respondeu com genuína ingenuidade:
“A minha mãe também tem pacotes mais pequenos!”.
A sala riu - não dele, mas com ele. E Rui, com humildade, foi aprender onde estavam os famosos pacotinhos.
E assim vieram outros episódios: o cliente que pediu uma bifana (“isso é o quê?”), a senhora grávida que pediu “um garoto” e o deixou perplexo (“mas a senhora já tem um garoto e quer outro?”).
“Os clientes começaram a achar piada e gostavam de mim. Eu não ficava triste porque era tão humilde que não saber não me tirava nada - só tinha que aprender”.

O nascimento do Central
Depois de oito anos a trabalhar com o tio e a aprender com cada erro, Rui sentiu que era altura de arriscar. Encontrou um espaço na Rua Padre José Estevens Dias, no centro do Pinhal Novo, e comprou-o. Era Novembro de 1995. Nascia o Restaurante O Central.
“Comprei este restaurante e olha… foi até hoje”. Três décadas depois, é uma das casas com gerência mais antiga da região.
 
A cozinha que honra as raízes e a terra

O Central rapidamente se tornou uma referência gastronómica. O peixe vem fresco da lota de Setúbal; as carnes chegam de Trás-os-Montes, como as que Rui provava em criança.
“Trabalhamos com carne barrosã, marronesa, vitela branca, porco preto. E todos os dias temos pratos diferentes”.
Mas há um símbolo que se tornou marca da casa: a Sopa Caramela, servida diariamente -  provavelmente o único restaurante do Pinhal Novo a fazê-lo.
“Somos confrades da Confraria da Sopa Caramela. Já ganhámos primeiros prémios. Aqui há sopa todos os dias, para comer ou para levar. É só ligar”.

Quando o amor chega num carro a fazer ‘rrrããhn’
Rui fala de amor com o mesmo brilho com que fala de trabalho. Lembra o dia em que reparou na mulher que viria a ser o seu grande apoio.
“Passava aqui uma menina, numa carrinha velha cheia de sucata. Eu ouvia as mudanças todas: rrrrrããhn! E pensava: como é que uma cara tão linda anda num carro tão velho?”.
Era o som metálico da carrinha que anunciava a sua chegada. Quando finalmente se conheceram, Rui percebeu a sorte que teve.
“Tive a felicidade de ela gostar de mim, que era muito pequeno, barrigudo…”.
E resume o resto com simplicidade:
“Desde aí nunca mais nos largámos. Tive o apoio dela sempre, sempre, sempre, sempre até hoje”.
É esse “sempre” repetido quatro vezes que mostra quanto amor também construiu o Central.

Uma família que cresceu entre mesas e tachos
A vida familiar cruzou-se inevitavelmente com o restaurante.
“Praticamente criei os meus filhos cá dentro”, diz com emoção. “O mais velho dormiu muitas sestinhas aqui. Chegava a casa muito tarde. Não pude dar um lar muito bom, mas lutei para que eles hoje estejam melhores”.
O filho mais novo confirma o orgulho: “Gosto muito da profissão do meu pai. Ele ajuda pessoas, vai às escolas, faz-me muitas surpresas”.

Três gerações de clientes, três décadas de histórias
O Central: tradição, família e sabor no coração do Pinhal Novo
Trinta anos depois, os clientes são famílias completas: pais, filhos e agora netos.
“São 30 anos… é muito ano. E ainda tenho clientes dos primeiros dias”.
Ao longo das décadas, o Central tornou-se cenário de celebrações comunitárias e datas especiais - Natal, Halloween, Dia dos Namorados, o Mercado Caramelo e as Festas do Pinhal Novo. Rui, a esposa e a equipa apoiam inúmeras associações locais e escolas, reforçando o papel do restaurante como extensão viva da comunidade.

Olhar para a frente com a mesma vontade de sempre
Com três décadas de trabalho, Rui não pensa abrandar. “Se tiver o apoio da minha esposa e se o meu filho quiser continuar a dar o melhor dele, terei gosto”.
O Central é mais do que um restaurante: é o sonho de um rapaz de 14 anos que entrou assustado numa cozinha e nunca mais saiu. É o retrato de uma família que cresceu entre tachos e fregueses. É um pedaço do Pinhal Novo com cheiro a peixe fresco, carne transmontana e sopa caramela.
Rui resume a essência de quem é: “Considero-me um ser humano humilde. Não muito simpático, talvez, mas é riso tímido de quem sabe que a sinceridade vale mais do que o charme. Cada um é aquilo que é”.
O restaurante é o reflexo deste espírito: simples, genuíno, teimosamente trabalhador e sempre pronto para servir mais um prato… ou mais uma história.

O agradecimento que vem do coração
Nada do que foi construído teria sido possível sem a equipa que, ao longo dos anos, deu vida ao Central. Rui deixa o seu tributo:
“A nossa equipa. À cozinheira, às colaboradoras e colaboradores de todos os setores, deixo o meu sincero e profundo agradecimento. Cada prato preparado, cada serviço, cada tarefa realizada com empenho contribuiu para que chegássemos até aqui”.
E acrescenta:
“A vossa confiança, amizade e presença constante são parte desta história e do sucesso do Central”.
No fundo, o Pinhal Novo ganhou também graças a eles porque são parte do ADN da terra e das suas gentes.

Agência de Notícias 
Fotografia: Paulo Jorge Oliveira/ADN

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