Cacilheiro vai ser atração em Veneza


Joana Vasconcelos transforma cacilheiro em obra de arte
A Transtejo vai ceder o navio “Trafaria Praia” a Joana Vasconcelos para representar Portugal na 55ª Exposição Internacional de Arte Bienal de Veneza que decorre de 1 de Junho a Novembro deste ano. O cacilheiro, construído na Alemanha, é de 1960 e navegou no Tejo durante 51 anos, até 2011. Encontrava-se parado no Seixal e aguardava decisão para possível venda. Num paralelismo entre o cacilheiro do Tejo e o vaporetto veneziano, Joana Vasconcelos idealizou uma obra de arte total.
Joana Vasconcelos recupera velho cacilheiro e leva-o para Veneza 

"O cacilheiro é o barco dos trabalhadores, o barco das pessoas, e é o meio de transporte que há mais tempo faz a união entre as duas margens do Tejo em Lisboa. Em Veneza o vaporetto tem a mesma função. Toda a gente o utiliza". É assim que Joana Vasconcelos explica a base conceptual que dá corpo ao projeto que idealizou para a Bienal de Veneza, o maior palco internacional das artes na Europa.
O trabalho que está a realizar tem ainda como ponto de partida o relacionamento histórico, tanto no que diz respeito ao passado, como no que se refere ao presente, entre as duas cidades e entre os dois países. "Como é que nós portugueses nos relacionamos com os italianos?", pergunta e responde: "No momento áureo dos Descobrimentos, quando abrimos as rotas marítimas, influenciámos o destino daquela cidade. O comércio que era feito por terra para Veneza passou a ter novos caminhos. A ligação histórica entre Lisboa e Veneza vem daí".
Mas não é só o passado que interessa a Joana Vasconcelos. "Veneza é o símbolo do encontro de culturas, a bienal, o mais antigo de todos os certames artísticos, é disso exemplo. Portugal também foi ao encontro de outras culturas no século XV, hoje fá-lo indo a Veneza", continua.

Levar Portugal na viagem
A ideia do multiculturalismo presente em todas as cidades portuárias é assim uma espécie de locomotiva que a artista quer levar a bordo do seu cacilheiro. Mas é a identidade nacional, de resto a temática central de toda a sua obra, que a artista faz questão de dar primazia no interior e no exterior do cacilheiro do Tejo. "O objetivo é promover o país e os seus produtos dentro e fora do barco, que é por si só um objeto de comunicabilidade, um elemento popular, urbano e de ligação." Aquilo que Joana melhor sabe fazer!
"Trafaria Praia", o nome do cacilheiro, é também o título da obra/projeto, pavilhão flutuante, o que lhe quisermos chamar, que terá como máxima "ser um palco de Portugal", no sentido literal e alargado do termo. Ao mesmo tempo, trata-se do projeto mais autobiográfico da vida de Joana Vasconcelos. "Sou de Lisboa, sou artista, sou da classe média e trabalho com o porto à minha porta (o seu ateliê fica situado no porto de Lisboa, junta às Docas de Alcântara). O que significa que estou a trabalhar a minha própria identidade", explica. "Mas também sou do país e quero levá-lo comigo!"
Em mente, a artista tem como meta "expressar e afirmar a Cultura portuguesa perante o mundo com a maior visibilidade possível e que só um palco internacional como a Bienal de Veneza consegue oferecer".

Arte total a navegar em Veneza
Trafaria Praia deixou de navegar em 2011 e estava abandonado no Seixal

Atracado nos estaleiros da Navaltagus, no Seixal, o cacilheiro está a ser recuperado. Segue-se a intervenção artística. O exterior será revestido com azulejos, azuis e brancos, pintados à mão pela fábrica Viúva Lamego. O painel, inspirado no painel de Gabriel del Barco (século XVII), terá uma representação contemporânea de Lisboa, da Torre do Bugio à Torre Vasco Gama.
Dentro do cacilheiro, no primeiro piso, a sala principal será forrada com uma "intervenção têxtil" em tons de azul e com pequeninas luzes. "É uma sala-cega, será como entrar dentro de um ser vivo, sentindo a sua respiração que será dada pela oscilação das luzes", explica Joana Vasconcelos.
Finalmente, o piso superior, forrado com cortiça, será uma montra de Portugal, com produtos da loja Vida Portuguesa, de Catarina Portas, e um espaço para pequenos eventos (concertos, conversas, cocktails).
A ideia arrancou com os 175 mil euros disponibilizado pela Direção Geral das Artes, que assume a representação oficial portuguesa, o que era manifestamente insuficiente para um projeto desta envergadura. Por isso, além dos vários apoios institucionais, a equipa tem trabalhado para conseguir "parcerias" que possibilitem "que este barco chegue a bom porto".
O Trafaria Praia arranca de Lisboa, já transformado em obra de arte, a 10 de Maio, e será transportado num navio de carga. A chegada a Veneza está prevista para 20 a 25 do mesmo mês. A inauguração da Bienal acontece entre os dias 29 e 31. O barco vai ficar atracado em frente dos Giardini, o local onde estão os pavilhões dos principais países e todos os dias, fará duas viagens na lagoa de Veneza, entre os Giardini e Punta della Dogana, podendo levar até 75 passageiros.
Esta "obra de arte total", como lhe chama Joana, terá "um impacto e uma força únicos e históricos que deixarão marcas na bienal, nesta edição e para sempre", acredita. Não só será a primeira vez que um pavilhão circulará pela Laguna de Veneza, podendo atracar à frente dos Giardini, onde os pavilhões dos mais de 90 países se situam, como, enquanto obra, permite e exige que o espetador entre nela para a ver, habitando-a e vivenciando-a.

Agência de Notícias

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