Impressões Digitais por Paulo Jorge Oliveira


Os mesmos de sempre...

É um facto que o Presidente português tem uma fórmula estranha de produzir os seus juízos políticos. Resguarda-se nas instâncias simbólicas tradicionais (vide discurso do 5 de Outubro) e é profundamente cáustico em fóruns alternativos. Mas o post no Facebook mostra que também o Presidente está contra a estratégia do governo perante Bruxelas, contra o Orçamento e contra a negociação das metas do défice que este fez com a troika. Ficámos a saber que, depois do PS, também o Presidente já não faz parte do “consenso nacional” à volta da aplicação do memorando. Mas terá Cavaco a coragem de vetar o Orçamento2013?



Cavaco Silva, no sábado à tarde, deixou uma mensagem, numa rede social, destinada ao senhor primeiro-ministro, ao seu ministro das Finanças e, sobretudo à União Europeia de Barroso. E não a assinou como Aníbal, nem evocou a qualidade de “cidadão e pai”, pelo que foi no exercício do seu cargo presidencial que escreveu aquela dúzia de linhas.
O presidente escreveu no Facebook que “nas presentes circunstâncias, não é correcto exigir a um país sujeito a um processo de ajustamento orçamental que cumpra a todo o custo um objectivo de défice público fixado em termos nominais”.
Ora, o Presidente disse muito bem. Mas no contexto errado. Uma mensagem desta importância não se pode ficar nos murais de uma rede social por muito grande que ela seja. O recado teria dado uma outra dignidade à mensagem, e alguma esperança aos portugueses, se a tivesse transmitido e desenvolvido no discurso proferido no dia 5 de Outubro. Nessa altura, e com essa dignidade, seria entendido como um sério aviso ao governo para que não insistisse nos mesmos erros na proposta de Orçamento do Estado para 2013. Assim, parece que apenas quis lavar as mãos e desresponsabilizar-se politicamente do desastre que aí vem.
Um ano e alguns dias depois de Passos Coelho chegar ao Governo, o primeiro-ministro está perdido no seu próprio labirinto, sem rumo, nem convicções, sem estratégia, nem discurso político. É neste quadro, que Vítor Gaspar e Passos Coelho querem impor uma dose reforçada de austeridade para o próximo ano via Orçamento de Estado que esta noite foi apresentado pela voz sonolenta do dono da Pasta das Finanças.
O aumento do IRS é avassalador, não apenas por causa da sobretaxa, mas através da redução do número de escalões do imposto. Essa redução faz sentido teórico: Portugal é dos países com mais escalões (oito, contra seis em Espanha, quatro no Reino Unido ou dois na Irlanda). Mas, na prática, é apenas uma forma encapotada de aumentar o imposto.
Para aumentar a tributação não há como fugir ao IRS e ao IVA, que geram quase dois terços das receitas fiscais do Estado. Estando o IVA já encostado ao máximo da Europa (a Dinamarca, por exemplo, tem uma taxa superior, de 25 por cento), ataca-se o IRS.
Mas não são só as taxas. São as deduções específicas, as deduções à colecta, os benefícios fiscais. É o regime simplificado dos recibos verdes. É, nos outros impostos, taxas liberatórias nas rendas. O tabaco. O IMI, apesar do recuo na cláusula de salvaguarda. Este será o Orçamento mais extensivo de sempre, tributa quase à peça. É como se, além de tributar um sapato, tributasse a sola, a meia-sola, o salto, o couro e cada atacador.
Este é o lado A do Orçamento. O lado B é o do corte da despesa, que está por detalhar. Mas também aqui, é preciso olhar para os grandes números. A fatia de leão, já se sabe, são salários e prestações sociais. É assim que hoje ficamos a saber que ao corte de pensões e de ordenados na Função Pública, haverá também uma redução líquida dos subsídios de desemprego e de doença. E que três por cento dos funcionários públicos passarão para o quadro de excedentários, onde receberão salário menor - antes de sair. Paga tudo, minha gente, em pé, deitado e acamado, activo, inactivo e emprateleirado.
Ou seja: Não é apenas mais IRS. É mais tudo. Tudo o que mexe e tudo o que é inanimado. O destro e o canhoto. O que se tem e o que se perde. Quando rasteja e quando voa. Paulo Portas nunca pensou que acabaria a mandar tributar o pai, a mãe, o avô, a avó, o gato e o periquito do défice, que em 2004 atribuiu a Sousa Franco, então ministro das finanças.
Até destacadas figuras dos partidos do governo questionam a sua credibilidade. Mota Amaral diz que o governo diz uma coisa num dia e no dia seguinte já diz outra. Marques Mendes refere-se à subida de impostos como um assalto à mão armada. Como se não bastasse, o FMI veio reconhecer que se enganou nas contas sobre os efeitos recessivos das medidas de austeridade. A recessão pode agravar-se até três vezes mais do que as contas iniciais indicavam. A própria directora do FMI veio pedir mais tempo para os “ajustamentos orçamentais” dos países do Sul da Europa e, consequentemente, menos austeridade.
Pelo que hoje se viu, Vítor Gaspar – tão empenhado em defender os nossos credores lá de fora – não ouviu a mensagem da directora do FMI, não leu a mensagem presidencial do Facebook, nem ouviu os ex-presidentes e só parece focado em agradar aos senhores credores mesmo que nos atire a todos para a miséria. Esperamos um Presidente interventivo nesta matéria e se tiver de vetar o documento... que o vete em nome de um país inteiro.



Paulo Jorge Oliveira
Director da ADN – Agência de Notícias 

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