Nós e as Cidades por Miguel Macedo


Os negócios da banca com quem não pode pagar a casa

Quando as casas eram caras, os bancos competiam para lançar crédito sobre os clientes que queriam comprá-las. Puxaram tanto a corda que fez famílias comprar casas que… nem precisavam. Agora, que a desvalorização dos imóveis atinge muitas zonas onde houve uma explosão de construção nova, - o distrito de Setúbal foi um dos que mais cresceu nessa altura – decidiram cortar o acesso aos empréstimos para quem pretende ser proprietário.



Se cedem o guarda-chuva quando faz sol para o exigirem de volta quando começa a chover, os bancos não andam longe disso.
Os motivos de fundo para este comportamento são conhecidos. A relação entre crédito concedido e depósitos captados tem de ser corrigida. É uma imposição dos credores que decidiram emprestar o dinheiro necessário para assegurar a recapitalização dos bancos portugueses. E, também, o regime alimentar frugal destinado a emagrecer os balanços, inchados com anos a fio de expansão do crédito concedido e que sofrem agora os impactos de um pêndulo que regressou ao ponto de partida para os fustigar com crédito malparado.

Nas situações de incumprimento das obrigações assumidas quando os créditos foram contratados, o último recurso é o de os bancos accionarem as garantias reais e ficarem com as casas. Como o interesse das instituições financeiras não passa por ficarem com uma carteira crescente de habitações que alguém em dificuldades não conseguiu pagar, o caminho natural é o de criar incentivos para se verem livres dos imóveis. Até aqui, não há nada de mais. Trata-se do curso normal dos negócios que, em muitas situações, até permite a quem procura casa própria aproveitar oportunidades com boas condições de preço e de custo do crédito.
Por cada casa que vai parar às mãos dos bancos, há uma possibilidade de alguém fazer um bom negócio, como quase sempre sucede quando um vendedor está sob pressão, em estado de necessidade. Para despacharem as casas que têm no balanço, os bancos estão a usar vários trunfos. Garantem "spreads" inferiores aos que cobram ao comum dos mortais. Dispõem-se a financiar até 100 por cento do valor do imóvel quando o normal, actualmente, é que o limite máximo se fique por 80 por cento. Admitem prazos mais longos em comparação com as condições normalmente praticadas. Prometem ser generosos através da isenção de algumas comissões. E até oferecem o recheio, no futuro com gato, cão e canário incluídos se, daqui por uns tempos, o nível de desespero ameaçar furar o tecto.
As imobiliárias não estão a gostar do esquema. Chamam-lhe concorrência desleal porque os seus clientes interessados em adquirir habitação não dispõem de condições tão vantajosas quanto os compradores que ajudam os bancos a abaterem imóveis ao seu espólio. Por vezes, nem sequer chegam a ter a oportunidade de discutir condições porque recebem um "não" antes de atingirem aquela fase da negociação. É uma forma expedita de as instituições financeiras resolverem os seus problemas e agravarem os problemas noutro lado.
Se há uma racionalidade clara e evidente nesta táctica dos bancos, outros casos não são tão cristalinos. Uma mesma casa pode não ser transaccionada no mercado pelo facto de ter sido negado um empréstimo ao potencial comprador. Mas pode vir a mudar de mãos se for parar à carteira de um banco, situação em que o mesmíssimo candidato a proprietário pode ver o tapete vermelho do crédito ser-lhe estendido. E com descontos.
Os bancos lá saberão o que andam a fazer. Mas esperar que alguém não consiga vender a casa, entre em incumprimento e entregue imóvel ao banco para este depois a alienar, é um processo com custos em burocracia, tempo e dinheiro para todas as partes envolvidas. Os banqueiros dizem que não querem ficar com os bens hipotecados. Mas não parece.


 Miguel Macedo
Estudante de Arquitectura
Montijo 

(Nós e as Cidades é uma rubrica sobre urbanismo, reflexões,  mobilidade e bem-estar, que será publicado às terças-feiras)

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