Críticas Soltas por Joana Teófilo Oliveira


A “Tourada” do Governo e as “touradas” da Casa dos Segredos

Este é o resumo dos dias depois de Pedro Passos Coelho ter posto Portugal a precisar de ansiolíticos. O primeiro-ministro fez um anúncio ao País. O Pedro, no Facebook. Vítor Gaspar confirmou que as medidas vão ser mesmo bestiais e o senhor da troika disse que apreciava como íamos pegar pelos cornos a desgraça. Pior que isso... só mesmo a Casa dos Segredos em horário nobre!


Vieram depois os empresários dizer que é balela a criação de emprego através do aumento da TSU. Veio o líder do maior partido da oposição falar, falar, falar, quando já se ouviam os outros partidos a dizer - como sempre - que tudo o mais são tretas.
Falaram os notáveis do partido eleito a denunciar que nos levavam ao engano. E, no final da semana, lá falou Paulo Portas para dizer que não havia crise na coligação mas que também ele não concordava.
Todos falaram e não adiantaram solução alguma. Neste país de canções e cançonetistas, isto merece ser acompanhado por ‘A Tourada' - cantada por Fernando Tordo. Está no YouTube.
À indignação portuguesa bastam duas frases - "O governo é como o meu marido! Não sabe o caminho mas não pára para perguntar". Estava escrito num cartaz, na manifestação da Troika que se lixe, em Coimbra.
Miguel Sousa Tavares, na SIC, já disse: “quando um estiver na cozinha a mexer em facas é bom que o outro fique de olho!”. Meus senhores, muito cuidado com a violência doméstica.

E agora a Casa dos Segredos
No tempo das aldeias, do falar no lavadouro, na taberna ou à porta da igreja, a curiosidade pela vida alheia nascia e morria pelo passa-palavra. A curiosidade corresponde à necessidade de saber como é a vida. Há-a boa e má: entre a troca de informações e a coscuvilhice vai um passo.
Depois veio a individualização dos indivíduos na vida de cidade. Vive-se em prédios ou vivendas sem conhecer os vizinhos. Muitas vezes, depois de um crime, vizinhos e mesmo familiares dizem que não desconfiavam de nada; muitas pessoas morrem sozinhas e só o cheiro, que não conhece fronteiras sociais, dá o aviso.
Os media compensaram o isolamento contemporâneo com informações privadas, frívolas e coscuvilhice. Em vez do passa-palavra, passou-se ao vira-páginas cor-de-rosa ou ao zapping entre canais para saber coisinhas de vidas privadas. Partilhando a privacidade dos "conhecidos", as pessoas sós julgam ficar menos sós, e ficam-no, de algum modo.
Mudou estruturalmente a informação divulgada. De conversa no lavadouro, a curiosidade tornou-se global nos ecrãs e no papel impresso. E se, há cem anos, os jornais informavam apenas o lado público da vida privada, hoje os media tendem a relatar a intimidade. Interessam menos as férias do parlamento do que mostrar a sua presidente em biquíni. As fotos de Kate Middleton em topless, sem qualquer interesse público, exemplificam esta degradação do carácter da curiosidade, resultando de devassa de propriedade privada e invasão da intimidade.
A Casa dos Segredos 3, na TVI, representa a mesma inclinação colectiva para o pior da curiosidade. O programa é bem feito tecnicamente, mas eticamente é lamentável, o que ser "mero entretenimento" não deve obscurecer. Tem uma construção manipulada da narrativa para promover a expulsão dos concorrentes menos "interessantes", aumentando suspense e audiências. Sendo um jogo, não tem regras fixas até ao final; ninguém controla a veracidade das "votações". A escolha dos concorrentes e a construção da narrativa, beneficiando da supercompetente Teresa Guilherme no género, baseiam-se na exibição da intimidade e nas hipóteses de haver sexo ao vivo, relações pseudo-amorosas e escândalos no estúdio em forma de "casa". Um concorrente foi escolhido por anunciar ter um pénis "anormalmente grande" e prometer exibi-lo. Outro porque gosta “dos mamilos” do próprio. Outro ainda que diz "encornar" a namorada [que também está na casa] muitas vezes. E por ai a fora...
A produtora, Endemol, apresentou queixa contra o "acto de pirataria" dum anónimo que sacou da Internet as suas fichas secretas de concorrentes. Não poderia haver acção judicial mais patética, porque a Casa dos Segredos é ela mesma um acto de pirataria contra valores éticos da sociedade.


Joana Teófilo Oliveira
Estudante de Ciências da Educação
Quinta do Anjo 

O homem que não aceita crítica não é verdadeiramente grande. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. Outras irónicas. Tantas vezes desiludida e incompreendida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. O tom das Críticas Soltas às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se quiserem, a irritação perante a vida, a política, a sociedade… o mundo, enfim. À quinta-feira por Joana Teófilo Oliveira para o ADN. 

Comentários

  1. Texto consciente e revelador de um carácter digno! Os meus parabéns! *

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