O que é o urbanismo By José Cardoso

Urbanismo no nosso país 

Introdução – O urbanismo tenta estruturar a cidade para necessidades da actualidade. As soluções baseiam-se num modelo ou esquema ideal às novas realidades, mas serão estas soluções a herança que queremos para os nossos filhos? A sociedade industrial é urbana, produz metrópoles, grandes conjuntos habitacionais, mas fracassa no ordenamento; a insatisfação das soluções encontradas é evidente, tenta-se aqui colocar em evidência ideias base criticáveis, realço que qualquer um de nós tem essa mesma liberdade de idealizar a sua cidade ideal, cada nova ideia será enriquecedora para o seu conjunto, tal como Descartes diria, nunca encontrou numa grande individualidade, nem nos maiores filósofos maior conhecimento que no conjunto de um povo. Ao longo do tempo vários “especialistas” modelaram a nossa terra como eles próprios a entenderam, seguindo modelos intrínsecos á sua própria identidade e não á identidade da população habitante.



O urbanismo (ciência e arte)
É sob duas formas teóricas e prática, apanágio de especialistas, geralmente profissionais da arquitectura e da economia, deixando de ser uma visão global de uma sociedade despolitizada; trocando a evolução natural do espaço urbano por um destino técnico e prático, não se libertando contudo de uma dimensão imaginária mas condicionada às condições económicas e administrativas e aos ideais individualistas de meia dúzia de técnicos, que mesmo não sendo habitantes nem pertencerem ao lugar o definem no seu próprio modelo, tornando-a polémica/criadora afirmando-se num movimento utópico, sem cultura própria do povo, mas apenas a cultura personalizada de cada técnico num conjunto que acabará por se despersonalizar.
Critica ao urbanismo em questão
Uma equipa de peritos já tentou imaginar a cidade do século XXI em função simultaneamente de novas técnicas de construção, do estilo de vida ou necessidades, essas cidades futuristas têm algumas características comuns – concentrações humanas muito fortes e libertação da superfície terrestre conquistando espaço ao subsolo, ao mar, á atmosfera (urbanismo espacial tridimensional) desnaturalizando as condições de existência, optando por solos e climatização artificial com uma arquitectura específica e aparência plástica, esta “arquitectura visionária” iria adquirir o interesse do público pela “cidade do futuro”, dando uma perspectiva do quotidiano totalmente diferente. A contribuição técnica não deixa de incluir perigos ideológicos ao negar o conceito “cidade” localizando-a num lugar indiferenciado e indefinido, um receptáculo qualquer, ou localizando-a como um belo objecto técnico inteiramente determinado e encerrado mas que não passa de um objecto comparável por exemplo ao automóvel ou electrodoméstico, contrário portanto ao conceito de lar enraizado no ser humano”o traço fundamental da condição humana”, questiona-se até a designação desse espaço como cidade, tornando num local da técnica, esquecendo o humanismo em prol de sustentabilidade económica.


Urbanismo socializado
O conceito central, o de higiene mental social e sua influência sobre o comportamento humano, reporta-nos á pesquisa da psicologia social que não é obrigatoriamente coincidente com a higiene física. Existe o perigo de implantar no meio social a monotonia e o tédio. Os espaços verdes poderão ser vazios e amorfos em vez de activos, acabando por ser fonte de angústia, não sendo assim factor da relação proximidade no desenvolvimento de valores, ao contrário o papel social da rua como área preferencial, para jogos de crianças, os passeios das calçadas ou dos jardins públicos locais, origina o encontro casual a conversa de rua, acabando com o carácter angustiante do anonimato, ajuda a ultrapassar barreiras traumáticas e stressantes, sendo o nível de criatividade medido pelo poder de enfrentar situações novas, este critério higiene mental traz uma contribuição capital ao nível do método, sendo um dado real e suplementar a integrar em normas e princípios que deviam reger a planificação de cidades, intimamente ligado á psicologia do comportamento, há necessidade de integrar o habitante no processo, como interlocutor diante do planeador deixando de ser objecto inactivo, passando a parte activa, como esclarecedora da sua especificidade contribuindo de alguma forma com uma série de laços existenciais, práticos e afectivos que os unem a ela.
A cidade não é um quadro nem uma obra de arte do planeador, a cidade não é apenas um objecto ou instrumento para realizar funções vitais, é também um quadro de relações interconscenciais, sociais culturais, etc., essenciais ao bem-estar da sociedade que a integra, é dar vida social ao espaço urbano e socializar o habitante.
Que significado dar á crise do urbanismo? Porque o planeamento urbano suscita hoje tantas dúvidas e dificuldades?
Um contra-senso foi cometido e continua a ser sobre a natureza e verdadeira dimensão do urbanismo. O seu planeamento não é uma ciência rigorosa e a ideia de urbanismo científico é um mito da Era industrial, ainda aproveitado por alguns técnicos para se auto evidenciarem.

Na raiz do planeamento, por trás das racionalidades e conhecimentos que pretendem fundá-la, escondem-se tendências e sistemas de valores, ligam-se de facto á problemática geral da sociedade maquinista. Organismos estatais e privados dirigidos por técnicos de construção com os seus próprios conceitos de coordenação, a sua própria linguagem, a sua própria forma ideológica simplista de visualizar as infra-estruturas e super estrutura, incoerente muitas vezes com a economia disponível, estagnando numa micro linguagem limitada ao seu mundo e limitadora a outros intervenientes, por exemplo o habitante ou outros profissionais inerentes ao processo, forçados a escutar sem muitas vezes entender, limitando-o a espectador inoperante e frustrado, totalmente fora de um contexto “democrático” do conceito que é pertença de todos e não apenas de técnicos, que ao fim e ao cabo apenas sabem dimensionar as necessidades dos números, desprezando muitas vezes a essência da pertença comum (ideia básica de sociedade), já se torna deplorável que a logo técnica do urbanismo seja apenas um código prático de especialistas desprovido de referências que o liguem ao universo social, somos levados á intuição de ver a crise da cidade como reflexo da crise da sociedade, acções inovadoras e transformadoras devem parar a repetição de fórmulas fixas que transformam o discurso em objecto, definindo sistemas de relações, criando estruturas flexíveis, abrir novos significados ao novo espaço temporal, estimular a elaboração de uma linguagem de tramas comuns dos diferentes sistemas semiológicos permitindo uma aberta comunicação entre todos os interessados intervenientes (cidadãos e técnicos). A linguagem técnica urbanística perderá a sua especificidade, mas conquistará um plano superior de generalidade, contribuindo para o conjunto colectivo. Mas no seu papel, o habitante deverá ter o cuidado de ser interveniente com lucidez, não deixar-se seduzir por pretensões que o alienem de suas liberdades nas realizações do plano da sua cidade, só assim, deixaremos o nosso contributo comunitário às gerações vindouras. Assim o maior desafio do técnico será o de criar mecanismos que o liguem aos cidadãos, juntando ao seu trabalho técnico o humanismo comunitário, enriquecer o seu conceito de urbanismo para uma outra dimensão, não limitada á obra de arte do objecto, mas ao sentido humanista do mesmo. Será necessário cair em humildade de não criar a sua própria obra de arte, mas a obra de arte de todos.
Ninguém sabe qual será a cidade do amanhã. Talvez perca riqueza, semântica do passado ou até perder o seu significado com o perigo de aglomeração global. Ainda que ela funcione na perfeição ela só conservará o seu valor com a conivência dos seus habitantes, devendo ser planeada á sua medida. Quem melhor que nós conhece a nossa casa? De certeza que não é o arquitecto ou o engenheiro que a construiu, estes construíram apenas um objecto, mas nós damos-lhe a dimensão de lar, o nosso lar.
 Agora por favor dêem-se a liberdade de pensar a nossa terra, idealizem e tornem público, nem que seja apenas conversa, sem problemas de preconceito de desconhecimento de termos técnicos, pois o valor destes é bem menor que a riqueza da ideia, sendo uma ideia menos boa melhor que nenhuma, e a diversidade de muitas um tesouro para o decisor, pensemos e digamos sem medos, a bem da nossa terra.
Agradecimentos:
Professor: Arquitecto João Pedro Serqueira e Françoise Choay







José Cardoso
Gestor de Construção
Palmela 

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