Inspeção declara aumentos nulos

Trabalhadores da Câmara de Setúbal têm de devolver o que ganharam

Cerca de 400 trabalhadores da Câmara de Setúbal aprovaram esta quinta-feira uma moção em que apelam à presidente da autarquia para que proceda à revogação do despacho que os obriga a devolver aumentos salariais. Segundo a imprensa desta quinta-feira alguns funcionários terão de repor 1500 euros e há até quem tenha de repor 10 mil euros. PSD e PS já vieram publicamente criticar a posição da presidente. As Câmaras de Palmela, Sines e Grândola podem ter de fazer o mesmo.

Maria das Dores Meira diz que nada pode fazer 


De acordo com a moção aprovada no plenário organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), que decorreu no auditório municipal Charlot, os trabalhadores exigem a revogação das "mudanças de posição remuneratória por opção gestionária ocorridas em 2009 e 2010".
Após o plenário, os trabalhadores desfilaram pelas ruas da cidade e concentraram-se em frente aos Paços do Concelho. Face à ausência da presidente da câmara, uma delegação da Comissão de Trabalhadores e do STAL foi recebida pelo vice-presidente, Carlos Rabaçal (CDU), e pela vereadora dos Recursos Humanos, Carla Guerreiro, que se comprometeram a apoiar a luta dos trabalhadores pela não aplicação das medidas impostas à autarquia pela Inspecção-geral da Administração Local (IGAL).
Em declarações aos jornalistas, Carla Guerreiro afirmou que a imposição da IGAL "era muito forte e que não deixou margem à autarquia, obrigando o município a revogar os aumentos salariais atribuídos ao abrigo da opção gestionária a partir de 2009".
Maria das Dores Meira “a Câmara Municipal tem como um dos seus princípios de gestão a valorização do trabalho, segundo critérios de legalidade e de responsabilidade social”, salientou a presidente, tendo por isso constituído “opção estratégica proceder à alteração da posição remuneratória por opção gestionária de um número significativo de trabalhadores, por referência aos anos de 2009 e de 2010 através de despacho”. A autarca assegurou que “essas decisões foram fundamentadas numa análise técnica interna cuidada e rigorosa, e na melhor informação disponível à data”, designadamente em “pareceres jurídicos e orientações técnicas” disponíveis nas páginas eletrónicas da DGAL – Direção-Geral das Autarquias Locais e das comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro e de Lisboa e Vale do Tejo.

Trabalhadores preocupados 

Quem está preocupado com esta decisão é os trabalhadores, e foram cerca de 400, que se viram graças a esta decisão de gestão, primeiro promovidos salarialmente e agora despromovidos e obrigados a devolver as quantias em questão.
O caso não é para menos. É que casos existiram em que a progressão se refletiu num aumento de 150 euros mensais, o que, feitas as contas, poderá obrigar os trabalhadores em causa a devolver verbas na ordem dos dez mil euros. A maioria dos trabalhadores recebeu um aumento na ordem dos 50 a 70 euros mensais. 
Ora, compreenda-se que em época não muito dada a poupanças, em que pelo contrário o aforro decresce e as dificuldades aumentam, a obrigatoriedade de devolução de quantias, em muitos casos já gastas, poderá criar graves situações a várias famílias.
Preocupados com a situação, os trabalhadores reúnem-se esta tarde para decidir como reagir perante a decisão de que tomaram conhecimento recentemente. Em cima da mesa está a hipótese de recorrer ao Tribunal para que através de uma Providência Cautelar suspenda a efetivação da medida.


“Nada há a fazer”
Trabalhadores de Setúbal terão de repor dinheiro 


Para o dirigente do STAL João Paulo Sousa "não há nenhuma ilegalidade nos aumentos atribuídos aos trabalhadores no âmbito da opção gestionária".
 O dirigente acrescentou que a autarquia foi obrigada a revogar os aumentos salariais aprovados anteriormente na sequência do que disse ser a "política de direita do Governo".
Uma ideia corroborada por Fátima Silveirinha, da Comissão de Trabalhadores, que considerou a revogação dos aumentos como uma medida inserida na estratégia do Governo de retirar direitos e dinheiro aos trabalhadores.
Fátima Silveirinha referiu ainda que a presidente da Câmara Municipal, Maria das Dores Meira, não tinha alternativa porque, caso não tivesse proferido o despacho de revogação dos aumentos salariais, o processo seguia para o Tribunal Administrativo e para o Tribunal de Contas, onde teria de ser a autarca a responder com o seu património pessoal pelos valores pagos indevidamente, que ascendem a mais de um milhão de euros.

Oposição critica autarquia

Os partidos da oposição em Setúbal, já vieram a público falar do assunto e deixaram duras críticas à gestão comunista. O PSD diz que “qualquer detentor de cargo público deve atuar em total cumprimento da lei, deve estar ciente das suas responsabilidades e deve de agir como exemplo”, comenta Paulo Calado que quer que a presidente de Câmara explique “publicamente o que aconteceu”.
Por sua vez o Partido Socialista diz que foi mais “um aventurismo autárquico” do executivo. No entender dos vereadores do PS consideram que a Câmara cometeu uma “ilegalidade” ao não ouvir os trabalhadores em audiência prévia. O PS ainda estranha que Maria das Dores Meira “esteja tão convencida de que não cometeu nenhuma ilegalidade e, baseada, num mero parecer do IGAL resolve ir ao bolso dos trabalhadores”.  

Setúbal não é caso único

A progressão remuneratória por opção de gestão dos Executivos camarários é uma questão que está na ordem do dia há pelo menos um ano, quando o IGAL deu instruções aos seus fiscais para apertarem as malhas de fiscalização às autarquias – Câmaras e juntas de freguesia – que tenham promovido funcionários sem respeitarem o SIADAP.
Chegou-se na altura a alertar os autarcas para a possibilidade de perderem o seu mandato por crime de peculato, por preencher o tipo do crime, ou seja, “um aproveitamento de dinheiros públicos a favor de pessoas que não têm direito a recebê-los”.
Em vigor desde 2006 e revisto em 2009, o diploma que adapta o SIADAP às autarquias conheceu entretanto a entrada em vigor da Lei dos Vinculos, Carreiras e Remunerações.
Este diploma cria duas vias de progressão na carreira para os funcionários públicos tanto da administração central como da local. Uma envolve a acumulação de dez pontos na Avaliação e a outra é a progressão por actos de gestão que resulta da avaliação feita cada ano e das possibilidades orçamentais e da decisão dos dirigentes, que na Câmara são os presidentes.
Ora, o IGAL entende que essas avaliações por actos de gestão têm, para serem legais, de respeitar as regras do SIADAP e recusa liminarmente a possibilidade de acontecer em casos em que não foram realizadas avaliações, atribuindo a edilidade um ponto ao trabalhador por cada ano que não foi avaliado.
Este entendimento do IGAL não encontrou eco em muitas câmaras que discordando da interpretação do organismo público procederam mesmo assim às referidas progressões. Foi o caso de Setúbal. É caso também de Palmela, que também não aceitou a interpretação do IGAL e procedeu a progressões na carreira sem o estrito respeito pelas invocadas regras do SIADAP.

Paulo Jorge Oliveira 

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