Musicalidades - Fernando Tordo

Tordo, em cantigas cruzadas

Fernando Tordo é maior do que uma vida: 63 anos cumpridos este ano, 46 de carreira. Melhor é fazer a soma, pois na sua existência habitam vivências que não cabem nas contas do comum dos mortais. E nem seria preciso falar dos festivais da canção, das dezenas de discos editados, das peças de teatro escritas e interpretadas, dos poemas do livro Quando Não Souberes, Copia, do spaghetti literário de Fantásticas, Fingidas e Mentirosas, ou das pinturas agora (re)descobertas para dizer que Tordo é um dos melhores artistas portugueses. "Resisti à minha custa, com as minhas canções e trabalho, sem depender de lóbi algum. Olho para toda a gente de cara levantada", disse numa entrevista. Hoje estará no Auditório do Pinhal Novo para um concerto 
intimista; onde mistura as suas “canções de sempre” com os novos trabalhos...



46 anos depois do inicio de carreira, o cantautor de longo curso prefere conjugar os dias no presente do indicativo do verbo estar. Vivo. Sem perder de vista um futuro mais que perfeito.
Fernando Travassos Tordo (Lisboa, 29 de Março de 1948) é dos melhores cantores e compositores portugueses. Começou a cantar aos 16 anos, passou pelos Deltons e pelos Sheiks, em 1968, na sua parte final onde substituiu Carlos Mendes. Participou no Festival RTP da Canção de 1969 onde interpretou o tema Cantiga. Nesse mesmo festival conheceu o poeta Ary dos Santos. Foi um dos vencedores do Prémio Casa da Imprensa como cançonetista e compositor (pela riqueza harmónica, melódica e rítmica dos trabalhos gravados em disco).







A “Tourada” que a censura não percebeu

Em 1971, atingiu o 3.º lugar com a canção "Cavalo à Solta", tema que seria integrado no seu primeiro longa duração (LP), editado em 1972. Este álbum é o primeiro que produz em estreita colaboração com Ary dos Santos. 
A sua insistência no Festival da RTP acabou por ser premiada com a primeira vitória, no ano de 1973, com "Tourada", uma crítica aberta ao regime, com a ironia mordaz de Ary dos Santos na letra. Apesar da polémica, Fernando Tordo representou Portugal no Festival da Eurovisão desse ano. “Ninguém leu as entrelinhas. Ou se alguém percebeu, calou-se”, disse uma vez em entrevista.  
Em 1974, estreou-se no teatro, com Ivone Silva, Tonicha e Herman José, entre outros, na peça "Uma no Cravo, outra na Ditadura" de César Oliveira e Ary dos Santos, para a qual gravou o tema "O Emprego".

O cantor partidário

Depois do 25 de Abril, Fernando Tordo não escondeu a sua militância no Partido Comunista Português e participou na Festa do Avante de 1976. “Fui militante até 1991. Dei tudo, nunca virei as costas. Não me arrependo, mas jamais voltarei a estar dentro do redil de um partido. Cantei em aldeias, com lama até ao pescoço, de borla. Passei tempos fantásticos e conheci pessoas fantásticas. Foi uma experiência impressionante até concluir que não há nada pior para a liberdade individual. Cantores dessa órbita política sentiram-se maltratados e humilhados pelas máquinas partidárias”,  disse o cantor. Nesse ano, voltou a vencer o Festival RTP, ao lado de Paulo Carvalho, Luísa Basto, Ana Bola, Edmundo Silva e Fernando Piçarra, no grupo Os Amigos e com a canção "Portugal no Coração". 
O regresso aos registos discográficos aconteceu ainda no decorrer de 1976. Com Paulo Carvalho, gravou o álbum Estamos Vivos. Dois anos volvidos, juntou-se-lhes Carlos Mendes e os três fazem uma retrospectiva da carreira dos Sheiks, 10 anos depois da separação da banda. O disco chama-se Dez Anos de Cantigas. Fez uma dupla única com Ary dos Santos em mais de 600 canções ou, como disse Tordo, “talvez mais, misturando teatro e tudo. Mas deitávamos os papéis fora. Um crime! Razão tinha o Luís Villas Boas, que assistia às nossas sessões e ia apanhar alguns...”.
Em 1980, editou o último trabalho em colaboração com Ary dos Santos, intitulado Cantigas Cruzadas. Este álbum assinalou o fim de uma ligação com 14 anos. A partir daqui, Fernando Tordo assinou, para além das músicas, as letras dos seus trabalhos. 

Adeus Tristeza marca novo rumo


Adeus Tristeza (1983) é o primeiro disco com letras de Tordo e também um dos de maior sucesso da sua carreira, elevando a popularidade do autor a níveis não atingidos antes. Ainda durante esse ano, mudou-se para os Açores, - por questões de amor – para a casa do seu amigo Decq Mota. A estadia no arquipélago trouxe-lhe a oportunidade de conhecer o maestro de Jacques Brel, François Rauber, com quem viria a colaborar nos dois trabalhos seguintes, Anticiclone (1984) e Ilha de Canto (1986), ambos apresentados ao vivo na Aula Magna, em Lisboa. “O que me fez regressar foi o casamento. Os Açores significaram uma aprendizagem de vida que não vem nos livros. Foi uma vivência inesquecível e devo-a aos açorianos. Muita gente dizia: ‘Açores? Eh pá, isso é do pior que há, é só reaccionários’. Mas nunca fui tão bem tratado. Não esqueço, por exemplo, a cortesia e delicadeza do então presidente do Governo Regional, Mota Amaral”, confessa Tordo anos mais tarde.  

No caminho do jazz

No ano de 1988, editou, com José Calvário, um disco de homenagem póstuma a Ary dos Santos, falecido quatro anos antes. O regresso aos palcos aconteceu em 1989, de novo na companhia de Paulo Carvalho e Carlos Mendes, numa tournée de espectáculos de grande sucesso, que deu título à edição em disco de Só Nós Três. Seguiu-se um período de afastamento, até novo retorno às actuações ao vivo, dando suporte a duas edições discográficas gravadas com o apoio da Youth National Jazz Orchestra, de Londres. Assim, as gravações de Só Ficou o Amor por Ti (1994) e Lisboa de Feira(1995) estabeleceram uma aproximação à sonoridade jazz, sem renunciarem às raízes da composição popular ligeira do autor.
Após outro interregno prolongado, Fernando Tordo voltou ao estúdio, gravou novo trabalho, ainda mais virado para o público jazze batizou-o recorrendo a um aforismo de Galileu que bem pode caracterizar a carreira do autor, marcada pela constante revitalização e pela consistência: E no Entanto Ela Move-se (2002).

Concerto em Pinhal Novo

E por este andar, Tordo está esta noite em Pinhal Novo para um espectáculo, de cariz muito intimista, apenas com piano e voz. O cantor tem vindo a “apresentar o fruto do meu trabalho de toda a minha vida. Tive a felicidade de melhorar com o tempo, mas trabalhei muito para conseguir chegar onde cheguei”. No Pinhal Novo, Tordo vai cantar alguns novos temas do futuro álbum a lançar no final do ano, que se chamará “Por este andar”, - onde apresenta o tributo a Amy Winehouse – e cantar também clássicos como “Adeus Tristeza”, “Cavalo à solta”, “Tourada”, “Se digo meu amor”, ”Balada para os nossos filhos”, “Estrela da Tarde”, “O Café”, “Chegam palavras” entre outras canções que fazem parte da cena musical do nosso país.
É um encontro marcado pela relação de proximidade entre o cantor e o público, marcado por uma interacção constante e grande à vontade, fruto dos quase 50 anos de profissão. É esta noite em Pinhal Novo, às 22 horas, no Auditório Municipal. 
Fernando Tordo, 63 de idade, compositor e cantor de longa carreira profissional e artística é, acima de tudo, um homem de coragem que mostra nas suas palavras franqueza e determinação na defesa dos seus ideais contra a cultura de mentira, cobardia e de desrespeito pela vida das pessoas.

Paulo Jorge Oliveira


  

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